quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Hamlet
Um anjo urina água benta para o interior de uma concha de pedra rodeada por uma vegetação luxuriante onde estou proibido de consumir os frutos das árvores que simbolizam o bem e o mal caso contrário o Mestre expulsar-me-á do Jardim do Éden mas como sou vegetariano elas são-me uma tentação assim como para os macacos que as podem comer porque são seres irracionais mas se fossem humanos seriam inimputáveis e tento obter uma perspectiva sobre a minha condição de discípulo que se surpreende com o nascer do sol e com o chilrear poético dos passarinhos e o esvoaçar de joaninhas que são tão belas quanto delicadamente kitschs e as borboletas de asas salpicadas de vermelho alimentam-se do pólen de um girassol e empurro sorrateiramente uma porta falsa no tronco de uma árvore; o Salão Brazil apresenta os Parkinsons e os Moon Preachers que são um dueto composto por Rafael Santos (voz/Guitarra eléctrica) e João Paulo Ferreira (bateria) e as suas canções têm uma matriz predominantemente rock pautadas por inúmeras dinâmicas que se subdividem em outras que têm o propósito de se compor e decompor e resultam num psicadelismo tão violento quanto intrusivo e que é perturbador por arrebatar a consciência mas o único senão é que aumentam de tal forma a frequência da guitarra eléctrica (quando algumas das canções se aproximam do epílogo) que anula o psicadelismo redundando em algo excessivo que funciona como um anti-climax porém a nota não deixa de ser a da excelência; e dou um passo e desço umas escadas em caracol que parecem intermináveis e acedo a uma sala com uma árvore de Natal a piscar com prendas nos seus pés de metal e o silêncio denuncia que estou sozinho e espreito por uma janela e há um lusco-fusco que não consigo identificar se pertence ao raiar de um dia se é que está a cair a noite e acendem-se velas que parecem estrelas ou mais parecem pirilampos que cirandam como se fossem anjos e persigo um corredor que tem um espelho no qual se reflecte o meu corpo vestido de negro a tentar avançar no espaço sem que tal verdadeiramente ocorra e surge uma multidão que parece intransponível que contorno lentamente e os seus rostos têm os olhos fechados como se estivessem a meditar sobre o futuro que está a chegar e sob os meus pés crescem focos de luz que me transformam num ser com uma sombra gigantesca que em cada passo se transcende num poder incomensurável e quando se apagam são substituídas por raios de sol que me lampejam de uma excentricidade luminosa que extravaso num clímax; os Parkinsons enfrentam a sala lotada e é Pedro Chau (baixo eléctrico) que discursa: “É uma data muito especial principalmente por causa de uma pessoa que nós amamos e que já não está connosco que é o Bruno [Bruno Simões (conimbricense) que fundou os Tu Metes Nojo assim como os Sean Riley & The Slowriders e que desapareceu em Lisboa o ano passado]” eclodem as palmas “amor amor amo e vamos dar um concerto dedicado a ele” e há um impasse e ouvem-se uns acordes da guitarra eléctrica do Victor Torpedo que ordena “o pessoal dos Ossos [denominação de um grupo de amigos e familiares que se reúnem num jantar para celebrar o Natal e do qual fazia parte o Bruno Simões] tem que subir ao palco para tirar uma fotografia” sobem diversas pessoas duas das quais com uma tarja branca com uma inscrição pirata e é com eles no palco que iniciam “Primitive” e que está cada vez mais lotado de figuras saltitantes em êxtase a cantar o refrão “oh baby is a long way to nowhere” e a seguinte “Angel In The Dark” é de uma selvajaria punk que é um dos elementos centrais da movimentação em palco do Alzheimer (voz) e do Victor Torpedo secundados na bateria pelo incansável Ricardo Brito e há “Streets Of London” durante a qual Alzheimer é a representação de uma pureza demente e “Nothing To Lose” é punk mas pejado de acordes kitschs provenientes do órgão do João “Jorri” Silva que gradualmente incorre num psicadelismo perturbador “where can my baby be?” e a “Gril From Another World” é de um canibalismo punk alucinante e é a vez do Victor Torpedo dedicar “Back To Life” ao “Bruno [Simões] e ao Zé Pedro [membro fundador dos Xutos & Pontapés que recentemente faleceu]” e o punk é contaminado pelo órgão do João “Jorri” Silva elevando-o à condição do psicadelismo que inspira uma satisfação sensorial e o poder sónico dos Parkinsons é de tal ordem indomável em “So Lonely” que as pessoas em frente do palco parece que entram num estado hipnótico que as faz vivenciar um espaço em que domina a catarse que se repercute na multidão e a anarquia instala-se e gradualmente se esvai e é Pedro Chau que encerra o concerto com uma nota distorcida e repetitiva como se estivesse a comunicar com o Bruno Simões; e observo um auto-retrato em que o meu rosto se encontra distorcido como se estivesse a vivenciar a mais dura das agonias sobre um fundo laranja que faz sobressair a minha amargura e sossego o meu coração dizendo-lhe que aquele não sou “eu” aquele é “outro” e obtenho a resposta com um desacelerar do seu ritmo e respiro fundo como se tivesse sobrevivido a uma catástrofe e num quarto num maple encontra-se sentado um homem de cabelo grisalho de pijama velho e sujo que fuma um cigarro e sussurro-lhe ao ouvido algo para o fazer abandonar a letargia mas ele somente sorri e ergue os ombros demitindo-se da responsabilidade por estar sozinho mas mesmo assim se pudesse seria seu filho somente para o fazer feliz numa noite de Natal como a de hoje e ausento-me para um outro compartimento de paredes de vidro com luzes estáticas que se multiplicam infinitamente onde me projecto e me divido num universo paralelo.
The Parkinsons + Moon Preachers, 24 de Dezembro, Salão Brazil, Coimbra.
P.S- A ceia de Natal decorreu no ODD ao som dos Vaginas Convulsivas que com o poeta Gigas agraciaram os presentes.
P.S- Feliz Natal.
The Parkinsons + Moon Preachers, 24 de Dezembro, Salão Brazil, Coimbra.
P.S- A ceia de Natal decorreu no ODD ao som dos Vaginas Convulsivas que com o poeta Gigas agraciaram os presentes.
P.S- Feliz Natal.
