segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Pop Off

Noite de Inverno tropical confisca o frio ao Dezembro que se vê excluído da sua estação. Na margem norte do Tejo, junto à Bica no Sapato, um paquete espera pelos turistas de terceira idade que estão a visitar Lisboa em autocarros. O Lux tem nova decoração que reflecte a contemporaneidade em diversas disciplinas das artes visuais, o valor acrescentado é a heterogeneidade. A reunião na sala de concertos é a propósito de “Equilibrio”, o último registo de originais de Balla, banda de um homem: Armando Teixeira, uma das figuras mais prolíficas do cenário pop com carimbo português, fez parte de inúmeros colectivos, o mais reconhecido é Da Weasel, que abandonou durante a década de noventa. Armando Teixeira entra em palco com um objecto nas mãos que irradia luz branca, a sonoridade é próxima de um tremelim electrónico e as máquinas fotográficas disparam assim como palmas que instigam uma histeria contida. As luzes acendem-se e exibem a silhueta de Armando Teixeira, magro e de olhos grandes a rasgar o rosto e com nariz rectilíneo, se parece um lobo é porque o seu corpo cobre-se de negro para se saciar da nossa alma para ser mais forte, mais humano. A sua voz é grave e a gestualidade está presa ao microfone revelando introversão e timidez, mas os acordes são alegres. “Como mais ninguém”, o coro gravado: “EEEAAAOAO”, o beat é pesado que convida a dançar, “reflexo numa montra que nos viu passar”, voz de Balla: “OOLALA”, coro, “EEEEAOOO”, a constatação “quando me encontras forte como mais ninguém!”, “e sabe tão bem”. “Boa noite!”, os acordes agudos da guitarra levam-nos para junto de David Bowie, na sua fase Berlim, misturado com Kraftwerk, “com isso”, “e tudo em nós será querer”, “silêncio”, e instaura-se a melancolia, “gozo”, “tudo em nós será”, “quis ser”, “dedos nos teus”, “querer”, “quis ser”, “nada me consome mais”, mantêm-se o ritmo pesado da electrónica. No terceiro tema o baixo samplado ganha preponderância, que é entrecortado pelas teclas, “corpo”, cinético-erotico, “não vou ter medo, nunca mais”, “não deixes espaço dentro de mim”, “nunca mais”, coro: “Ei”, os teclados repetem os acordes da guitarra: “será de mais?”. “Estamos aqui a apresentar o nosso quarto trabalho: ´Equilibrio`, aproveitem!”. O meio-tempo arrefece a sala ligeiramente, black-blues, “diz-se”, “tempo”, teclado kitsch. A pop binária: “desejo”, “saltei”, “tem cuidado contigo”, com o teclado a ser a força dissonante dos Balla. Liliana é convidada a acompanhar Armando Teixeira, enverga um vestido cor-de-rosa claro de alças e meias de vidro com um padrão amazónico, a música é lenta, a letra paradoxal, está-lhe inerente uma sentença: “Vai-te embora, vai-te embora já”, a voz grave é secundada pela de Lili, ele diz-lhe: “Eu não gosto de ti, mas tu gostas de mim”, a impotência perante a sua beleza omnipresente: “Toda a gente que gosto apaixona-se por ti”. A contradição: “Não posso negar que sou doido por ti”, o slow-tétrico é um contínuo jogo de espelhos. A sexta canção divide-se em duas partes, a primeira tem ritmo lento pontuado por discretos break-beats: “sombras”, “as tuas mãos a fechar”, solo da guitarra, “o vento fuma”, “sombras”, “é o 12º dia”, pop-blues, “as tuas mãos a fechar”. Na segunda parte o ritmo acelera, “respirar”, “sinto”. A “tempestade”, está por chegar através dos “ventos do Norte”, o ritmo muito curto, para dançar como um robot: “já subi”, “não dormi”, “paguei”, “fraco”, a voz de Lili: “é o vento”, “dentro”, Armando: “já subi”, “nunca fui tão forte”. A seguir, “a minha favorita”, “Lixo”, da bateria ouve-se o bombo, a guitarra de três acordes dedilhados lentamente, a canção convoca à terra que o viu nascer João Aguardela quando encabeçou o fado do futuro na Naifa: “ouve o que eu vou fazer”, “espalhavas o segredo”, “porque eu sou lixo e tu também”. O último convidado de Balla é Samuel Uria, mas Armando avisa que “não é um dueto romântico”. A censura alicerçada no ciúme: “não gosto de ver-te pousar”, pop para danças de salão, “vou até ao fim da luta”, “tanto mal”, “falar”, “mas eu não sou”, “não vou”, mas vai, “não vou até ao fim da luta”. A electrónica ganha contornos de relevo acelerado, e a impossibilidade a incapacidade a frustração: “não me vais encontrar”, “a passar”, “não tenho sete vidas”, “não quero saltar antes de tempo”, “a passar”, “não tenho sete vidas”, “não quero saltar antes de tempo”, instaura-se uma florescente união psico-distorcida repetitiva, palmas e histeria, conjugam-se mutuamente. O penúltimo tema, é electro-pop, “gostava de ti, eu nunca dei um passo sem um dia o inventar”, “ninguém”, “sonhar com outro futuro”. “Foi muito bom voltarmos a Lisboa! Obrigado a Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia, Luís Peixoto, Luís Varatojo, Samuel Uria, à Liliana” e aos músicos que acompanham Armando Teixeira que permite que a música se transforme numa filigrana que ao ser compósita revela-se em sonhos pop off.

Equilíbrio, Balla, 10 de Dezembro, Lux/Frágil @ Lisboa

domingo, 24 de outubro de 2010

The Beat Generation

Um intro de discoteca londrina do final dos anos oitenta marca a entrada em palco The Psychedelic Furs, que poderiam ter sido uma criação de Andy Warhol, se não tivessem nascido em Inglaterra, no pós-punk. O Teatro Sá da Bandeira tem cadeiras de napa que deveriam ter sido removidas, entram os irmãos Butler o que segura o baixo veste um blazer negro com uma caveira de prata na lapela, é alto e o seu rosto ossudo é cortado pelos óculos escuros. À sua direita Richard Butler, a sua voz é grave e confunde-se com o saxofone, empunhado por um homem baixo e sem pescoço, tem a cabeça grisalha e uns óculos escuros a esconder o olhar. Tem a seu lado um guitarrista que raramente se dá conta da sua existência, assim como os teclados dedilhados por uma loura elegante. De realçar que o Sá da Bandeira revela-se como o maior inimigo dos Furs, a acústica é inócua. Após o hino “Pretty in Pink”, “ins`t she?”, “last dress”, “pretty in pink ins`t she?”, Richard Butler, ri, e pousa para as máquinas fotográficas que o captam de preto e óculos de lentes transparente, solo do saxofone, “she”. Bateria, saxofone, soma-se o baixo e a voz: “Stop”, solo do saxofone, “she said”, “sweet dreams”, “scream”, “yes she is a heart beat”, sax, “yeah”, “nobody talk”, “I need a heart beat”, “I need a heart beat”, "I need a heart beat”. Banda, sax, voz, baixo, Richard enquanto imita a gestualidade de uma marioneta de canto desarticulado, desdenha as “movies stars”, “I don`t Want”, punk-rock nova-iorquino, “movies stars”, teclado. Palmas. O público coloca-se à frente do palco abandonando as cadeiras, instala-se uma histeria miudinha. “Thank You!!!”, sorri. “Don`t cry”, “don`t cry”, “Come and go”, funk-rock, “hit me like a train”. O baixo ouve-se gradualmente mais encorpado o que é uma mais valia para se sentir a pulsação dos Furs, “Play”, o saxofone emerge num solo magistral, assim como a guitarra, “all the time”, “memories”. Guitarra, meio tempo, e a bateria e o baixo aumentam o ritmo, sax-solo, progressão, “driving a car”, “but I understand”, electro, guitarra, solo de sax prolongado de Mars Williams numa linha inapropriada que se aproxima de Andy Mackay com ácidos. “Anyway, can you understand? But I can can understand”, “promises”, finalizada com solo louco do saxofonista. O meio tempo “get away”, pop, “absolut crazy”, “parachutes”, “pray”, uma música enrolada num estranho remoinho que leva os corpos para a fogueira mas em simultâneo é a partir do fogo que lhes dá vida. “So romantic”, “crazy”, “AAAAAAAAAA”. A cruzada pelo meio tempo é ganha “talk”, “sister”, “oh yeah”, “morphine?”, “OH Yeah!, “Radio”, tétrica, “dreams”, “oh yeah!”. A equação pop surge através de “papers”, “love”, “she”, “she won`t wait for you”, Richard aperta as mãos dos fãs que dançam aos seus pés, “she can`t wait”, com a pandeireta a ser executada pelo saxofonista a exalar cascavéis. Pop: “land”, artilhada numa wall of sound inspirada em Phil Spector, vertida para um frasco de veneno ao dispor de qualquer criança, psicadélica, “regret”, “head”, “I hear of you”, “pray”, solo do sax. “Full of people”, hard rock, “push”, “I can see”, “Play”, “big cities, big stars, big cars”, “big town”, “get lost”, “who cares? Big cities, big stars, big cars”, suspende os braços à volta do corpo e atira-os para trás a exorcizar o passado. Richard Butler na boca de cena imita o movimento de uma chinesa dentro de uma caixa da música, “Heaven”, pop-psicodramatica, solo do saxofone, “and heaven”, “don´t you fall apart”, “Heaven”, “Heaven, don`t tell you apart”. Richard Butler abandona a banda que dá progressão à canção. Richard Butler, regressa, fica fixo na boca de cena, e ergue o braço direito e estende-o e abre a mão, é a demência da pop surrealista, o saxofone desloca-se para a direita, Richard para a esquerda a berrar: “I DON`T WANT TO CHANGE”, “DON`T LIES”; “NO TEARS”, junto ao público na boca de cena: “Happy”, “say yeah”, “it`s said”, “don`t cry”, “OOOOOOOO”, rock and roll com fonte Velvet Underground, suja. “OOOOOAAAAAAA”. Quando pára de rodopiar, uma ovação eclode, e a electricidade mantêm-se estática à espera do regresso dos Furs, acendem as luzes e as reticencias são saudade.