sábado, 23 de dezembro de 2017
sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
The Sunday Gentleman
Só um solitário ostenta uma rosa cor-de-rosa que perdeu alguma das suas pétalas ela representa-te no meu coração que bate mal de manhã à noite e mesmo que eu queira equilibrar-me sobre uma corda que bamboleia ao vento caio sobre um banco de areia e espero que a maré suba e me cubra com um manto azul que satisfaz a minha alma que se liberta com a maré e se sou mar sou escravo dos caprichos da lua mas se sou homem sou fonte de felicidade que irradio em cada palavra que partilho com uma figura ondulante e ao tentar alcança-la distancia-se cada vez mais como sucede quando me tento aproximar do pôr-do-sol e a noite cobre a minha casa em ruínas e oiço as portas a baterem à força do vento frio e sinto-me um sem abrigo na Avenida da Liberdade ergo um braço para ter a certeza se ainda existo ou se sou somente uma ideia brilhante na tua memória ou será na vossa imaginação que é um labirinto onde se encontra misturado o presente e o passado como uma fotografia de alguém que já morreu e não há uma montanha onde se possa fazer uma fogueira que arda até ao dia nascer como uma tocha ou farol que comunica com as almas errantes e acrescento uma jogada no tabuleiro xadrez as brancas são a vida as pretas portas com destinos incertos e dispo a camisa à procura de um cabide onde me possa pendurar e lamento que o armário esteja carcomido por bichos que se intrometem nos meus sonhos impedindo-me de sonhar consigo contigo com alguém que desconheço o paradeiro e valorizo uma paisagem onde há uns sobreiros iluminados por um Verão intenso que exala um odor a terra seca; o backstage do Teatrão tem sofás floridos e máscaras a pontuar uma parede e um piano vertical que é tocado pelo Nicotine a passear por canções pop da década de setenta/oitenta do século XX que nos faz rir e o Victor Torpedo discorre sobre o baixista dos Cavemen “esse cabrão toca tudo” e que “até participou num reality show e ele era uma das figuras mais populares, e quando ele saiu com uma gaja para jantar?” ri e rimos e lembra-se do Zé Pedro dos Xutos & Pontapés “essa morte tocou-me” e ficamos suspensos num silêncio consternado “era um porreiraço (dixit)!” e “cheguei a tocar com ele” e di-lo com uma humildade desarmante e somos informados que estarão à espera dos Jack Shits vinte pessoas algo manifestamente pouco para Coimbra não vos parece? Os Jack Shits correspondem a Nicotine (bateria) o Samuel Silva (guitarra eléctrica) e o Diogo Augusto (guitarra eléctrica/Harmónica/Voz) e a primeira canção "I Don´t Wanna Be Real" é predominantemente garage com laivos de um rock visceral que contamina “Lucy Pussy” com um acréscimo trash já “Sweet Billy Blues” destaca-se pela sua estrutura que inicialmente é rock de seguida garage e ainda blues com a harmónica do Diogo Augusto a planar sobre a massa semi-distorcida e a sua voz é de um Amish que se rebela contra a sua comunidade e “Strong” é um estilhaço garage com solos épicos do Samuel Silva e “I `m Just a Fool” é um capítulo acelerado e que se esvai através de uma agressividade incontida e o cantor apresenta-se “eu sou o Jack” e “ele é o Jack” e ele “é o Jack” e “nós somos os Jack Shits” e “Sex Beat” dos Gun Club é revista numa perspectiva trash e “Gloria” do Van Morrison é transformada numa trip catártica; e escaldam-me os pés e corro para a praia e a areia também arde e saltito desesperadamente sem encontrar a margem e o amanhã é para ti história e para mim é um sentimento que alimento e que me alimenta e me liberta e aprisiona e posso esperar pela manhã e pelo amanhã porque conheço um corpo que está desesperado por um raio de um radar que arrebate o meu coração que agora bate assim como assim ou talvez assim ou pouco importa ou mais ou menos assim e lentamente as pessoas passam à minha frente como se fossem figuras urbanas onde consomem os manequins e paralisam carros blindados em túneis de néon com louras de cabelos eléctricos penduradas em gruas vizinhas de arranha-céus e querias dançar e eu pedi-te para dançar e o paraíso é um passo doble ou uma poça de óleo e como te sentes quando te rodeiam as lagartas falantes e te sentes sozinha e se subirmos esta planície será Domingo e depois talvez um dia qualquer em que as amoreiras estejam em flor como o meu solitário e oiço dois homens a rirem-se de mim e apontam as suas armas contra a minha cabeça e são tolhidos por uma vertigem que os condensa em pedras de fancaria e colo mais uma fotografia tua na parede do meu quarto escuro para que um arqueólogo te procure para te informar que vivi para ti.
The Jack Shits, 20 de Dezembro, Teatrão, Coimbra.
The Jack Shits, 20 de Dezembro, Teatrão, Coimbra.
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
terça-feira, 19 de dezembro de 2017
Landscape into Art
Desloca-se lentamente para a janela e corre as cortinas amarelas e recosta-se e observa a paisagem campestre com pegas rabudas sobre galhos de árvores que estão a arrebentar as folhas e que conversam sobre o estado do tempo e lamentam que a terra esteja seca algo que lhes dificulta a procura de insectos e ela senta-se na cadeira de palhinha e acende um cigarro e o fumo sai da sua boca de lábios pintados de preto em círculos que se desarticulam com a brisa quente que emana do exterior e abstrai-se do quadro e tenta recuar no tempo quando ainda era adolescente e brincava comigo às escondidas e segredava-lhe que a amava mas ela ria num riso nervoso de quem tinha vergonha de me rejeitar e eu ficava preso a uma dor que me aprisionava e impedia-me de encontrar no seu abraço a vontade de me dar a sua mão que eu segurava e apertava como se lhe estivesse a pedir que ela me aceita-se nem que fosse por um segundo que para mim seria eterno mas largava-a e algo comprimia-se na minha garganta e os nervos secavam-me a boca e sentia uma miséria agravada quando se despedia com um sorriso de quem lhe agradava a minha amizade e nada mais e eu deslocava-me por entre ruas que pareciam descambar sobre mim e encostava-me a um marco do correio a desejar receber uma carta sua a desmentir o que escrevi e eu corresponder-lhe-ia com uma letra desenhada com os contornos de um inexcedível amor; na Casa das Caldeiras está a decorrer a festa de aniversário da cantora Ruby Ann que toma conta do microfone e apresenta os seus convidados “directamente da Alemanha os Marc & The Wild Ones” que correspondem a quatro músicos Marc Valentine (voz/Guitarra acústica-ritmo), Rene Rottmann (guitarra eléctrica-solo), Stefan Dürrbeck (bateria), Andy Hümmer (contra-baixo) mas este último não se encontra em palco pois segundo Marc Valentine “the original can`t make it” e em sua substituição está um português chamado Nuno Alexandre (um dos mais conceituados contrabaixistas dentro do circuito rockabilly e também jazz da Europa), e as canções têm uma estrutura em que a guitarra eléctrica do Rene Rottman secundariza a acústica do Marc Valentine e somente estes elementos conferem-lhes um estilo rockabilly adicionados a uma secção rítmica em que não se nota a falta do Andy Hümmer e a conclusão unívoca é que são de facto geniais na forma como transcrevem um imaginário rural americano mas em simultâneo o advento da tecnologia com a invenção da guitarra eléctrica e há um cânone que exploram de forma brilhante que é o do Elvis Presley seja na entoação aveludada com que canta Marc Valentine seja na indumentária que fez furor da década de cinquenta nos Estado Unidos da América do século XX e é esta elegância que os torna tão imprescindíveis porque prestam homenagem a um legado em que primava a rebeldia e em que os jovens estavam a descobrir o que era ser jovem numa sociedade segregada em que o sonho americano se cumpria para muitas famílias emigradas da Europa e o Marc Valentine declara “happy birthday Sue” e quando tem oportunidade dedica “I Love My Baby” original do Hayden Thompson “to Ruby Ann”, “I wish the best for my girlfriend” e que exacerba a vertente hillbilly do original que convida à dança “my friends all kown I don`t want nobody else”; e ela continua sentada imóvel e a paisagem tem umas nuvens suspensas que lhe parecem animais diversos que recordam os tempos que com a sua irmã discutiam o que pareciam cada uma delas e ignoravam o chamamento da mãe para irem lanchar e aproximo-me e acaricio-lhe o cabelo escuro como se estivesse secretamente a suavizar os seus pensamentos e ela sem tirar o olhar das nuvens aperta a minha perna magra e percorre-me uma felicidade incontrolável e beijo-a como se fossemos os jovens que se encontravam no recreio da escola mas descobria-a num banco sentada ao colo de um colega e eu fazia de conta que não existia e passava lentamente à sua frente e desaparecia para o interior do edifício e acedia à casa de banho onde vomitava o almoço da cantina e descarregava o autoclismo mas ainda boiavam alguns restos deglutidos pelo meu estômago e voltava a descarrega-lo para me ver livre das provas da minha fraqueza; e é a Ruby Ann que acede a cantar e com ela sobem ao palco um guitarrista e um baterista que se juntam ao Nuno Alexandre executam três canções a primeira é country billy e as restantes rockabilly com a sua voz a enunciar um timbre agudo que poderia ser de uma nativa da América com a paixão pela cultura dos Cadillacs cromados e pelos rodeos e pela paisagem agreste do deserto; e ao chegar a casa fechava-me no quarto onde deveria estudar matemática e as contas saiam todas erradas e eu desesperava e temia que iria ter negativa ao teste do dia seguinte e por vezes a música vinda do seu quarto vizinho levava-me a crer que o slow era o sinal de que estava a pensar em mim mas esta suposição era um mero escape à minha frustração e batia na parede para tentar obter uma resposta mas ela julgava que a música estava alta e desligava-a e o silêncio magoava-me tão profundamente que fazia bater o meu coração desordenadamente mas agora contrai-se tão harmoniosamente que parece que o que vivenciamos foi somente uma ficção escrita por mim e ela levanta-se e deita-se na cama como se fosse uma chaise lounge e olha para mim e eu olho para ela e encontro a adolescente que tanto amei e que me faz avançar em sua direcção… E quando regressa Marc Valentine com os seus dois comparsas aprofundam a vertente rockabilly em constantes e urgentes dinâmicas que emanciparam uma geração de americanos.
Marc & The Wild Ones (aniversário da Ruby Ann), 16 de Dezembro, Casa das Caldeiras, Coimbra.
Marc & The Wild Ones (aniversário da Ruby Ann), 16 de Dezembro, Casa das Caldeiras, Coimbra.
segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
sábado, 16 de dezembro de 2017
El Coronel No Tiene Quien Le Escriba
O caos é uma tempestade a que baptizaram de Maria que tem um rosto pálido como a face visível da lua que em tempos foi pisada pela primeira vez por um americano com um fato de astronauta e que exerce desde a criação do universo um poder estranho sobre a terra e que fez parte de imaginários tão diversos quanto os filmes de vampiros e as cantigas de amigo e os romances cor-de-rosa e a ilustrar livros sobre lobos famintos que uivam que uivavam que uivam e a madrugada lentamente desperta e conduzo um comercial que sobe uma montanha salpicada por tufos de neve que quando embatem no vidro suavemente são limpos pelo limpa vidros e sigo o trilho do alcatrão e os holofotes incidem num coelho imóvel cinzento que levanta a cabeça e paro e o animal mantém as orelhas levantadas e o seu olhar negro está cego com as luzes e movimenta lentamente a cabeça como se estivesse a medir o espaço à sua frente e saltita para fora da estrada misturando-se com a neve que o encobre e ligo o rádio e surge uma canção que me é familiar que tem um andamento lento e progressivo que se transforma em rock “... e chega a polícia bacteriológica com um toque de classe impõe a sua lógica e parte-se ao meio a cidade metade será caos a outra eternidade tem-se a vertigem a cor do vácuo comunicar sem som sentir ruído branco” (1); o Salão Brazil festeja a maioridade dos conimbricenses a jigsaw e a noite de hoje será diferente da de amanhã onde estarão outros convidados como o Pedro Renato e o Sérgio Costa no palco encontra-se João Rui (voz/guitarra acústica/banjo) João “Jorri” Silva (teclados/harmónio) com a Maria Côrte (violino) e o Guilherme Pimenta (bateria) e as três primeiras canções “To Whom I Shall Give My Blood”, “I`ve Been Away For So Long”, “Postcards From Hell”, versam uma folk pejada de cores fúnebres e se há alguns lampejos de luz são provenientes do violino da Maria Côrte e este negrume é aparentemente eliminado com a entrada em cena da Tracy Vandal para interpretar “Of Those Who Know You`re Right” com o João Rui e estabelecem um jogo de vozes antagónicos a escocesa exuberante o português profundo e as canções subsequentes “Letters From The Boatman”, “Life`s Like a Riverboat”, são acrescidas de uma outra voz a da Raquel Ralha e da guitarra eléctrica do génio Victor Torpedo e o baixo eléctrico do irrequieto Pedro Antunes e versam o americana inclinado para o rock (como centro inexistente) e as vozes complementam-se num jogo que parece estar a ser jogado do lado do risco e somente por isto são inexcedíveis na eloquência do timbre de tão dramática e destaco “Lost Words” original dos fantásticos Tiguana Bibles que é transporta para um universo predominantemente pop sendo esta a única do concerto com tal estilo e “New Man” é destinada à voz da Raquel Ralha que canta com uma voz grave quase scat a contrabalançar com a segura do João Rui e antes da seguinte canção a cantora observa “não é bom que as bandas de Coimbra se juntem e façam coisas em conjunto?” e “You`re The One I Want The Most” é somente desenhada e após a qual Raquel Ralha abandona o palco e a complexidade é representada pelos a jigsaw em “Make Straight The Way” que estabelece como ponto de partida o rock que tem na base o americana e que é por essa medida psicadélica e a folk é de novo delineada em “Dreams & Feathers” e “Crashing Into The Harbour” é de um dramatismo americana garrido com o violino de Maria Côrte fundo a obter a resposta da guitarra eléctrica do Victor Torpedo sobre um ritmo acelerado e “Whithout the Prize” consegue inexplicavelmente ir mais além do que a anterior mas com duas vertentes em simultâneo a fúnebre e a do nascimento de um ser vivo e “No More” é prenúncio de morte com o bombo a marcar o ritmo de um coração que não se quer dissipar no silêncio e o harmónio do João “Jorri” Silva é um ferro que queima dada a sua leveza espiritual e a voz é um ressoar de um homem que julga que está vivo com o violino da Maria Côrte e a guitarra eléctrica Victor Torpedo a enunciarem o espectro que se liberta do defunto e “God Was Sleeping” (com a Tracy Vandal a secundar o João Rui) parece um barco de papel que se entretém a navegar no mar morto e “One Right Lie” reaviva a americana atolada no rock e depois do João Rui ter apresentado o excelente elenco de músicos que acompanham a jigsaw e que dão pelo nome The Great Moonshiners Band tocam “Blame Me” com a Raquel Ralha e a Tracy Vandal e o João Rui a confessarem sobre o blues uma alma que divaga e se intrometem num imaginário distante de tão eloquente; e meto a primeira e de seguida a segunda mudança e ganho velocidade e acrescento a seguinte e tento descodificar os restantes versos de “Toxicidade” dos GNR e transponho-me para esse universo em que há um dramatismo que retrata um não-espaço que somente pode ser vivenciado através da imaginação “toxicidade num céu incerto vento morto a enterrar” e as curvas fechadas obrigam-me a desacelerar e persigo um nevoeiro que é como uma parede branca que transponho subsequentemente e a canção é finalizada e desligo-o e sinto o toque de uma mão na minha perna e ao olhar na sua direcção desaparece e perturbado tiro o pé do acelerador e procuro concentrar-me no percurso continuamente sinuoso que me encaminha para o cimo e do nevoeiro surge uma figura antropomórfica que sustenta numa das mãos um livro de folhas amarelecidas que quando me aproximo esfuma-se e tento lembrar-me o que me fez tomar a decisão desta viagem e não encontro uma justificação que satisfaça a minha memória é e era uma turbina e volto a mim e a estrada segue num túnel branco que se parece a um manto de pureza que apaga a visão do tal ser que não sei o que representa ou representava parece-me que esta conjugação verbal é que é a acertada e desacelero e curva após curva parece que estou a subir para um futuro que desaparece quilómetro após quilómetro num carrossel sem luzes a piscarem e nem os das sirenes das outras diversões consigo ouvir e persigo os pontos de luz à minha frente como se fossem estrelas que me orientam para o meu interior onde me diluo numa felicidade eterna.
Décimo oitavo aniversário a jigsaw and The Great Moonshiners Band, 15 de Dezembro, Salão Brazil, Coimbra.
(1)- Tema incluído no LP dos GNR “Rock in Rio Douro” (1992) com poema de Rui Reininho e composição de Zezé Garcia.
Décimo oitavo aniversário a jigsaw and The Great Moonshiners Band, 15 de Dezembro, Salão Brazil, Coimbra.