The Psychedelic Furs, 20 de Outubro, Teatro Sá da Bandeira @ Porto

sábado, 23 de outubro de 2010

Nobel

“No Blue Skies” é cantado por Lloyd Cole, vestido de negro, o seu cabelo grisalho tem uma madeixa branca e uma barba que contorna o seu rosto de 49 anos, sobressaem os olhos escuros que se emocionam enquanto ele narra. “Tell the stars of the skie”, “Looking for someting”, “someone else”, “maybe”, “When I cry to your feet”, “All I `m gona do is cry”, “read”, “baby”, “to prestige”, “feet”, “baby”, “to well read”, “anymore”, “What `s gona fappen when you open your eyes, it`s a brand new day babie, No blue skies”, revista numa versão com três guitarras acústicas. O eterno Commotions apresenta “Broken Record”, com um small ensemble composto por mais dois músicos, sob as luzes estáticas do palco do Teatro Academico Gil Vicente: “Most of the time, so We drink Spanish wine”, “tell the morning”, “the Tv on”, “she`s everyting I need” , country-pop, “Happy most of the time”, “just tired”, “Spanish Wine”, “telling lies”, “We feel fine”, “What`s true”, “crime”. Palmas. “Obrigado”, “Desculpe eu não falo portugues”. Estamos sentados a olhar para o escritor de dramas sociais-sentimentais contemporâneos, que reflecte a perífrase que encaixa nos seus acordes. “Your language is very dificult” . “Perfect Skin”, reflecte uma mulher de pele jovem, morena ou loura, tanto faz, pouco importa, ela é “Louise”, “the way she smiles my way”, solo, as guitarras repetem os acordes, “she takes me down to the baseman”, “Perfect skin”. “Like a Broken Record” , é apresentado com duas guitarras e um bandolim, a profunda ironia: tudo o que a receptora representa soa a um disco partido. “Some of you are drunk? Are you drinking? Because you are students or because you were once students? I Was student once”. “Don't Look Back”, minimal, “a bootle besides her, looks like an angel”, “Faith is never easy when you are young”, “When you are young”. “Woman in a bar”, inspira uma tragédia numa perspectiva estética de Johnny Cash misturada com os U2. Com o bandolim a projectar os acordes de “Writers Retreat” que se instalam na canção como um sample, que varia segundo a voz de Lloyd Cole profundamente melancólica em acordes épicos que inspiram “to ride”, “you can get a beat from a broken heart", “you have nothing to do” , “but to ride”, “you can Write a book, wile falling apart”, “I´m already gone”. Lloyd Cole dá liberdade à sua musa mas em simultâneo abandona-a, antes que tudo se desmembre. É uma sentença, que lhe diz que irás perder a minha atenção, nem é sensível ao seu choro falso, “going for the Sun”, é a Cool América a nascer em Coimbra. “Did you cry When you saw the hole in the skies?”, “radiation?”, resposta: “It´s only sunlight!”, “SO YOU LIKE TO SAVE THE WORLD!” , solo do bandolim, com as duas guitarras a acompanha-lo. “Did I mention that I Have a new record? And the show is on two parts? We can make a break and you can go to the lobby and bye it”. “Are you ready to be heartbroken?”, é a questão mais perniciosa que se projecta numa certeza: “Heart broken”, a guitarra em slide do músico a esquerda de Lloyd, substitui o piano no original. “You are so Happy now”, “are ready to belive?”, nenhum dos estudantes responde à questão, solo do guitarrista à esquerda de Lloyd Cole. “Very, very rock and roll”, é uma narrativa que desconstrói a figura de Lloyd Cole: é rock and roll, mas canta a melancolia associada ao tédio, com as guitarras a conjugar os acordes distorcidos pela mudança de temperatura das cordas da guitarra que as desafina. Bandolim doa à canção um tremelim kitch, “London Sun”, cruel, “precious time”, perdido ao ritmo do tédio. “Love you more undressed”, “It`s really”, pop-country, “disconnect the telephone”, “tell your mother We Went to Rome”. O slow suporta a voz off the Lloyd Cole: “Oh! Los Angeles can you sleep”, “you look so full of cocaine. Los Angeles how can you sleep? So full of cocaine, can you give me some? I `ll take it and I run”, “I ´m suppose to sleep all alone”, “in a mini-bar”, “spectre vision girl” com Lloyd Cole a afastar-se gradualmente do microfone como um uivo a romper a noite. “Like lovers do” é transportado ao ritmo slow progressivo, paranóico, “I like her a lot”, “like lovers Do”, “Julie came, Friday the four, four forty”, “she ran away like lovers do”, minimal, “like lovers do, like lovers do”. A piromania “if she won`t come down, she `ll burn like a forest fire”, o hino de uma inoclastia çega, de tão violenta ao manifestar-se a perífrase, “forest fire”, “let`s go for a spin”, “I Belive in love”, “I Belive in anything is going to get me at, I Want take off my needs”, “there`s a Forest Fire every time we get together”, no fim solo de Lloyd Cole. Bandolim + guitarra acústica, banjo, palmas, “Lost weekend nobody else to blame”, “last Weekend”, “Amesterdam”, “nobody else”. “But they say Love is blind”, “Her name is on you”, “Jennifer in Blue”, “her name on you”, “forever She said”, “you change like the weather this is the rain”. Cole toca os acordes finais, as luzes apagam-se e cai o pano.

Broken Record, Lloyd Cole and Small Ensemble, 19 de Outubro, Teatro Académico Gil Vicente @ Coimbra

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Space Oddity

Tarde de Outubro chuvosa espera ansiosamente pela aparição dos irlandeses U2, que apresentam a digressão “360º Degrees”, no Estádio Cidade de Coimbra, composto por corpos com capas transparentes que ouvem a M80. A banda promove o álbum “No Line on The Orizon”, a capa é uma fotografia de Hiroshi Sugimoto cinzenta tal como as nuvens que rodeiam o palco, composto por um centro onde estão instalados os amplificadores da guitarra, a bateria, e as colunas do baixo, entre estes o microfone de Bono. Este à sua frente terá um fosso de pessoas e duas pontes móveis que lhe permitem estar mais alto do que o palco principal e consequentemente alcançar o segundo palco. Nas extremidades exteriores da circunferência há uma estrutura em metal que se divide em quatro colunas, que progressivamente se vão alongando e se encontram no topo, sob este ponto encontra-se um ecrã circular que tem duas funções: a de projectar imagens e em simultâneo luz. Esta cenografia retro-cibernetica-futurista, é devedora à digressão de David Bowie, “The Glass Spider Tour”, do fim da década de oitenta do século passado. “Space Odditity”, é a música que com as luzes acesas dá sinal para a entrada do quarteto pela esquerda alta. Bono é The Fly, a sua persona que imita Charlot pela passadeira e abre a boca como se as cinquenta e cinco mil pessoas se estivessem a vir na sua boca projectada pelo ecrã. The Edge é o condutor da nave espacial, o impulsionador de uma métrica que oferece a descarga eléctrica sobre o estádio. “Beatiful Day”, “tell me?”, “See the World in green and Blue!”, “get aaway”, “touch me”, a voz ainda não se encontra afinada mas a guitarra mimetiza-a, como se The Edge fosse o duplo de The Fly. “New years Day” é reproduzido com exactidão e melodicamente o teclado é dominante e entrecortado por solos marciais distorcidos circulares e mecânicos da guitarra. “On the Way”, “night and day”, “on the red sky”. “PORTUGAL!”. O hino da ONU dá início a “Get on your Boots”, o universo que predomina é a paz “love and eternity”, “you don´t know”, “you are”, The Edge projecta acordes melódicos distorcidos, estabelecendo-se como o desfibrilador da multidão histérica. “Magnificent” quando perde o pendor progressivo da guitarra, e esta se estabelece num nível inferior em relação à voz, o vídeo ganha relevo, “to be with you”, pop, “I Was born to sing for you”. O reggae cibernético da década de noventa em “Mysterious Ways”, com bailarinas no ecrã a movimentarem-se ao ritmo dos acordes da guitarra, “she moves”, “Living in the ground!”, “love”, “she took a shot”, “to hurt is to steal”, “She sees a man the side of a chiiiild”, “It's all right, it's all right, all right, She moves in mysterious ways”. A voz The Fly é abafada pela multidão, “hands in the air”, “sing with me: ´E-L-E-V-A-T-I-O-N”. Distorção sobre os espectadores que pululam ao ritmo sincopado: “E-L-E-V-A-T-I-O-N”, distorção da guitarra, “E-L-E-V-A-T-I-O-N”, distorção da guitarra, “E-L-E-V-A-T-I-O-N”, distorção da guitarra, “E-L-E-V-A-T-I-O-N”, finalizada num solo angular de tão violento. A turbulência fílmica sobrepõe-se à narrativa de Jesus na “Última Seia”, a papel químico azul: “Killing time”, “Last time We meet”, “I Drank the Wine”, “Everybody having a good time”, os acordes a meio tempo suportam Bono, assim como a secção rítmica: “I took the Money”, “I Kiss your lips”, “Inocent eyes”, The Fly ajoelha-se: “I Kiss your lips”, “Until the End of the World”, “I reach to the one I tray to destroy”, nesse instante as pontes que unem os U2 separam-se com The Edge a encarnar Jesus. “Thank you! Obrigado! Thanks to feel us at Home”, “In our home, it´s bad, bad for our countries. But, That ins`t going to stop this evening”. “I Still Haven't Found What I'm Looking For”, os acordes de uma América idílica é monótona com o público a ter o protagonismo, o ritmo é pop, facilita o sing along. “Pride (In The Name Of Love)”, “one man”, “on a empty beach”,“of love”, público: “LoooVVEE”, “April four”, “Memphys Sky”, “PrIDE”, a distorção afasta-se do original como se fosse uma granada de Delays, a secção rítmica segura e concentrada, público: “In the name of LoveEE”. The Fly veste a capa de estudante católico, “F-R-E”, resposta do público: “Frí!, Fró! Frú! Frá-fré-frí-fró-frú! Áli-quá-li-quá-li-quá! Hurra! Hurra! Hurra”, é o momento em que The Fly é dono das massas, conquistador: de cabedal preto, óculos escuros. The Edge de camisa sintética e o tampão enfiado na cabeça. Larry e Clayton de claro. The Fly: “Público fantástico”. “We are going to Play a new song”, “that we never played before”, “This `s ´A Boy falling from the sky”`, uma canção pop a meio tempo perfurada por solos épicos minimais progressivos da guitarra, “Sky”, “AHAHAHHA”, “AHHAHAH”, “wonder if he is far away from home”, “save yourself”, “try to fly” , “Sky”, “tonight”, “from the sky”. The Fly na guitarra procura acompanhar Jesus, “melody”, “humanity”, “You and I”, “there`s no way”, “you and me”, “EEEEEEE”. “In A Little While”, “Miss Sarajevo”, “City Of Blinding Lights”, todas inserem-se no mesmo ritmo com variações diversas mas maioritariamente a nível melódico. “That girl, that girl is mine”, no ecrã surge o Planeta Terra, “a man takes a spaceship, in to the sky”, surge um astronauta numa nave espacial suspensa no Universo. Na segunda, canção-hino o Pavarotti compareceu, numa estranha relação entre a pop e a ópera, unir culturas é o objectivo de um pacifista, no ecrã: “Roubavas por amor?”. Na terceira o ecrã desce, tem uma steel guitar a encurtar as notas, como se fossem naves espaçais a percorrer, “advertising in the sky for people Like Us”. A multidão acorda com “Vertigo”, “Un, dos, três… catorce”, “is dark”, “hole”, “I ask for the cheque Jesus by the neck”, “feeeeeel”, o ecrã projecta a banda circularmente e rapidamente, o wall of sound da guitarra transporta-a para uma dimensão futurista. “Relax don´t do it, if you want to come” , The Fly de joelhos, “turn on your raadios”, funk, introduz: “Crazy Tonight”, em versão “Discoteque”, com os músicos em movimento constante, os seus rostos surgem no ecrã e sobressai cada um ritmicamente. The Edge e Adam Clayton, a encostarem as costas no centro da passadeira circular, Larry Mullen Jr. com o tambor a marcar o ritmo de uma rave espacial. No ecrã surge um texto em islâmico, estes lançaram a fatwa a Salman Rushdie após a publicação de “Os Versículos Satânicos”: “I Can´t belive the News today”, “Sunday Bloody Sunday”, o solo marcial é a representação da canção alicerçada numa melodia rítmica que pontua “tears away” com uma distorção. No ecrã a eterna Aung San Suu Kyi, o seu rosto sobre um fundo vermelho, Nobel da Paz em 1991, em prisão domiciliária imposta pelos militares da Birmânia. “Radio free radio national”, “to the people of Burma, We `ll stand by you”, ergue o o braço direito e fecha o punho. No ecrã surge um texto que desaparece rapidamente, “be strong”, “Walk on”, “stay safe tonight”, “Walk on”, solo progressivo e semi-distorcido, “leave behind”, “All that you can`t leave behind”. Bispo Desmond Tutu, sul-africano activista e cúmplice de Nelson Mandela é projectado, “the same people”, que estiveram envolvidas no fim do eslavismo nos EUA ou na lei de divisão de raças, são as mesmas que estiveram contra o “Apartheid”, “and finaly one day, We feel as ´One`”. “Do you feel the same?”, “one”, “one”, blues, “Did I disapoint you? Or leave a bad taste in your mouth?”, “too late tonight”, “light”, o ecrã exibe os U2 a sair de um Trabant, próximo de escombros do Muro de Berlim. “Carry each other”, “one”, é uma pérola pop-retro-psicadelica, com a guitarra a assumir a alma de The Fly. “Love is a temple”, solo distorcido, “each other”, “Oneeeee”, solo circular. “Where The Streets Have No Name”, os U2 são projectados no deserto à procura da Joshua Tree um local sagrado, onde possam rezar. O desenho animado, uma cabeça infantil cantarola no ecrã: “This `s Major tom”, “Planet Earth is blue and there´s nothing I can do”. “Sometimes I feel I Don´t Know”, “be strong”, Bono tem um microfone iluminado pendurado da cabeça da Spider, e um casaco que emana luz vermelha, dança e a luz rodopia pelo estádio, é o êxtase da conjugação suprema da pop, “baby, baby light my way”, “Be found”, “Where no one can sleep”, “baby, Bay”, solo distorcido-psicadelico, os U2 aparecem de azul no ecrã. Baixo + Bateria, a guitarra intrometesse, a tragédia é conduzida a uma vertigem, “see the stones in your eyes”, “I Wait for you”, “she makes me Wait”, “With our without you”, a intensidade rítmica é em crescendo, com o solo a prevalecer como a voz da consciência de The Fly. Após “Moment of Surrender”, caem pingos da fotografia de Hiroshi Sugimoto, onde o mar e o céu se encontram. As luzes acesas, os quatro lado a lado na boca de cena, não acenam um gesto de despedida, sorriem, The Fly abraça Adam, riem, The Fly, abre um guarda-chuva e canta: “I`m singing in the rain".

360º Degrees, U2, 03 de Outubro, Estádio Cidade de Coimbra @ Coimbra

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Contra Mundum

O intro que assinala a entrada dos Pop Dell `Arte no palco do Teatro Aveirense é tribal, as luzes estão estáticas. As palmas eclodem quando surge o colectivo de João Peste e José Pedro Moura, o primeiro encontra-se magro, veste jeans e uma camisa branca, gravata vermelha e um casaco de marinheiro errante. As primeiras canções versam sonoramente o universo de Brech/Kurt Weil, acentuadas pela vocalização grave e a expressão corporal do cantor é mínima: encontra-se sentado num banco alto e levanta os braços acima da cabeça e deixa-os estáticos enquanto é fotografado pelos fãs. O terceiro tema é um slow circular, a voz de Peste assinala palavras-chave: “real”, “I`m a ancient tunel”, “man”, “friend”, a tragédia: “end of times”, com solo do baixo de José Pedro Moura. O ritmo africano resurge em regime de break beat, “I´m sorry, Mr. Worry”, “Mr. Guilty”. João Peste canta por vezes como se fosse um relógio ao qual é necessário dar corda, a questão é: em que tempo é que ele se encontra? “You are my real life”, “life”, retorna a atoada de cabaret visitado por marinheiros à procura de marinheiros que fumam liamba antes de atracar em terra firme. A incursão pela década de oitenta é perceptivel através do uso da guitarra, oferendo à canção uma perspectiva naive, “não sei”, “não sei o que fazer de mim”, “não sei o que viver”, “ainda tenho um sonho ou dois”, “não sei como viver sem ti”, “não quero mais sofrer”, “não sei como chegar ao fim”, a voz é grave e dissonante que impesta a canção numa pop esquisita, a banda faz uma pausa e Peste continua numa deambulação que espanta o auditório: “é triste viver de iluções”, “recordar é viver”, “sim eu sei”, os acordes da guitarra reintroduzem a canção, “estou preso neste elevador”, “ainda tenho um sonho ou dois”. O electro-afro-kitsh surge, mas a equação é árida e o chamamento é longínquo, “telhados desertos”, “ao longe oiço os passos de um marinheiro louco”. A bateria perde acidentalmente o pedal do bombo, o que obriga a uma pausa prolongada. Peste improvisa à capela: “a tua sombra abraçou-me, implorou-me”, “numa noite de chuva em Campo de Ourique”, “beijou-me, implorou-me que a minha sombra e a tua fosse só uma nessa noite de chuva em Campo de Ourique”. Palmas. “Godnight”, é delicado, fantasmagorico, pontuado por um coro de crianças, que se despedem antes de se irem deitar. “I`m a slave”, “S. Fancisco”, o baixo é quem domina o groove e o distribui pelos colegas, numa vertente blues, mas dark, “EEEEEEE”, a onomatopeia pontua-a, “I `m a slave”, “DTURUURURUUU”, “S. Francisco”. Os violinos apresentam melodicamente, a tragédia “I don´t want to see you”, o baixo elimina as cordas, “URSURURUSURRUR”; “OOOOOO”, “teus sonhos não têm coração”, “sedução”, “eu apenas sou uma mentira”, “LARAIRARARAIRARA”, “passa os dias à frente do espelho”, “quando me venho na tua boca”, “abraça-me lentamente”, “ATARATATRA”. Peste ri fantasmagoricamente, adensando o nível de ironia das suas palavras enquanto coloca os dedos longos sobre o rosto. “Aveiro foi um dos primeiros locais onde tocamos em 1985, foi a nossa primeira incursão pelo Norte. Depois tivemos o famoso concerto nas Catacumbas”. “XX Century Boy” de Marc Bolan, marco do glam rock inglês é distorcido até ao limite permitido por lei, sendo que esta (LEI) foi esquartejada ao longo de vinte e cinco anos à procura de uma quimera que teima em zarpar sempre que os Pop Dell`Arte a pretendem alcançar.