(1)- Tema incluído no LP dos GNR “Rock in Rio Douro” (1992) com poema de Rui Reininho e composição de Zezé Garcia.
quarta-feira, 13 de dezembro de 2017
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
O Fósforo na Palha
No jornal de hoje há um anúncio curioso “homem com andropausa procura jovem que saiba ler e escrever e passar a ferro e cozinhar e lavar a roupa e tomar conta da minha mãezinha entrevadinha e que goste de música clássica e de ópera e que fale durante horas porque eu sou introvertido e assim o tempo passa mais depressa e que goste de gatos e de cães rafeiros como os meus dois filhos” e ao reler pergunto onde é que este idiota reside mas somente se encontra à disposição um número de um telemóvel ao lado do qual se encontra entre parêntesis “(não atendo números codificados)” e como tal a minha vontade de lhe telefonar com timbre de menina de alcofa fica frustrada mas mesmo assim ligo e oiço uma voz adormecida que deve ter uma cabeleira postiça branca “sim?” e parece irritado por ter sido apanhado em algo que havia previsto e emito uma voz cavernosa de velha habituada a fornos de lenha e a fazer a cama às vacas que as passeia para a ordenha durante a manhã e com as quais contorna a capela em ruínas vítimas de um incêndio demoníaco e oiço o “cavalheiro” a resmungar como se estivesse sem a placa dos dentes que devem encontrar-se submersas num copo de água na mesinha de cabeceira para que ao acordar não veja no espelho o rosto da morte; encontro-me no Hard Club em Gaia e tocam os argentinos Mueran Humanos que apresentam canções synth já que a pop fica diluída numa contínua torrente de beats nos quais é-me impossível detectar uma estrutura que as consigne a esse género (ou se calhar é essa a intenção do casal ela no teclado/voz e ele no baixo eléctrico) mas mesmo que tal seja intencional não resulta porque para além de ser entediante é irritante tanta falta de sentido estético; e o seu perfil de quem gosta de música erudita parece-me falso já a mãezinha fica bem com os pés à lareira quanto aos afazeres domésticos da “jovem” devesse acrescentar que seja activa na cama já que a passividade deve-o ter acometido durante toda a vida e esqueci de acrescentar ao seu anúncio que a “jovem deve ter entre os 35 e os 45 anos” não sei porque descarta a possibilidade de seleccionar uma com 25 anos talvez porque tenha medo de que alguém lha roube e se tivesse a morada enviar-lhe-ia um space cake para o seu casamento com os noivos no cimo de uma pirâmide de chantilly de mãos dadas a sorrir por sentirem uma felicidade esquisita e o anunciante desliga o telemóvel não se antes insultar a idosa “pró caralho!” e ainda tento oferecer-me como se fosse uma prenda a sair de surpresa do space cacke mas apenas oiço um som digital repetitivo; os cabeças de cartaz são The Horrors que correspondem a um quinteto de rapazes liderados por uma figura magra e esguia com uma cabeleira que lhe cobre parcialmente a cara e que dá pelo nome de Faris Badwan e desde a primeira canção “Hologram” é fácil denotar que se encontra no palco um cantor com um poder magnético que dificilmente se faz ouvir por entre o psicadelismo synth pop algo que o técnico da frente irá gradualmente resolver e que é um sinal predominante perturbante com uma cadencia mecânica distorcida “are we hologram? Are we visions?” a segunda “Machine” é um festim de referências com origem na louca Manchester com as suas raves regadas a ecstasy marcada por um ritmo gótico que assombra dada a sua beleza negra e no fim Faris Badwan dirige-se directamente ao escasso público que se dignou vir ouvi-lo numa noite fria de Dezembro “good night Porto” e a canção seguinte “Who Can Say” ressalva os mesmos apêndices que a anterior com um acréscimo de distorção mas não deixa de ser tão ou mais urgente e violenta com os strobs a ribombarem ao ritmo dos beats (algo que será transversal ao concerto) e Faris Badwan sobre um ritmo pausado é de um dramatismo atroz fala/canta: “And when I told her I didn't love her anymore/ She cried/ And when I told her, her kisses were not like before/ She cried/ And when I told her another girl had caught my eye/ She cried/ And I…”; a quarta “In And Out Of Sight” é de um romantismo gótico synth profundamente incisivo e é amordaçante de tão bela a seguinte “Mirrors Image” versa o rock mas com uma melodia soturna pejada de psicadelismo com um loop exótico a seguinte “Sea Within a Sea” é de uma virilidade slow negra que é seduzida por um psicadelismo synth e encontra o Faris Badwan na frente do palco a cantar curvado sobre a plateia como se fosse um vampiro sequioso pelas almas presentes: “So say I walk alone, barefoot/ On wicked stone tonight/ Will you leap to follow/ Will you turn and go/ Will your dreams stay rooted in the shallow”; a sétima “Weighted Down” é de uma languidez synth e que oscila indolentemente mas que é manchada pela guitarra eléctrica de doze cordas que sobressai negativamente quase anulando toda a sua beleza prog dark e quase e quase no fim os The Horrors decidem ilustrar a seguinte “Press Enter To Exit” com uma pop assertivamente elegante mas delineada para levar os adolescentes a usarem eye liner com a voz do Faris Badwan melodicamente poética de tão dramática: “What does it tell you when you change into a stranger?/ What words can never be denied?/ When does it start to turn the shade into a shadow?/ How does your life become a lie?/ Questions unanswered/ You walk into the storm/ Because there's no point in waiting now/ For the promise of a cur” e é encerrada com um solo de guitarra eléctrica que a eleva à condição de épica e a nona “Endless Blue” sobrevém num slow que discorre esvoaçantemente do sintetizador que é transporto para um plano onde o rock se enrola com o synth como se estivesse a ser emitido num ecrã a imagem de um sol negro a iluminar o dia já “Still Life” é uma coroa pop que encerra o fantástico concerto; mas regressam e “Ghost” é uma space lullaby tão etérea quanto profundamente psicadélica e “Something To Remember Me By” é uma belíssima e elegantíssima canção pop que é como uma antítese a toda loucura sónica que emoldurou o concerto e que o público ruidosamente aplaude hipnotizados por terem assistido a uma efemeridade dilacerante; e as páginas seguintes são anúncios de prostitutas que oferecem massagens ou passeios relaxantes em SPAs paradisíacos rodeados por tubarões famintos por carne humana que lhes irá saber à de porco e a página central dá conta de um pianista que se suicidou depois de lhe terem descoberto um tumor maligno no cérebro inoperável e a sua fotografia corresponde a quem esteve a vida obcecado por um teclado preto e branco com uma cauda negra que poderá corresponder ao hábito da morte e numa outra mais pequena o rosto da viúva de óculos escuros para esconder a alma marcada por uma dor repentina e procuro no Youtube as músicas que o fizeram feliz e há variações diversas tocadas como se estivesse a ouvir ondas de um mar de Verão que recusa o negrume da noite e que é de tal forma sedutor que as oiço repetidamente para me sentir arrebatadoramente vivo e questiono-me como será o impulso suicida que vitimou milhões de seres humanos e suponho que seja mais poderoso do que o da vida e como tal deve ser eliminado como se fosse uma erva daninha.
The Horrors + Mueran Humanos, 09 de Dezembro, Hard Club, Porto.
The Horrors + Mueran Humanos, 09 de Dezembro, Hard Club, Porto.
domingo, 10 de dezembro de 2017
Manifest der Kommunistischen Partei
Noite de chuva em Coimbra onde irá decorrer no Teatro Académico Gil Vicente o concerto “Sempre Além—Um Espectáculo em Torno de António Variações” e o texto da folha de sala é da responsabilidade da comissão organizadora do colóquio: “Variações sobre António. Um colóquio em torno de António Variações” promovido pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e que explica o seguinte: “Sempre além de quaisquer fronteiras ou classificações, este espectáculo performativo e multimédia pretende convocar um itinerário em torno do percurso pessoal e artístico de António Variações e do seu tempo através dos seus temas mais emblemáticos e dos momentos-chave da sua carreira, num registo que mais do que homenagear ou prestar tributo, revisita, relê e celebra a sua obra singular” e os músicos que compõe esta celebração são inúmeros: Raquel Ralha (voz/teclado), Tracy Vandal (voz), João “Jorri” Silva (teclados), Pedro Chau (baixo eléctrico), Carlos Mendes (bateria), Miguel Padilha (teclados), Pedro Renato (teclados e guitarra acústica), Sérgio Costa (teclados e guitarra/ baixo eléctrico), Sérgio Nascimento (bateria), e ainda o irmão do malogrado cantor o Luíz Ribeiro (voz) e o seu irmão Jaime Ribeiro (voz) e a música que dá o sinal para a entrada de alguns dos músicos acima assinalados é “Toma o Comprimido” e o microfone é tomado pela Raquel Ralha que oferece uma profundidade estilística à “Erva Daninha” e “Estou Além” que citam os acordes das canções mas com arranjos actualizados que sublinham a vertente kitsch dos originais escusado será escrever que a Raquel Ralha tem uma voz tão bela quanto segura com um alcance que não faz ter saudade da do António Variações; sobe ao palco Luíz Ribeiro que elogia este: “Maravilhoso colóquio e concerto em volta do António Variações” e o tema que irá cantar chama-se “Curva Ilusória” que foi escrito “a partir de uma cantoria do António Variações” e que tem como fundo um piano melancólico com um verso assim: “No jardim da minha infância” e outro assim “não quero viver da saudade” com uma entoação minhota e se fecharem os olhos como eu o estou a fazer julgariam que o emissor seria o excêntrico António Variações mas se os abrirem como eu o estou a fazer veriam que o Luíz Ribeiro veste camisa branca e calça de flanela cinzenta portanto a antítese do seu irmão que também foi um pioneiro stylish cabeleireiro e a canção seguinte “Lodo” é antecedida por este testemunho “avançamos oito anos” quando o António Variações “nos anos setenta regressou da Guerra do Ultramar” e nessa altura “trabalhava num cabeleireiro na Parede” e foi surpreendido pelo irmão que o informou que “já tenho música para um dos teus refrões (dixit)” e os teclados inferem um dedilhar melancólico sobre o qual ouvimos a alma do António Variações “só perseguido pelo azar” e há um outro verso que causa espanto dada a sua beleza “águas paradas no rio em tempo de maré cheia” pois é arrepiante; surge o Ricardo Seiça que desempenha o papel de um actor com a personagem errada que diz “o António Variações é o barbeiro das palavras” que não passa de uma banalidade errónea porque o facto de ter sido cabeleireiro (e não barbeiro) não é algo que o tenha influenciado a recortar o português antes deu a termos populares um acréscimo poético e nessa medida consagrou-os à cultura pop e prossegue a tentar descrever displicentemente o génio do cantor minhoto; o Ricardo Seiça irá aparecer mais vezes mas não tirei qualquer apontamento porque as suas intervenções serão gratuitas e inócuas; surge novamente a Raquel Ralha que oferece à canção “É p'ra Amanhã....” uma entoação tão popular quanto o original e a música ressalva a sua memória kitsch; à escocesa Tracy Vandal calhou em sorte “Canção de Engate” e que é cantada em inglês e durante a qual há um divórcio entre esta e os músicos que transmitem a alegria de um engate numa rua do Bairro Alto mas devesse sublinhar que gradualmente que a cantora consegue enquadrar-se no ritmo acabando-a primordialmente; o Luíz Ribeiro toma a palavra e o que diz é emocionante “saudade de não estarmos com o António” que faleceu em 1984 vítima (ao que se julga) de SIDA que grassava entre “Braga e Nova Iorque” e que vitimou especialmente a comunidade homossexual e a canção que irá cantar é “um poema com uma viagem simbólica” e que se intitula “Então foi a Braga” e que tem uma melodia tristonha que retrata um périplo de comboio e a voz é similar à do António Variações como se estivesse novamente tão presente como quando ainda estava vivo; junta-se ao Luíz Ribeiro que introduz a próxima canção a partir de um mito “há quem julgue que o António Variações tinha só uma Diva que era a Amália mas não é verdade antes era a nossa mãezinha Deolinda de Jesus” o seu irmão Jaime Ribeiro que agradece à Universidade de Coimbra a homenagem mas acrescenta algo que não deveria sequer pensar “a vetusta Universidade de Coimbra” porque está a ofender quem está a enaltecer a obra do António Variações e o dueto “Deolinda de Jesus” desencontra-se continuamente porque um é lento e incisivo o segundo é meramente popularucho para além de estarem desenquadrados da melodia melancólica (em playback); e Raquel Ralha é voz de “Perdi a Memória” revista num funk kitsch que é arrebatadora já “Dar e Receber” versa o disco sound que faria corar os Abba por ser tão ou mais kitsch quanto as suas canções e a última “Sempre Ausente” é fúnebre e introspectiva como se estivesse a presenciar a viagem do António Variações para o além, e a plateia ergue-se dos cadeirões e ovaciona os músicos faltando os irmãos do homenageado; a carrinha da biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian parava à porta de um prédio de quatro andares com elevador no qual descia para ver as novidades e requisitar um livro para me acompanhar durante as semanas de Verão passados num bairro marginal de Aveiro que o lia num quarto com uma mesa redonda com uma toalha vermelha enquanto a minha mãe passava a ferro as camisas do meu pai e cantarolava canções da sua infância passada em Caracas “ai que abandonaste la negra, no la escuchas a chorar?” que me obrigavam a parar a leitura de “Os Filhos da Droga” da Christiane F. que página após página me induzia a rejeitar um universo em que dominava a heroína e esta era tão estranha quanto nojenta mas que paradoxalmente me atraia por consumir a consciência da Christiane F. assim como o seu corpo esquelético que vendia para financiar o vício pelas ruas da Berlim ocidental que ainda se encontrava dividida pelo Muro que por vezes era emitido na nossa televisão a preto e branco e à sua frente num palanque o John F. Kennedy discursava para a multidão no inicio da década de sessenta "Ich bin ein Berliner” e a minha mãe relatava como decorreu o seu assassínio em Dallas pela mão de Oswald e não acreditava que tivesse sido este o autor mas “la CIA o el FBI” mas havia um outro grupo suspeito “la derecha cubana” e “la Jaqueline casó con Onasis para huir de esos criminales” e suspirava triste por o Johnson ter dado continuidade à guerra do Vietnam para engrandecer “el pueblo americano que transformó una generación de hombres sin piernas o de silla de ruedas” que apoiou “a Pinochet” que “que arrojaba a personas vivas al mar dejando a sus madres solas” e dava-me a ler o “Manifesto Comunista” do Karl Marx e do Friedrich Engels que havia comprado na livraria Havaneza na Figueira da Foz no fim de semana anterior para reler os fundamentos do comunismo mas que eu não conseguia passar das primeiras páginas porque a sua nomenclatura lexical era-me inacessível algo que a desagradava e eu sentia-me profundamente ignorante e substituía-o pelo “Asterix e os Normandos” e desejava um dia ter uma porção mágica não para agredir as pessoas mas para as fazer felizes mas a minha mãe achava que tal seria impossível “los portugueses están siempre tristes porque tienen miedo del pasado viven con miedo del pasado cuando Salazar mandaba a los PIDE a arrestar a los comunistas” e que se encontrava sintetizado em três palavras “Fátima, Fútbol e Fado” e parece que se questionava o porque de ter casado com um português “el amor es ciego Jimmy un día lo sabrás” e eu sorria como que a ansiar pelo dia em que me apaixonasse pela primeira vez e procurava na estante algo sobre o amor de preferência um guia mas somente encontrava o “El Amor en los Tiempos del Cólera” do Gabriel García Márquez no qual sucessivamente me perdia mas não desistia de ler mesmo percebendo vagamente a sua história e para colmatar esta incapacidade questionava-a sobre o seu conteúdo mas ela recusava educadamente ajudar-me “tienes que descubrir las herramientas para orientarte en sus palabras” e ao fim de uma página que me levava meia hora abandonava-o para acabar o “Astérix e os Normandos” e depois de jantar na mesa da sala juntamente com a minha mãe e o meu irmão esperava-mos horas para ver o “Monstro da Lagoa Negra” e colocava-mos os óculos 3D mas por muito que tentássemos nunca lograva-mos ver em profundidade e aguentava-mos até que o sono nos levasse a paciência enquanto o monstro procurava uma donzela num pantanal cinzento como se o amor fosse algo de tão poderoso que fosse responsável pela união de uma besta com uma jovem.