Contra Mundum, Pop Dell`Arte, 25 de Setembro, Teatro Aveirense @ Aveiro

domingo, 26 de setembro de 2010

Untitled

Ver um ponto de luz no horizonte e persegui-lo é seguir o sentido do infinito. Percorrer uma ambição com a perspectiva de acrescentar ao presente um futuro, espaço ou um trabalho que alimentam a possibilidade de liberdade. No Salão Brazil, na baixa de Coimbra, bar de luzes ténues com um pé direito gigante, as luzes iluminam Ana Deus e Alexandre Soares, unem-se em redor de Osso Vaidoso. A primeira vitima deste duo é o amor, “estropiar”, “cortar-lhe as asas”, “e”, “dormir”, “amarrar-lhe”, a guitarra eléctrica de Alexandre Soares exibe-se a completar os versos de Regina Guimarães, a voz é de Ana Deus, que se divide entre a spoken word e o canto. A segunda canção insere-se na mesma lógica gramatical, “não tenho papá, não tenho trovão, não tenho peso ideal, não tenho conta poupança, nem doutor de confiança, há coisas que são só minhas”, os acordes de Alexandre Soares variam e procuram completar os estilhaços das letras. O solo é longo e circular os versos curtos, Alexandre Soares coloca-se de joelhos numa estranha penitencia, tentativa de se aproximar de uma concentração perfeita, a estranheza do acto da purificação. O terceiro tema é um slow, que ancora num lugar comum: “Chorar não vale a pena, sobre leite derramado”. Sobre a próxima canção Ana Deus, refere: “É a visão deles, dos rapazes da tutoria do Porto”, resultado de leituras com jovens delinquentes, impera a spoken word, e a letra é de auto-comiseração, “eu roubei, poderia ser a minha mãe”, e a lógica que impõe a solidariedade, “ladrão não rouba ladrão”, a guitarra eléctrica ganha protagonismo através de dinâmicas desconstrutivistas. Esta é substituída por uma viola picola, num tema que versa a vida saudosista dos emigrantes em França, o timbre da viola é a peste, é através dela que visitamos as casas com corações de Fátima, velas por Cristo, fotografias em Nazaré, garrafões de vinho da adega da aldeia, mulheres gordas e feias, homens escarram para a sanita, arrotam, e o Benfica está no coração: “Je pleure en regarde la telé”, “Je voudrais mourir chez mois”, é dito tão delicadamente, que se transforma numa pequena angustia. A guitarra eléctrica inicia a canção, “todas as noites são de transição”, “começam pelo céu pelo chão”, a sobreposição de acordes dá lugar a um improviso introvertido. A verão dos Velvet Underground, “Vénus in Furs”, “podia dormir 1000 anos”, “1000 sonhos não me acordariam”, “AAAAAAA”, “que briga na rua escura”, “que o teu mal te cura”, “amor chicote estala”, “estou cansada, estou exausta”, Alexandre Soares desconstrói o tema numa vertente minimal em que as notas são dedilhadas lentamente, a voz é que a retira do andamento fúnebre, “tua sombra, tua luz”, “já não se apaga”, “traga-me a”, “Aaiaiaiaiia”, “morte viva”, “AaiAIAIAIA”. “A próxima chama-se ´Poligamia` escrita pelo Valter Hugo Mãe”, num ritmo rápido como o desejo de qualquer mãe ou pai: “hei-de fazer a minha filha rica, dar-lhe um namorado de cada cor”, a guitarra quando se enfurece ouve-se um génio que a domina de cima abaixo, e lhe rasga as cordas, asfixia-a, num auto-erotismo suicida. “´Cacofonia` é dedica ao Mário Henriques [técnico de som] que é aniversariante”, o gráfico dos acordes é intenso e assimétrico, “tetas”, “drogas”.

Osso Vaidoso, 24 de Setembro, Salão Brazil @ Coimbra

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Hell and Heaven

Se o paraíso é uma plataforma épica de glorificação de uma eternidade utópica, então coloquem-se no interior de Peter Murphy, o morcego dos Bauhaus, o homem que nos orienta para o Inferno. Magro, caminha sobre as pontas dos pés, encara o público de Águeda de frente, beija o guitarrista, discute com o técnico do palco, este é o seu inimigo que Murphy tem que degolar e posteriormente violar. A suavidade de “Cuts you Up” é apenas para o registo fonográfico, ao vivo o power trio acompanha a guitarra acústica, em regime distorcido com o baixo a ganhar gradualmente o protagonismo. “You now the way?”. O plano que se inscreve a partir daqui é tétrico, cavernoso, com esqueletos pendurados em árvores, e mulheres obesas a cozinhar cadáveres, com velhos a rezar, “going to hell”, a bateria repete sete vezes como se fosse o prenuncio de um enforcamento induzido pela solidão, extrema unção, “going to Hell”, ecoa pelo recinto devoto ao hominívoro Leitão, com Peter ao lado do baterista corpulento latino americano. “Strange kind of Love, strange kind of feeling”, a sua voz é modular como a língua do Diabo, “broken Hearts”, o foco sobre o rosto emagrece-o, “to Love or to HATE?”, com o teclado a adocicar a cauda de espinhos. “This is a new song”, “wich is about, Magnificent.”. Duas guitarras em distorção, Peter dança como se estivesse sobre uma passadeira de ginásio, “she takes”, com a malha distorcida a soprar violentamente sobre os suicidas a impedi-los de se matarem, “all the cities”. Pausa. Peter, rodopia, como se fosse uma agulha a cair sobre uma teia de aranha. A alma dos Bauhaus é ressuscitada numa vertente niilista, o fundo do fundo, o bicho das sete cabeças e língua de bovino. “I don´t now anymore”, ritmo sincopado, variações rítmicas, “anymore” “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore”, “anymore.”. A lágrima negra é aspirada, numa distorção revestida a prata pop, “OOOOOOO=OO”, “she is in parties”, parece a antepassada de uma canção dos Suede, mas Peter Murphy dança como um menino tolo de uniforme no recreio de um colégio inglês. “She is in Parties”, é uma premonição violenta num dub claramente dark. Stop. Peter Murphy entra em palco e posiciona-se na boca de cena, coloca os braços ao nível dos ombros e o roadie, segunda guitarra ocasional, enrola-lhe ao pescoço plumas negras, “Ziggy Stardust”, é corrompido longitudinalmente e em latitude, libertando-a da demência contida do original de Major Tom. “Space Oddity”, é apresentada numa sincope em que as teclas do piano são sempre as negras, abissal precipício delicado, cantado, por Peter Murphy e os três músicos deitados, numa encenação do pós-além, o supra-Inferno, “major Tom to run control”, numa, “today”, “no Way to go.”.“Transmission” da Joy Division, “radio”, “live transmission”, ouvem-se as guitarras a deflagar, e bateria a estourar, numa vertente de pura transmissão, diversão, negritude, dark, suicide, “dance”, “dance”, “dance”, dance”, “dance”, “dance”, “dance”, oiço a voz de um suicida, “show”, “dance”. “RADIO”, “dance”. Nine inch Nails e Johny Cash, em simultâneo são cantados pela voz do além, à guitarra eléctrica com as luzes acesas, num último shot de heroína.

17ª Festa do Leitão, Peter Murphy, 09 de Setembro @ Águeda.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Money

Manzanera, Ferry, Mackay, ocupam o palco da esquerda para a direita, nos jardins do Palácio dos Marqueses de Pombal, espaço de uma elegância neo-classica, mergulhado na noite o seu perfil esvai-se. Roxy Music são acompanhados por coristas de vestido curto, bateria, teclados, uma segunda guitarra, há uma pianista de fato prateado, rabo-de-cavalo, que se remexe como se fosse uma serpente egípcia. As primeiras músicas do alinhamento, prevalece uma progressão constante com o saxofone a solar e a sobrepor-se ao todo, “While my Heart is still Beating” tem esse código genético. Bryan Ferry desloca-se para a direita do palco a bater palmas, repete o gesto na esquerda, é sinal que o líder dos Roxy Music quer-se divertir, apesar do frio de Verão. “More Than This” é sensual, e a sua lírica é uma suave simulação, recebida por parte do público de forma entusiasta. Mas as canções seguintes conduzem a multidão a um adormecimento ilusório, “Ladytron”, ou, “A song for Europe”; “but yesterday”; “these cities may change”, a voz por vezes não se faz ouvir. Estas duas canções, têm o sangue envenenado, surgem como se fossem banais e gradualmente transformam-se numa trip digna dos anos setenta, o ácido repercute-se pelas nossas almas. É o estabelecer de um psicadelismo neo-kitsh, que podem ser ouvidas num Casino, onde uns tipos vestem fato com camisa de seda, compradas em Oxford Street numa tarde de Verão, abafada, acompanhados, pelas namoradas, como a Jerry Hall. “My only sorrow”: “yeasterdaAY”; “jamais”. “There is no time for us!”, é contra o tempo, que o separa de manter o sentimento que o prendeu no instante em que o alvejou. O saxofone entrega a sua cor de elemento aglutinador, a partir do qual tudo se transforma num hino psico-progressista, dedicatória à Europa: “Song for Europe.” Bryan Ferry senta-se ao piano e ouvimo-lo a dedilhar, “only my”, “my only love”; “my oonly Love”, o solo da guitarra é executado por um jovem de cabelo louro, que nunca olha os portugueses de frente, numa timidez perturbante. “More than words can`t save us”; “there`s a river”; “only love” repete o coro de quatro mulheres, que raramente se faz ouvir. “Jealous Guy” é sublime, acrescenta ao original a voz ondulante de quem está a cantar para uma multidão de mulheres e não exclusivamente para a Yoko Ono. “I was dreaming about the past”; “I began to loose control”; “I didn´t mean to hurt you, I `m just a jealous guy”. “I Didn`t mean to hurt you, I sorry”; “I`m just jealous guy” o saxofone enrola-se na melodia, tão insuportavelmente kitsh quanto bela? Sim. A ponta final da canção é assobiada por Bryan Ferry como se fosse um pavão a passear por este jardim, com as asas a irradiar fantasia. "Thank you Lisboa!”. “Virginia Plain”, é honky tonk. “”Love is the Drug”, é uma droga com duplo sentido, “OOO”, “can you see?” “love is the drug for ME!”, snifamos cada nota como se fosse o último risco vertido sobre a mesa de tampo com vidro. “OOO”, “love is the drug, that I´m thinking of!”, “love is the drug”, “LOVE THE DRUG FOR ME”; “OOOO”, soul-pop. Quando os acordes de “Let´s stick Together”, soam, num ritmo onde se assegura uma country-psico-killer, inapropriada para show girls, perversa, suprema, “common, common, let´s stick together”, o sax despe as portuguesas, com o seu ritmo penetrante. Bryan dança, como Elvis, as ancas, os pés, o riso, o seu rosto de revista de negócios artísticos, fato escuro, com uma calça justa, e camisa branca. Quando se ouve a sua harmónica, a canção ganha um fraseado metálico, “common”, a ironia atinge o topo da sua realização numa obra de arte.