Sempre Além—Um Espectáculo em Torno de António Variações, 08 de Dezembro, Teatro Académico Gil Vicente, Coimbra.
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
Der Kitsch. Eine Studie über die Entartung der Kunst
Estou na sede da DRAC- direito de resposta associação cultural na Gala situada na margem sul da Figueira da Foz e que tem em cartaz duas bandas: Twin Transistors e os The Last Internationale; os primeiros apresentam um conjunto de canções que se inserem no desert rock mas não conseguem acrescentar algo que lhes consigne originalidade porque alicerçam-nas em redor dos seus clichés o que é deveras entediante e a única que vale a pena ser discriminada é a versão de uma canção dos Velvet Underground; a música que assinala a entrada em palco dos The Last Internationale é “The Revolution Will Not Be Televised” do Gil Scott-Heron e o seu ritmo é mimetizada pela bateria mas o baixo e a guitarra revertem-na para o rock e a partir deste ponto surgem outros em outras canções que reverberam um rock por vezes mestizado com o funk e o punk que tem origem especialmente na guitarra eléctrica de Edgey Pires que a seu lado tem uma cantora que versa a soul e que confere às canções uma personalidade estranha por ser um foco de luz que emana do jogo agressivo dos instrumentos musicais e ela apenas despe o casaco e encontra-se vestida de preto com um chapéu de abas e para além de assegurar a voz ainda toca baixo e quando é necessário a harmónica e a performance da dupla é suficiente para incendiar o público que se ajoelha perante a profusão de solos épicos por parte Edgy Pires e se deixa penetrar pela Delila Paz que canta por entre a multidão como se estivesse no palco e há uma versão do John Lennon “Working Class Hero” e uma outra do Neil Young “Hey Hey, My My (Into the Black)” a primeira é à guitarra eléctrica e com a voz soberba da Delila Paz a recuscitar o Beatle e a segunda é apresentada com um dramatismo rock que a engrandece e se poderia haver uma surpresa é a de a cantora convidar um membro do público para cantar “A Grândola Vila Morena” do Zeca Afonso mas que se esquece de um dos versos e a multidão aplaude o incidente e a banda prossegue o delírio de rock na roll como se o dia fosse supérfluo e o a noite eterna; sento-me na esplanada do Bar do Bruno situado sobre a praia do Baleal em Peniche e peço um chá que tem um odor suave e delicodoce e observo o mar pejado de surfistas à espera da onda perfeita enquanto o sol de Dezembro os ilumina tornando-os em diamantes negros que deslizam em ondas anãs e tento ausentar-me das conversas banais à minha volta assim como da de um casal que aparentemente estão presentes que bebem cafés como se a cafeína fosse ouro e leio “Der Kitsch. Eine Studie über die Entartung der Kunst” do Fritz Karpfen traduzido para português mas é mais chique usar o título em alemão não vos parece ou não vos quer parecer e não coloco o respectivo ponto de interrogação para me libertar das fronteiras que a pontuação institui e assim cabe ao leitor escrever a sua história e sou interrompido por uns americanos de fato de borracha que discorrem pomposamente sobre a sua surfada durante a qual dominaram a maré mas não consigo identificar de que estado americano são provenientes nem se são orgulhosamente apoiantes do boçal Donald Trump que é um terrorista de fato e gravata e com uma poupa que poderia ser surfada por qualquer aprendiz como os que tentam equilibrar-se em pranchas hand made que lhes oferecem uma aura de surfistas profissionais em circuitos internacionais e se tivesse uma longboard estaria neste momento a produzir a espuma das ondas que são como coroas efémeras com origem no poder do Posídon que mereceria uma estátua em bronze numa das rotundas do Baleal e releio a página em que o autor revela as diferentes facetas do kitsch e a sua premissa é a do pastiche que agradava aos pequenos burgueses que decoravam as suas vivendas com obras vazias de conteúdo somente porque ficavam bem com as cortinas amarelas e este ensaio datado do início do século XX é de uma actualidade atroz porque ainda domina em Portugal a ignorância nas elites que financiam artistas plásticos carentes de autenticidade e de originalidade somente porque ficam bem numa casa de bem onde se tratam por você como se tal os coloca-se numa redoma de vidro que os impedisse de serem vítimas da vulgaridade à qual a pobreza está associada e uma mulher pede para se sentar na minha mesa de madeira branca algo que cordialmente permito e lê um livro com mais de quinhentas páginas com o título “O Pavilhão Púrpura” do José Rodrigues dos Santos e levanta-se deixando-o como se fosse uma prenda envenenada em que cada palavra fosse uma gota de cicuta e reaparece e pega no calhamaço para adultos infantilizados e dirige-se para uma outra mesa sem agradecer o tempo em que o seu livro manchou a minha reflexão e peço mais um chá de tónico espiritual e substitui-o o livro do Fritz Karpfen pelo “A Câmara Clara (ensaio sobre fotografia)” com título em português para vos surpreender não vos parece ou não querem perceber e sentam-se umas adolescentes que conversam ruidosamente sobre a noitada que vivenciaram com capítulos memoráveis mas que infelizmente se dissipam da minha memória e há uma que recebe uma chamada telefónica do namorado que a entendia porque sente que ele lhe está a cercear a sua liberdade e por isso desdenha o seu amor e sinto o odor a cannabis e uma delas levanta-se rapidamente como se tivesse a decorrer um afogamento de um seu familiar e após minutos regressa com uma amiga que está de tal forma mocada que estira os braços para o ar enquanto se senta e pede uma cerveja “Bar do Bruno Craft Beer” e depois de beber pelo gargalo assobia o “Não sou o Único” dos Xutos & Pontapés composição do malogrado Zé Pedro e as amigas riem e o ensaio do Roland Barthes questiona a fotografia através de um discurso que parece uma confissão sobre a mortalidade e refere que a sua origem é o teatro no qual se encontram fundeados os princípios nucleares que transformam uma fotografia numa obra de arte e o pôr-do-sol atrai os olhares dos clientes que aproveitam para o fotografar porque assim se apropriam de um instante que lentamente se eclipsa e no Instagram procuro a imagem de uma mulher que não olha para a objectiva e sustém a mão esquerda sobre o seu queixo e a sua pele pálida contrasta com o seu cabelo negro comprido que enquadra o seu rosto eternamente belo numa melancolia que espelha a sua alma e que conquistou o meu coração.
The Last Internationale + Twin Transistors, 7 de Dezembro, DRAC, Gala.
Em memória do fundador dos Xutos & Pontapés o Zé Pedro e do “french Elvis” Johnny Hallyday.
The Last Internationale + Twin Transistors, 7 de Dezembro, DRAC, Gala.
Em memória do fundador dos Xutos & Pontapés o Zé Pedro e do “french Elvis” Johnny Hallyday.
terça-feira, 28 de novembro de 2017
segunda-feira, 27 de novembro de 2017
La chambre claire (Note sur la photographie)
Tarde de Sábado no Salão Brazil em Coimbra onde irá decorrer a terceira edição do mono/stereo— o maior pequeno festival do mundo que tem em cartaz durante a tarde o Carlos Subway, GAQ, Ruze e à noite o primeiro a subir ao palco será o Drunk Dancer seguido pelos Titanic e por último os Wipeout Beat; Carlos Subway apresenta duas canções no sintetizador a primeira é um sinal indie pop sonoro a seguinte para animar plateias em paquetes com decoração kitsch; GAQ são um duo de poetas que lêem os seus versos sobre uma palete com fundos que por vezes desequilibram os poemas e em outros quando as cores são menos carregadas os sobressaem e finalizam com um poema do William S. Burroughs “Electonic Revolution”; Ruze é um MC que vem acompanhado por um dj e por um outro raper e a movimentação do Ruze é constante mesmo que a sala esteja vazia e as suas canções têm beats predominantemente up-tempo e as suas rimas versam sobre a vida mas numa perspectiva em que impera a felicidade e a moralidade; Drunk Dancer corresponde a um one man band que usa a guitarra/baixo/voz e os insere numa mesa em loop e subsequente vai construindo as canções em tempo real e o resultado são estruturas antagónicas e por isso maioritariamente dissonantes mas há uma pureza infantil que as poderia denominar de free jazz caso tivesse passado pelo Hot Club ou Art Brut se tivesse estudado nas Belas Artes; Titanic correspondem a dois músicos um no teclado e o Marquis Cha Cha na bateria/voz e as forças entre ambos nem sempre estão equilibradas para além do resultado serem esquiços synth pop que mereceriam mais trabalho; Wipeout Beat debitam uma massa synth que canção após canção ganha um poder sónico dramático por vezes exacerbado com a guitarra eléctrica do Pedro Antunes e que é uma textura hipnotizante que liberta a imaginação e a transcreve para outros contextos onde o delírio é o futuro; à direita da direita reside a vantagem de ser vizinho de uma palmeira que parece um moinho e diariamente sento-me junto ao seu tronco e cruzo as pernas para meditar e ausentar-me da realidade mas por vezes sou interrompido pelas gaivotas a planarem sobre um céu cor-de-rosa choque e pela passagem de alguns cães com pedigree galardoados num concurso para misses de fancaria e há uma voz que dita um texto codificado que sigo como se fosse uma luz no universo que me guia por entre a floresta de figuras petrificadas que se despertam para a vida tal como o dia que está a decorrer e num canto iço o grasnar distante de alguém com fome e que ecoa ecoa ecoa e é substituída pela de um familiar ausente que se dissipa num esgar e mantém-lho a respiração num ritmo lento e sucessivamente sinto as ondas tão próximas que parece que estão a emitir de um búzio com uma mensagem enigmática e o vento sopra num ritmo onde balanço como uma anémona nas profundezas de um mar agitado que gradualmente se pacifica e leve levemente presente e distante num reflexo em que me encontro em contacto com a minha alma e nessa luz confesso os meus pecados que humildemente prometo não repetir e por segundos revejo os diferentes pontos que marcaram a minha vida como se estivesse a vê-los pela última vez para me libertar do mal com que me mancharam em palavras escritas e respiro num alivio e há uma felicidade que me preenche o coração que bomba lentamente e aumenta a temperatura do meu sangue que me irriga de satisfação e deixo-me pairar para além de uma linha imaginária onde me imiscuo num universo distante num tempo aparentemente infinito e comunico com forças tão bondosas quanto puras às quais dou as mãos e formamos uma cadeia que luta para emancipar o bem nos seres humanos e ao convoca-lhos promovemos uma mudança em que domine a paz e o amor e uma outra voz repete uma frase hipnótica que me transforma numa espiral na qual rodopiam as coisas supérfluas que se intrometem entre mim e a felicidade e que desaparecem e encontro-me num espaço com paredes transparentes e no centro sento-me a meditar sobre meditar e o cubo movimenta-se sobre si lentamente como se fosse o espelho do meu pensamento e forma-se um prisma na minha testa em que se consubstancia a minha alma que reside num corpo que se ergue e exagera-se numa equação abstracta que me transforma numa energia única que se insere na minha corrente evasiva em que subsequentemente incorporo e há algo que se intromete entre o meu ser e o meu corpo e funde-se num espírito tão esotérico quanto o amor.
mono/stereo— o maior pequeno festival do mundo, 25 de Novembro, Salão Brazil, Coimbra.
Em memória do Pedro Rolo Duarte.
mono/stereo— o maior pequeno festival do mundo, 25 de Novembro, Salão Brazil, Coimbra.
Em memória do Pedro Rolo Duarte.
terça-feira, 21 de novembro de 2017
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
Le Petit Prince
No Massas Club na Pedrulha vizinho de Coimbra está a decorrer o Mosher Fest—Chapter VI que contratou cinco bandas para esta noite e são as seguintes: Okkutist, Analepsy, Switchtense, The Parkinsons, Gwydion; os Okkutist estão a tocar o seu cardápio de distorção mas fazem-no de forma simplória acrescida de solos da guitarra imberbes mas quem atrai a atenção é um ser com um cabelo louro comprido metade pintado de verde e canta através de um som carregado de terror e no fim da música retira o cabelo do rosto pálido com os olhos contornados por lagoas escuras e do tronco surpreendentemente sobressaem uns seios cobertos de cabedal preto e na seguinte a sua teatralidade é tão hipnótica com a mão esquerda a tocar algo invisível no ar e a sua cara encoberta pelos cabelos dão-lhe uma perspectiva de criatura que nasceu das trevas e na qual quer eliminar a sua beleza e no fim da última canção de joelhos diz terrificamente: “Hail fucking Satan” quando passar a amar Deus poderá telefonar-me; Analepsy são um quarteto de cabeleiras metaleiras mas as suas canções são um continuo em que não é perceptível se há diferenças a assinalar para além de ser impossível perceber em que língua o vocalista/guitarrista canta já os meus apontamentos apontam para uma comunicação digna de um peru: “Glugluglu” se o matarem no dia do Natal e alterarem tudo que está de errado nas canções poderão crescer e tornarem-se em algo de facto apetecível para já são tão tóxicos quanto monótonos; as luzes do hotel estão apagadas apesar da porta se encontrar aberta e entro e na recepção entrego a uma mulher fardada de vermelho os meus documentos e que me entrega um cartão e no elevador e a sorrir tiro uma selfie sobre o espelho que descarrego no quarto para o Instagram e olho para a cama sem que encontre o apelo do sono e há algures folhetos turísticos sobre a beleza dos monumentos que Lisboa oferece ou as exposições do Museu Nacional de Arte Antiga e o silêncio é vilipendiado pelo eco dos ébrios que passam na rua e abro a janela para os ver a cambalear como se a calçada portuguesa fossem ondas de um mar flat adoraria dar-lhe swell mas felizmente não tenho esse poder e as conversas redundam num vazio sem sentido aparente que me fazem rir e quanto tempo estarão felizes talvez até que a ressaca os faça ver a vida com desespero e amargura ou se calhar estou enganado e a encarem sem amargura ou desespero e voltem a beber para se lembrarem de que somente assim se sentiam felizes e da mala de viagem retiro as camisas brancas com riscas azuis e as calças pretas e vermelhas e o estojo com os utensílios para a higiene diária e descubro o meu diário de viagem com os apontamentos sobre cidades europeias e leio-o como se não fosse o autor para obter distanciamento sobre o que senti ao ser discriminado em Heidelberg e ter sido amado fraternalmente em Bruxelas e ausente infelizmente ausente em Atenas e em Madrid senti-me em casa e poderia continuar a enumerar aleatoriamente outras cidades mas tal seria penoso para o leitor e como foi em Paris é uma pergunta à qual tenho resposta mas prefiro relega-lha para o passado e algures há alguns desenhos realizados pelo meu filho de seis anos e que tento descobrir o que cada um representa e orgulhosamente não consigo associa-lhos