Oeiras Sounds, Roxy Music, 22 de Julho @ Jardins do Palácio dos Marqueses de Pombal.

terça-feira, 20 de julho de 2010

The Unabomber Weekend

À entrada do recinto do Festival Super Bock, Super Rock no Meco, sou impedido de entrar com canetas, que um policia descobre na minha mochila, ele alega que são como armas brancas. Percorro o recinto à procura do Multibanco, deparo-me com o palco EDP, estão a tocar os Godmen, um power-trio com um vocalista expedito, e uma secção rítmica segura, são a primeira e única surpresa sónica portuguesa. Estão trinta cinco graus, e sempre que dou um passo levanto pó, que me entra pelas narinas que são limpas pela Super Bock, a dois euros o copo. Jamie Lidell, está no palco principal, é rodeado por músicos de uma destreza eléctica, o Jamie é branco mas a sua voz é negra, assim como o funk que produzem, com um beat boy genial. Jamie é de uma simpatia extrema, e faz uso da sua ironia: “I feel Good! Do you feel Good?” St. Vincent, é um trio de uma pobreza geral, liderado por uma voz inexpressiva. Já Mayer Hawthorne & The County, são o oposto do Jamie Lidell, americano branco a ser um monge copista de escrita soul, o Jamie seria o mais indicado para abrir para sua Majestade Prince. Encontro, ocasionalmente rostos conhecidos, um dueto como os Beach House, em palco têm um baterista, falam devagar para a multidão os compreender, a cantora dedilha o teclado alinhada com os seus colegas, mas se ela estivesse na linha da frente, as canções seriam muito melhores. A noite, há pouco se estabeleceu como denominador comum, escurece os pinheiros e os corpos perdem os rostos. Cut Copy são um agrupamento soft-pop-electronico, eficazes e muito cantaroláveis. Uma mulher, dá-me um beijo, ela mete a mão sobre a objectiva da minha máquina fotográfica, “eu estava a brincar”, ri. Keane, tão básico quanto elementar, ouvem-se os hits da rádio e tudo o resto é vazio, por muito que se empenhem em lutar contra a mediocridade, é-lhes impossível. Pandemonium é o nome da tournée dos Pet Shop Boys, uma dupla acompanhada por cinco bailarinos com diversos figurinos, como por exemplo: rectângulos que encaixam na totalidade sobre a cabeça, reproduzindo uma movimentação robotizada. Neil Tenant e Chris Lowe, transformam o recinto numa disco em Ibiza com modelos a oferecer Cristal à beira de uma piscina turqueza. “Go West” derruba o muro que se encontra atrás da dupla, é o hino gay do século XX, assim como, “New York City Boy”, uma coisa é certa: “Always in my mind” é uma travessia tecno-pop. A relação imagem som é interactiva, com o Chris Lowe a emitir toda a base sonora do seu teclado. “Suburbia”, “What have I done to deserve this?”, são recordações emitidas numa alegria contagiante. O Brasil diz-nos: “Se a vida é”, com o ritmo das escolas de carnaval brasileiras com mulheres bronzeadas a dançar despidas pelo Sambodromo. Para cantar “Viva la Vida”, dos Coldplay, Neal tem na cabeça uma coroa, enquanto no ecrã passeia com um guarda-chuva pelos parques londrinos. “Being Boring” é tocado com uma sobriedade notória, “creo que voy a chorar”, emocionada, beijo-a.

Escondo, antes de entrar no recinto, a caneta na sapatilha, revistam-me a mochila descobrem uns comprimidos, refiro que são inofensivos, mas não me livro do véu da desconfiança, posso matar-me? Tiago Bettencourt é de uma boçalidade arrepiante, pauta cada nota com uma palavra, como se tivesse horror do vazio, avisa: “Amanhã também estou desse lado para ver Prince.” O Julian Casablancas entra em palco no lusco-fusco, nervoso, vestido de Thriller, com sapatilhas brancas e uma t-shirt de cavas de uma equipa de basquetebol americana. A sua voz é constantemente sequenciada e colocada numa frequência inferior aos restantes músicos, que se dividem entre o rock e a tecnologia, o resultado é uma massa sonora sem qualquer pigmentação. Dou-lhe a minha mão e recebo um copo de cerveja, tem o corpo efervescente, tão quente que se derrete na minha boca e as línguas enrolam-se formando um nó cego. Hot Chip, são uma companhia de músicos que se dividem entre a electrónica e as guitarras, uma mistura perfeita de Happy Mondays com New Order, incendeiam a sala principal do Super Rock, a nuvem de areia sobe para ser inspirada por nós. Encontro uma loura esculpida em raios solares, sigo-a, e dou-me conta que estou no palco EDP a ouvir a Rita Redshoes, a chamar uma ex-estrela do folclore, que desempenha as funções de roadie: “Jorge Buco apanha a palheta”, o ex-Sitiados entra em palco e recolhe o utensílio que se encontra nos pés da Redshoes. É este pormenor que faz um artista em alguém mesquinho e medíocre, que ignora o ridículo do seu acto, e faz jus a um poder exibicionista. Vampire Weekend tocam perfeitamente cada uma das canções, uma tem dois minutos e durante esse tempo vamos estar todos conectados, é o desejo de Ezra Koenig, as músicas mais interessantes são as que constam do último “Contra”, se no futuro se decidirem entrar no território dos Talking Heads, os Vampire serão eternos.

A temperatura ambiente está ao rubro, a sombra pesa como se fosse um outro corpo, e o pó é um companheiro fiel, cada passo uma snifadela. Jorge Palma apresenta-se com o seu Gang: Kalu, Alexandre Cortez, Flack, Zé Pedro, que revisitam os clássicos do bardo português distorcidamente e com ritmo mais acelerado. Palma arrasta as palavras, como se estivesse a lê-las naquele instante, mas começa sempre adiantado e acaba cada verso atrasado. A cerveja é bebida como se fosse o único elemento que mata a fome, o espaço é composto por um conjunto não estipulado de stands que vendem, ou, oferecem viagens e preservativos, ou, bilhetes pela Santa Casa da Misericórdia para o Festival Sudoeste. Enquanto a escuridão vai ganhando à luz, a lua discretamente ensimesma-se, os Stereophonics apresentam o seu rock incaracterístico, nos discos é mais comercial, live é rude. Nada a declarar sobre os Spoon, apenas que estão colocados no alinhamento erradamente, após a banda de Kelly Jones. “Hight Violet”, é o novo álbum dos National, que mais os representa mas em simultâneo os separa, é uma encruzilhada, que apenas fortalece a perspectiva: The National, gostam de viver na vertigem de se colocarem constantemente em questão. Mas Matt Beringer não se encontra motivado para cantar os seus devaneios existências, não descobre inimigos no público, nem se consegue revoltar contra si mesmo, os seus companheiros seguem imperturbáveis, mas também não se excedem para além do que está pré-estabelecido. Colocam em palco os instrumentos do séquito de Prince, que surge e exibe o seu rosto imberbe, vestido de branco, sem salto alto. A histeria apodera-se do público, que delira com a presença do mais distinto representante de Litle Richards e James Brown, funk, “1999” é acelerado como se estivéssemos atrasados para a passagem de ano em Mineapolis, estabelece-se uma ligação de loucura entre Prince e os portugueses. “Little Red Corvete”, é um gingar funk viciante, o condutor é dono e senhor do nosso corpo. “I love you Portugal!”, “let´s go!”, resposta: “Yeah”. “Nothing Compares to U”, é uma balada púrpura, com Prince a dividir a canção com uma cantora vestida de verde, gorda, careca, as vozes dos portugueses percorrem o refrão cor-de-rosa: “COS NOTHING COMPARES TO U.” “Cream” é apresentado com o beat a suar lascívia, Prince pertence ao universo dos que devoram solos, ou, se enlouquece com a entrega de pó por parte do público quando, “U Got The Look” é arrasado com tufões de energia rítmica e com os acordes a saírem pungentemente da guitarra do génio, lado a lado com o pirómano Jimy Hendrix. “What´s my name?“, resposta: “PRINCE” berram os pulmões extasiados, estamos perante um mito. “My name is Prince and I ´m your Dj tonight.” “It´s time time to get funcky”, a extensão de delírio que projecta sobre o Meco é incomensurável. Pausa. Prince veste calça preta e casaco amarelo-torrado, mune-se da guitarra. Chama o “irmão” de “Ana Moura”, ele toca piano ela é a fadista preferida dos Rolling Stones, Prince dedilha a guitarra eléctrica, como se fosse uma guitarra portuguesa psicadélica ondulante, Prince personifica a nossa natureza. “Oh POTUGAL! OH PORTUGAL”, e desfere um “kiss” de delírio absoluto desafiando a loucura que pode prevalecer entre a perfeição e a perfeição. “COS I ONLY WANT YOUR EXTRA TIME OF YOUR KISS”, ooooyh yeah! “Do you love ME?”, “I LOVE YOU PORTUGAL!”, “DO YOU LOVE GOD?” YEAH! As músicas são partilhadas em regime de soundsystem, com TODOS os instrumentos, seja harmónica, ou, a bateria a seguirem milimetricamente a dança de Prince, a gritar: “TURN ON THE LIGHTS”, é olhos nos olhos que se transmite “love”, “Do you love me!”. Atira-se ao chão numa farsa ensaiada, entram os roadies e os músicos não param de tocar, é o êxtase, a afirmação de que Prince é a encarnação de uma alucinação extravagante, Prince desmaia perante a massa que lhe responde com laivos de incontornável demência. O símbolo, nasceu antes do mito? Prince.

Festival Super Bock, Super Rock, 17, 18, 19 de Julho @ Meco.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A Broa de Mel

O pano branco está colocado na boca de cena, é-lhe projectado um X, é uma incognita ou uma premissa? XX é a designação adoptada por uma banda de adolescentes, timidos, introvertidos, monosilabicos. O som prolonga-se em eco, as luzes atrás dos músicos projectam as suas sombras ritmicamente sobre o tecelão, a batida é manipulada por um Dj, ouve-se a guitarra e o baixo, ela é feminia, ele masculino, são os cabecilhas dos XX. Romy Madley-Croft, tem um timbre sussurrado, “yeaahhahaaaa”, Oliver Sim grave, mas pausado num arrastar constante das vogais, “AaaaaAAaaAA”. O pano cai e as silhuetas ganham matéria humana, ela é baixa e entroncada, ele é alto e magro, os penteados e a roupa negra, são retro. As palmas eclodem na Aula Magna, repleta de melómanos, curiosos, e estrelas da rádio e da TV como Silvia Alberto. A sincope marca o ritmo, os acordes wenstern da guitarra impõem-se ao baixo: “And forgive, and forgive”, “to keep you satisfye”, Oliver diz que estará “away”, “Aiaiaiaiaiaiiaaai”, acordes da guitarra, “in my direction”, “your afection”. Ambos: “OOOOoooOOOOOOOOOO”, “slow”, “slow”. A lentidão é uma constante, como se a furia fosse algo de domesticavel, a simplicidade é monastica tal como os primeiros registos de Robert Smith/The Cure. A poesia frágil proveniente de um impeto que descobre o amor e se liberta: “I don´t have to live anymore”, “here I”, “I `m your smile”, a batida é hard, a resposta do baixista, “I found my desire”, Romy, “I `ll be”, “desire”, “I`m yours now”, pop, “I´m yours now”, pausa, os acordes que ilustram o refrão emitem da guitarra, o Dj incute o freestyle, as luzes decoram o palco de vermelho é o fim da virgindade: “So you feel like never before?”. A “fantasy” é carnal, a penetração é sub-aquatica, “oooooo”, “I can be your fantasy”, o ritmo é proveniente de Portishead, com o baixo em loop, a voz é exclusivamente masculina, está é mais pobre do que a da guitarra, que se sobrepõe através de um solo sobre o todo, “I found a shelter in this World”, “could I be?”, “I feel cristal in the air”, “please teel me gentil how to breathe!”, “So you can see”, com uma batica robotica dos Kraftwerk. “Boa noite tudo bem? This is our first show here in Portugal!”. “VCR”, é revista, tal como é apresentada no álbum de estreia dos XX. “Nothing there”, break-beat, “left behind”, responde a voz quente e sussurrada. As duas vozes: “they say space, yeah, yeah,”, “nothing there.” O teatro das vozes é uma peça radiofonica, ou, será telefónica? Creio que poderá ser via internet, que é mais actual e veloz, contudo os efeitos secundários para a juventude são letais, o envelhecimento é uma droga que nos consome todos os dias lentamente: “I can give up”, “I can see you”, “leave”, fechem os olhos, oiçam somente, “see your eyes”, “I can give up”, a bateria ressoa chicoteando a carne, “I can give up”, a ansiedade é acutilante e espeta na veia da saudade numa ilha onde reina a melancolia.

XX, The XX, Aula Magna, 25 de Maio, Lisboa.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

St. Quentin

São cinco da tarde e o público no interior do Pavilhão Atlântico marca lugar em redor do palco circular dos Metallica, que se situa no centro da arena. As colunas estão colocadas sobre o palco mas direccionadas para os balcões, as luzes são jogos variados, há umas que estão acopladas a sarcofágos de lata, que têm a forma dos utilizados no Antigo Egipto, pelos faraós que se mumificavam para manter a beleza após a morte. Antes, dos cabeças de cartaz tocam duas bandas, a primeira é de facto de um primarismo sintéctico, a segunda joga com ritmos pop, que mistura com distorções, têm como objectivo despertar o público que anseia pela chegada dos Master of Puppets. Pois, o suor, tabaco, os charros, a cerveja, que irá inundar o chão e torná-lo pegajoso e escorregadio, são sinais claros de que o caos é eminente. Elton John, jamais apareceria para cantar, pois o odor nauseabundo, lhe entupiria as cordas vocais, apesar da possibilidade de ver os troncos nus tatuados, com cabelos pelos ombros, alguns trazem no tornocelo a pulseira eléctronica, outros, cicatrizes no rosto, o segredo para sobreviver é não olhar directamente, ver as horas, são quase nove e quarenta, as luzes apagam-se: Metallica! A guitarra é acompanhada por raios lazer que variam entre o verde e o azul, ouve-se a bateria e a voz, mas o baixo somente é audivel à um quarto do espectáculo. A histéria é brutal, “OOOO”, o público sobrepõe-se a James Hetfield, e as palmas acompanham Lars Uldrich, os dois membros históricos desta banda californiana que publicou, “Kill Them All” em 1983, destacado como um marco no trash-metal americano. “Your life!”, “right now is your life!”. A gritaria é constante, os Metallica estão no patamar dos consagrados, e qualquer gesto ou questão é respeitada e respondida pelos metaleiros: “After life?”, haverá mais questões filosoficas por responder, dor, sangue e suor. A guitarra de Kirk Hammett irá ganhar personalidade, não se confinando a apenas ao deflagar de distorção em paralelo com a de Hetfield: “Are we going to have more fun than yesterday?”. “OOOOOO”. “Thank you! Did you hear the early bands? Did you see Metallica?”, o cantor responde: “So, so... Do you like it heavy?”. Imagiam a resposta dos portugueses? “I `m your life”, “I`m sure”, “you are the one”, “I`m your dream.”. A mosh é de tal forma violenta que é complicado não ser empurrado para o meio do turbilhão, “Keeps me satisfye”, com os acordes da guitarra a romper a malha da distorção, “anytime”, “everywere”, James Hetfield, assume que errou nos acordes: “I lost my head! Sorry! Thank you to show me that!”. O speed-metal, “don´t care”, “ARE YOU UP THERE?”: “YES!”. O ritmo abranda com a canção country-metal: “On the road again”, “here I ´m, here I go”, “here I´m, on the road again”, voz grave, solo de Kirk. O tiroteio toma conta do Pavilhão os corpos empurram-se para o interior das chamas que o palco cospe, os quatro Metallica, encaixam-se nos sarcófagos a caminho da imortalidade: “Cos nothing else mathers.”

Death Magnetic, Metallica, 19 de Maio, Pavilhão Atlantico.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Heart Attack

Aveiro tem um canal por onde circulam durante o dia moliceiros, que no lusco-fusco são atracados na margem. O céu está negro, a lua está num vazio que se aproxima da solidão, a suprema invisibilidade. Mercado Negro, o local onde irão tocar os Tiguana Bibles, pelo bar, passeia, o baterista Kalo, veste blazer preto, todo o seu corpo é maciço, parece um pugilista que o Martin Scorsese filmaria. Ele é um dos primeiros a subir ao palco de uma sala rectangular negra com uma luz verde fixa sobre o tecto, e dois candeeiros de luz branca que ladeiam a bateria. O instrumental é um western hillbilly, com as guitarras a percorrerem o deserto de cactos que sangram se forem beliscados. Aparece Tracy Vandal, perfumada a Primavera, de preto, a camisa tem um lacinho branco sobre o peito, os calções que agigantam as pernas elegantes que calçam salto alto de agulha. “Be your wife”, “Want to be alone”, “run”, a bateria eleva o ritmo, e as duas guitarras canibalizam-se com parcimónia, mas é na contenção do baixo que está a chave para a obra dos Tiguana Bibles. A cantora despe o casaquinho, “there`s no home but a heart”, “Child of the Moon”, é uma besta ritmica onde as guitarras deflagram. “Yeah”, “The Sex Pistols”, ao terceiro tema deita-se sobre os degraus de madeira, e estira as pernas assumindo-se como uma bailarina que exala lascívia. Tracy: “A fucking bad thing is going to happen!”, e canta compenetradamente, “I found myself in the killing Moon”, “The night is young, please come soon”, “I Can´t wait no more”, “it`s against the law the way, I´m feeling about you”, “poor heart is out of control”, com o solo de Victor Torpedo a soar como um tremilim. As letras versam constantemente uma proibição, algo impede a cantora de alcançar o amor, é esse o enigma, a distancia que a separa de algo imaginário. Tracy Vandal: “This next song is about boobs”, slow-billy, “you talk too much”, “What can I say”, “I don´t care anymore”, “I can´t speak”, “I don´t care anymore”, num timbre acre-doce. “This next song is for our friend Paul, he decided to die last Week”, Paul era irlandes e guitarrista dos Tiguana, o seu coração parou a um Sábado. “There is no time for winters”, “bye, bye dream”, “goodbye”, “bye, bye girl”, “goodbye”. Tracy: “This is our next single ´Rebound`”, uma canção neo-pop-billy. O circulo completa-se numa perfeita difusão, Tracy assume o seu papel de guia, como uma serpente que nos dá a provar uma maçã envenenada: “Run”, “Won´t last too long”, “run to her town”, Tracy Vandal fecha os olhos, “heart only now”.

Rebound, Tiguana Bibles, Mercado Negro, 12 de Maio, Aveiro.

sábado, 1 de maio de 2010

Retropolitana

As luzes do Auditório Jorge Sampaio no Centro Olga Cadaval em Sintra apagam-se e a voz off informa: “A Rádio Comercial apresenta Retropolitana”, o novo álbum dos G.N.R. O palco emite sirenes e as luzes imitam o foco de uma prisão de alta segurança, entram os três músicos que acompanham, Jorge Romão no baixo, e Tóli César Machado na guitarra-ritmo, veste uma camisa branca sob colete azul. El Rei del Roque, canta: “Macacos imitações”, “Rei da rádio, compõe para nós”, as guitarras estão afinadas e equalizadas na mesma onda, são os reis de la rocke. A guerra é apenas uma pintura, “retrato em pó”, “o rádio berra”, “o Sr. Dos Anéis”.”Clube dos Desencalhados” , “não é?”, “e vivo à beira de um mar plantado” , “o sorriso à espera”, “bem-vindo ao Clube dos Desempregados”, o meio tempo ganha em crescendo, “sentir tremuras” , “como as estrelas”, “há festa na praia do afogado”, “sentir tonturas“, trágico, sensível, frágil, “sentir touturas”, “soltar amarras”, o abandono: “Ficar no bar a ouvir as estrelas”, a melodia é perpassada por uma descontinuidade, “soltar amarras”, “passar a barra”, “a cantar.”. “Efectivamente”, “engate”, “ratos do esgoto”, al El Rei le gustam las aparências. É implacável com as suas groupies: “Já não tocávamos para gente sentada, desde o Natal dos Hospitais. Antes sentados que acamados!”. A constatação: “qualquer escravo era feliz”, “a rir a ser imperatriz”, “a cabra faz-me mal”, “já cá estamos outra vez?”, “a culpa é das televisões”, “e os bebés vinham todos de Paris”, “Papa faz de mama”, “e o bebé até é pop” , “pó sai”, pop/soul, o falseto é tão irónico: “O Papa faz de mama”, ahahah, “e a bebé já sai com o papá”, eco, a canção acaba em regime de Eurovisão com El Rei a rodopiar no sentido dos ponteiros do relógio. “Chama-me um táxi, já amanhece”, slow de telenovela. “Ainda bem que a névoa anda por ai”, “overdoses”, “as trevas vão iluminar.”.”Dunas”, é um passatempo, apenas se destaca quando o guitarrista mimetiza a delicadeza tímbrica de Alexandre Soares. El Rei reflecte: “Depois da nossa música sobre os submarinos”, aproxima-se da bateria e segura um copo na mão e com o olhar mede o líquido amarelo: “O que é isto?”, bebe, “cerveja? É a minha análise.”. Asas, “hesitas”, “paixão”, retira do indicador a aliança que coloca no bolso esquerdo do casaco branco. “Também somos das profissões mais antigas do Mundo”, “somos os piratas”, vivemos em “Tirana.”. Emitem mais um novo tema a meio-tempo, “até do musgo, casca de carvalho.”. Ouve-se a perfeição onírica com a melodia do teclado de Tóli: “Os Diamantes são eternos, como os amores de Verão”, “acrobacias”, “as nossas manias”, “pulseira electrónica”, “a nossa vaidade sem”, “pulseira electrónica”, “as más companhias”, El Rei ensaia uma queda, enquanto um solo electrónico de guitarra eclode. A constatação: “Eu acho que o Papa, não deveria ir ao Porto, ser feriado, porque ele está lá todo o ano!”. “U.S.A”, El Rei despe o casaco branco, e enluta-se enquanto canta este clássico, “abusa”, “tratado por tu já nem se USA nem em Castelhano”, num groove que sintetiza o neo-kitsh, “uma Musa.”. E, “Popless”, é inebriante. “Quem é que aqui é que usa Tatoo?”, os casais de meia idade, sorriem contrariados: ”Não foi de acto natural”, El nancimineto del Rei, “higiene pessoal”, “marca tropical”, “ABC é um animal”, “um homem nu”, speed-pop, “eu vou pagar uma bebida Nacional”, o imperativo: “Quero ver o teu tatoo”, “de um homem nu”, o sintetizador de Tóli, a sobrepor-se ao todo. “Quero ver o teu Tatoo”, Roxic Music é claramente o seu ADN, Del Rei! Viva El Rei! Viva El G.N.R: “Mostra lá esse tatoo”, “deixa ver esse tatto”, “o piercing é anal?”, ”paraíso fiscal.”. A narrativa do burro em pé é uma fábula gasta, que dorme “em pé”, harmonicamente devedora de um tema dos Beatles. “Mais vale nunca”, o tema hiper-pop, “crescer”, os sentados catapultam-se para a verticalidade, palmas, gritos, histeria. “Sangue Oculto”, loucura, espelho meu amor.

Retropolitana, G.N.R, Auditório Jorge Sampaio, Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra, 30 de Abril.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Sitiados

São nove e meia da noite e o Coliseu de Lisboa espera que os Mão Morta subam ao palco para festejar vinte e cinco anos de vida e de morte. Há algo de enigmático neste colectivo bracarense, a postura de outsiders em relação a um sistema que privilegia quem segue os outros, mesmo que estes sigam para o vazio. E a lírica contestatária alicerçada em escritores obscuros que realçam o carácter decrépito do homem social, que ao criar a sua rede, é preso e morto pela mesma. São vinte e cinco anos de suor fétido a cadáver, a forma mais directa de anunciar a existência de vida alienada, corrompida pelo presente, a luz é predominantemente vermelha. “Qual é a tua identidade?”, é uma pergunta de um agente da autoridade, mas simultaneamente prende-se: ao quem sou eu? Quem és tu? O rock é alicerçado na distorção das guitarras, num baixo pulsante apalpado por uma mulher, “e se depois?”. Se o nosso, “corpo, sexo”, “agrarra”. A voz de Adolfo é uma faca com dois gumes cuspida por uma língua vertiginosamente sanguinária, “tu dissestes?”, “eu já tive muito medo!”, os acordes são sublinhados por um arranjo de citara a oferecer à canção uma tonalidade psicadélica. O pesadelo pode ser um caniche de peluche que uma criança desmembra com um prazer perverso, e o seu “cortex cerebral processa”, “e regista a reacção da medula espinal”, é um tema fúnebre, como qualquer pesadelo onde enterramos o inconsciente para ser possível viver em saudável relacionamento com o seu oposto. “Para fazer de morto”, basta ficar deitado no chão imóvel, para ludibriar a vida e ganhar invisibilidade, coro: “meu irmão”. “Budapeste” é um rendilhar de drogas e sexo, de bar em bar a aviar o putedo, ah putas, “sempre a ronckarollar”, “AAAAAAAA”. “É guerra sem quartel, de empresas rivais”, “em busca do control”, “encena-se o directo para televisão”, o hino anti-Face-Oculta/Telecom-compra-da-TVI-pelo-monco-Rui Pedro Soares, insurge-se contra a manipulação das televisões que enganam os ignorantes ligados a satélites, “por entre a multidão”. “Vão-se foder?”, “estes gajos são uns paneleiros”. As guitarras são o sangue dos Mão Morta, o baixo o coração e a bateria o martelo que aplica sobre as tábuas do nosso caixão os pregos necessários para encerrar o morto, a morta, a mão que escreve, e dedilha o piano: “Ó Capitão”, “dente por dente”, “olho por olho”, é uma lenga-lenga hipnótica, corrosiva, perversa, o público acompanha com palmas, e canta: “E o fim chegou”.

Pesadelo em Peluche, Mão Morta, Coliseu de Lisboa, 29 de Abril.

sábado, 10 de abril de 2010

Holocausto Canibal

Está uma noite quente de Abril, na Charneca, uma freguesia rural de Pombal. Onde se encontra o colectivo de metal RAMP, ainda estão a jantar, juntamente com as duas bandas que os irão anteceder. A sala onde irá decorrer o espectáculo tem um friso superior onde constam taças de casados contra solteiros, t-shirts emolduradas com as equipas visitantes, e uma guilhotina encostada à esquerda do palco, com a lâmina afiada pronta para decapitar os amantes de Deus. Rui Duarte está nas escadas oblíquas que dão acesso a esta sala: “É agora”, é uma da manhã, e os putos estão transformados em devoradores de cerveja, charros, cigarros. Rui, contorna-os com a confiança de quem enfrenta multidões há vinte e cinco anos, os seus cabelos encaracolados, chegam-lhe à cintura, é possante, e cada passo é uma marca de poluição contra o ambiente. Um intro antecede a entrada da banda em palco, os primeiros sessenta minutos de concerto, são de uma violência excessiva, as guitarras jogam entre si, como se estivessem a descarregar choques eléctricos sobre os putos, que abanam as cabeças e fazem das suas cabeleiras espanadores, que o Diabo usaria para limpar os ventres das suas amantes que se recusaram a abortar os filhos de Deus. “Somos milhares”, e os “RAMP gostam de ter os amigos consigo”, “obrigado!”. Os miúdos erguem os dedos como se fossem os cornos do Diabo, e exalam todas as energias acumuladas das rotinas diárias, gritam, e a histeria é contagiante. Rui Duarte é o incendiário, o pirómano, que congrega em si a atenção dos milhões que ficaram em casa a ver “as novelas da TVI”, e aponta o dedo “ao BLITZ” que no passado ainda dava atenção à música dos “RAMP”, mas, “isso, pouco importa!!! O que nos interessa é que temos connosco os nossos amigos!” Que veneram, mais uma hora e quarenta e cinco de espectáculo, de decibéis distorcidos, de voz grutural, de mandamentos que instalam a irracionalidade. “Alone”, será “SEMPRE MAS SEMPRE PARA A MINHA MÃE”, o tema rejeita o meio tempo do original e é decapitado na sua tensão, ouve-se a lâmina da guilhotina a decepar a cabeça multifunções de DEUS.

Subversion Tour, RAMP, Associação Desportiva Acção Cultural da Charneca,Pombal, 9 de Abril.

sábado, 20 de março de 2010

French Kiss

Não sei como se chama a mulher que se senta num banco, num palco exíguo, com uma guitarra eléctrica nas mãos. A cantora dos hibernados Stereolab, é uma francesa que aparenta uma jovem inglesa, dirige-se ao público do Teatrão, em inglês sem sotaque, nem o usa como se fosse postiço. As canções discorrem de lamurio em lamurio, com a guitarra a ser a sua fiel parceira no dedilhar de tristezas e evasões. Com dois acordes é genial quando acrescenta diferentes cabeças a cada um deles, nem sempre a pigmentação sonora é tão eficiente. Mas Laetitia Sadier é sedutora, daquelas falsas ingénuas que se espanta por Coimbra a estar a receber numa Sexta-feira chuvosa: “The house is full today!”. “This is a song about divorce, it´s not funny! It´s tragic!” “Paraipara”, falsetto, “pararaia. “´On One million Trip”, “ is the journey of a life time”. E que explica que esta francesa de corpo forte mas rosto angelical teve coragem para, “left everything behind”. “Lalaraira”- Introdução. Falseto- em duas perspectivas: baixo e o alto. A promessa: “I `ll be back for lifetime.” O quinto tema da noite tem um carimbo brechtiano, “appositive of the spectator”, canção que se pode adjectivar de uma silly bossa nova. Já “Afraid of the Rivers” é um western spaghetti pornographic, é transmitida inicialmente em mid tempo, na segunda parte acelera, “transforming the night in to Day”, “There `s room for you?” Remexe numa musica de uns desconhecidos, pergunta: “do you now them?”, que se submete a um esoterismo arrepiante. Meio tempo. “Manunanana”- falseto. Mas quando dedilha acordes mais rápidos, submerge-se a uma dinâmica Radiohead, Ok Computer?, Laetitia Sadier: “ If God is love? Yeah you can put that way.”

Laetitia Sadier, O Teatrão, Coimbra, 19 de Março.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Flor de Verano

Diana é uma mulher alta, cobre-se por um vestido branco apertado de alças, que lhe sobressai as ancas, e o decote permite ver parte de uns seios tão belos quanto perfeitos. Mas o que tem de mais sensual é o seu timbre é uma pedra lapidada, que os garimpeiros que removem as terras das florestas virgens da América Latina, não se atreveriam a vender. “Entre magicos suenhos que de noche se pierden”, há um romantismo trágico nas suas canções, algumas são recolhas de cancioneiros do tempo em que os europeus inavadiram o Novo Mundo. Diana Baroni tem consigo dois músicos, um harpista e um guitarrista, ambos percussionistas. Diana: “O nosso programa tenta contar um dia en las colinas do Novo Mundo. Numa manhã atormentada de alguém que se desperta na manhã”. “Vamos contar com um ritmo de raiz europeu, com origem no Chile, Argentina, Venezuela”, Diana coloca na boca uma flauta transversal de bambu, que é o respirar de uma ruralidade tingida à cores de sépia, onde é emitida a melodia, enquanto os outros dois instrumentos impõe o ritmo. Ao terceiro tema a greve dos escravos surge espontaneamente, que fazem sangrar as árvores de “goma”, “no hay novedad”, “no trabajo más”. Diana em discurso directo: “Neste dia imaginário de Verão. Durante a qual se realizou a colonização dos pretos. Entramos numa sessão, onde vamos trazer de novo numa memória. De uma lavandeira, rememorando para ela. Esta é uma canção para fazer dormir um bebé. E no fim uma flor de mulher, flor canta uma mulher, canta muita tristeza quando um amor importante acaba, ´Flor de Verão`, que dá titulo ao nosso album. A flauta inicia o tema, polvilhado por sons concretos da floresta Amazónica nocturna, “hasta la água”, “para lavar necessito um poco de água clara”, “me basta con tu mirada”. A cascata tépida flui por entre uma floresta com macacos pendurados em árvores, ou, de cobras sem principio, meio, ou, fim, escorregam pelos troncos, a luz são raios que provocam um efeito de estufa, o calor é abrasivo. A caixa onde se senta o harpista é usada para ritmar as canções, as maracas dão cor a uma rumba, “una flor en él veraño”, “en él mar só se olle el mar”, “quando se muere un amor”, “el amor no mas quiere”, “se desgarra él corazon”. “Para celebrar a tarde que vai chegando para evaporar o calor da siesta. Muitos compositores espanhois misturaram-se com os ritmos das colónias, com uma fuerte influência africana”, a harpa oferece aos temas um carácter quase diáfano, como se fosse um complemento da voz esotérica mas viril de Diana, que bate palmas como elemento rítmico: “Adiós Chinita, adiós hermosa”, “adiós chinito”. Diana Baroni, é uma mulher com o poder da palavra, “a noche se aproxima como as cobras de amor. No Peru temos uma grande cultura, temos melodias de povos que foram totalmente eliminados. Para não esquecer esse processo de dor, de sangue que viveu à América Latina, ´Una Larga Noche`, que conta a história de uma pessoa que tem sempre medo da noite. De uma noite que nunca mais acaba”. A flauta e a voz de um espírito que tem uma casa escrita por Isabel Allende, a precursão são cascavéis, o espanto de que a dor é veneno, “si me dizen que eras muerto al otro mundo passarán”, Diana deita-se ao lado de todas as vitimas das injustiças, “como quieres que me acueste en una cama que me ofreces?”, “quita-te de la ventana!”, “la lucha de una buena marca no necessita de bandera”, “una larga noche”.

Diana Baroni Trio, Flor de Verano, Pequeno Auditório do Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, 13 de Março.

domingo, 14 de março de 2010

Final Fantasy

O. Pallet entra discretamente em palco, é um rapaz tímido em escura camisa a cair pelas ancas. Situa-se junto a um teclado e o violino está ligado a vários pedais, que realizam a circulação dos acordes que iniciam as canções, sobre a qual sola, seja de forma delicada mas também violenta. O concerto no Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, está repleto de um público heterogéneo, “take a plane for the Filipines”. “Hello I´m Owen Pallet”. O loop é uma constante e a indefinição entre música erudita e a pop, acentua-se como se Pallet estivesse em continuo solilóquio: teclado, violino, voz, numa tendência minimal construtivista e o oposto. A luz branca que se mantém inalterável sobre o palco, com tecelões pretos à ladearem-no, parece um consultório dos inimputáveis: “Never leaves their homes”. A floresta, há uma vertente de contador de histórias tendencialmente românticas, o chamamento é a sua voz tripartida, seja para o abismo, o pizzicato, “OOoooO”. “Co-co-co-caine”, “broken home”. Entra um homem, “friend Thomas”, que se apropria da guitarra e da bateria, usando as escovas ou as baquetes. “Enough of sad songs. Now We are blowing your mind”, sorri como se fosse um menino traquina a rir-se de uma premeditação. Esta união provoca um wall of sound, como se fosse um repertório minimal dos Velvet Underground, polvilhado com delírios estilísticos de Cale. A voz a dois, sobrepõe-se à de Thomas, com raiz no solário dos Beach Boys, Brian Wilson é saqueado na vertente melódico-rítmica, é o belo que se ergue perante o nosso olhar. L.A soturna com os candeeiros e painéis publicitários, semáforos, armas nas mãos, “never speak again”, “fingers”, solo de guitarra misturado com o violino, loop, pizzicato, bateria, acordes curtos e rápidos, tempestade de Wagner. A junção dos timbres do violino, com bateria e a guitarra, é poético, “trees”, “tha´s how the history ends”. “I love these bitter moments”, violino, voz, assobio do Thomas, um som concreto é emitido, por entre as almas: “I don´t give a shit”, “Final Fantasy”.

Owen Pallet, Heartland Tour, Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, 12 de Março.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

New York

O meu bloco de notas, está manchado de ritmos afro minimal, baixo pulsante, e vozes fantasmagóricas. O ecrã acompanha a narrativa musical de uma forma cinestésica, Panda Bear é alto magro, veste casual, dedilha o baixo e canta, como se fosse um homem-soundsystem. O jogo sonoro que cria através do sampler, que manipula durante as canções, torna-o num Dj cibernético, entre Frank Zappa e Brian Eno. Conjugados por um vértice de agonia, sombria, quase esquizofrenia, Allen Ginsberg e William S. Burroughs, a queimar ópio em Marrocos. Hipnose, o público no Lux, dança ordeiramente, acentuada presença de adolescentes. Há diferentes graus de profundidade em cada um dos temas, que formam melodias circulares, que se conjugam como um remoinho obscuro, esquizofrénico, violento, “robot”, “robot.” Panda Bear processa a voz através do sampler, um eco, que ora constrói ou destrói as frases seguintes, impondo um paradoxo que se revela em distanciamento. Aceita timidamente as palmas quando decompõe um tema ao subtrai-lo à distorção, acto de violência premeditada, que gera o grotesco. As colunas irrompem a partir do chão, confiscando, aos presentes a incapacidade de fuga do indutor musical-visual, num cenário de néons que pendem do tecto, apagadas. A luz que percorre Panda Bear heterogeneamente é o vermelho e o azul, assumindo a dupla figura: a humana e a digital. O ecrã é como o seu alter-ego, o seu duplo, que converge para a disfunção, associação é realizada através do onírico, é aí que preside o transcendental.

Panda Bear, Lux/Frágil, 13 de Fevereiro, Lisboa.