a qualquer animal criado por Deus mas parecem-me fruto de uma consciência em que somente existe o bem e o mal e como tal tudo lhe é limitado a um tempo aparentemente finito mas que se alarga dia após dia para compreender que as pessoas podem ser boas e más conforme o contexto em que estejam inseridas e para que descubra isto em si lia-lhe ao deitar alguns contos de fadas que lhe instigariam a imaginação e abrir-lhe-iam as portas de percepção a um universo paralelo onde poderia construir a sua própria narrativa há um desenho com fundo roxo de onde sobressai um rosto que me é familiar mas é tão redutor porque é-me impossível identifica-lha ou identifica-lho a minha mulher escreveu “o pai” mas não tem qualquer parecença com o meu rosto de trinta anos aliás nem daqui a cem anos serei assim e não percebo se sou bom ou mau mas somente acredito no bem como ponto de partida para acrescentar-me felicidade e é esta que quero que ele sinta sob o meu olhar para que o choro seja somente reflexo de uma capricho momentâneo e que o escuro seja seu amigo durante o sonho e que no banho brinque com submarinos amarelos e que o seu crescimento implique que nos amamos; Switchtense são uma máquina de punk/hardcore ao qual sabiamente conseguem alargar as suas fronteiras principalmente através da secção rítmica mas o foco deve recair no vocalista que é um cantor irrequieto e instiga a multidão de metaleiros a instituir a moshe como se fosse o líder de um batalhão de homens que somente se querem divertir absurdamente e exorcizar o stress dos dias carregados de rotinas e ainda é um relações públicas perspicaz: “Isto é o underground viver a música pela música”; The Parkinsons entram com ganas de conquistar a plateia vestida de negro e destilam o seu cardápio punk com origem em Londres através de “Primitive”, “Angel In The Dark”, “Body and Soul”, “Nothing To Lose” mas exceptuando os que se encontram próximos do palco e que cantam juntamente com o Alzheimer os restantes mantêm-se alienados como se a música dos Parkinsons tivesse uma peste que não lhes agradam porque lhes parecem que é carente de veneno e nem as investidas do Alzheimer e do Victor Torpedo sobre eles os fazem desistir do seu reduto constituído pelo metal e o guitarrista dedica a actuação ao “Malcolm Young” dos AC/DC que havia falecido hoje e se o público não adere os Parkinsons não se amedrontam e continuam a destilar as suas canções tão agressivas quanto marginalmente cosmopolitas e na “Bad Girl” Victor Torpedo convida um adolescente a subir ao palco e enverga-lhe a sua guitarra e fica atrás deste e ambos dedilham os rifs da canção e haverá coração maior do que um dos grandes senão o maior guitarrista da capital do rock?; Gwydion correspondem a rapazes alguns barbudos outros nem por isso vestidos com kilts e com pinturas de guerra nos rostos e as suas canções são uma mistura improvável de death metal + rock sinfónico + ritmos/melodias celtas que resultam em algo contraproducente mas a comunidade metaleira adora ao ponto da mosh estar largamente instalada assim como a dança aparentemente medieval algo que estranho porque este composto vai contra o fundamentalismo metaleiro e por outro lado entra em paradoxo com o desprezo ao excelente concerto dos The Parkinsons mas é verdade que estão muito bem ensaiados e que através dos figurinos implementam alguma teatralidade mas tudo o resto é arrepiantemente popularucho como exemplo dou a penúltima canção “Zumba” que se um dia estiver no Youtube ultrapassara “Despacito”.
Mosher Fest Coimbra—Chapter VI, 18 de Novembro, Massas Club, Pedrulha.
Em memória do Malcolm Young.
Mosher Fest Coimbra—Chapter VI, 18 de Novembro, Massas Club, Pedrulha.
Em memória do Malcolm Young.
terça-feira, 14 de novembro de 2017
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
A Insustentável Leveza do Ser
O festival Lux Interior é da responsabilidade da editora Lux Records que tem como cérebro o Rui Ferreira que ao longo de mais de duas décadas editou predominantemente bandas de Coimbra como: António Olaio & João Taborda, Azembla`s Quartet, Belle Chase Hotel, Bunnyranch, D3O, The Legendary Tiger Man, M`as Foice, Ruby Ann & The Boppin Boozers, Sean Riley & The Slowdivers, Tédio Boys, Tiguana Bibles, Tracy Vandal, Victor Torpedo, The Walks, The Wraygun, Raquel Ralha & Pedro Renato, Ghost Hunt, The Millions, a jigsaw, Wipeout Beat, The Twist Connection, e a primeira de três noites do festival decorre no luxuoso Convento São Francisco na sala Black Box em que há que estar em pé ou sentado no chão para ver os The Millions (que apresentam o álbum de estreia “Internal Combustion”) que discorrem de forma canónica sobre a blues e a soul algo que é de desmerecer apesar da execução eximia das canções e destas as mais interessantes são aquelas em que o kitsch peja o blues de cores de néon cor-de-rosa e outro ponto negativo é a voz do vocalista/guitarrista que apesar de a esforçar não almeja destaca-lha logo está alienada; Gosth Hunt representam uma viagem espacial que por vezes é de tal forma opaca que fere o pensamento formal e assim obriga-o a redescobrir novos meios para se relacionar com a realidade através do synth e do kraut rock e de outros beats envoltos em véus perturbadores; a segunda noite decorre no Grande Auditório ao qual deveria ser-lhe retirado o “Grande” e substitui-lo por “Megalómano” em que é obrigatório sentar em cadeirões cinzentos e esperar pelos primeiros convidados a Raquel Ralha & Pedro Renato com o Jorri num teclado que apresentam “The Devil`s Choice Vol. 1” o primeiro CD editado hoje e que contém onze versões de autores como John Lennon, David Bowie ou Sioux & The Banshees, e as que tocam são marcadas por uma estranheza que incute perturbação mas como é de tal forma sedutora é impossível não prestar atenção à narrativa sonora que revela filmes tão densos quanto violentos e a voz de Raquel Ralha é o centro que domina tudo o resto mas não de forma autoritária mas de transcrição de um universo que até aqui estaria inacessível nos originais e ainda deixo a questão meramente retórica como é possível que uma mulher tão pequena quanto aparentemente frágil tenha tantos mundos no seu interior?; Sean Riley & The Slowdivers apresentam “Farewell” editado há dez anos e as diferenças são mínimas algo que não deixa de ser frustrante já que nos concertos há a possibilidade de melhorar os originais para que não sejam meras peças datadas e ou anacrónicas e há ainda a destacar a última canção (que não consta em “Farewell”) “Dilí” da autoria do desaparecido Bruno Simões e que é consubstanciado no pano atrás dos músicos com a alcunha “King B.” ensimesmada com uma coroa e que é a melhor canção do concerto e no fim os familiares do Bruno Simões deslocam-se à boca do palco e entregam buquês com flores brancas à banda que abraçada se emociona com a ovação em pé que celebra a vida e a obra do King B.; a terceira noite conta com os D3O e os Mão Morta que celebram vinte e cinco anos da edição do clássico “Mutantes S. 21” e os primeiros a surgir no palco do Grande Auditório são os D3O e o percurso que encetam é do rock and roll mas executado de forma visceral com as guitarras ora dissonantes ou angulares acrescidas de variações rítmicas abrasivas e a penúltima que deve aproximar-se dos seis minutos é iniciada com as palmas do público e a partir daqui deliberam uma complexidade rítmica/melódica que não faz parte recorrente do rock and roll e nessa medida é épica marcada pela a saída do palco do Toni Fortuna que caminha sobre os cadeirões como Jesus Cristo o fez sobre o mar da Galileia (sublime!); a entrada dos Mão Morta em palco é antecedida pelo instrumental “Shambalah” que encerra “Mutantes S. 21” e ao surgirem são ovacionados e continuam a apresentar cada uma das canções acompanhadas por projecções atrás dos músicos de B.D da autoria do Esgar Acelerado, João Martinho Moura, Marco Moura e isto enquadra-se com o facto da segunda edição do referido álbum conter esse meio de comunicação artística como bónus e as que se apresentam mais viscerais do que as originais são a “Até Cair” com uma opressão de garrote proporcionado pelas guitarras semi-distorcidas e a voz cavernosa a indiciar que está no precipício; “Instambul” por ser um mantra rock com reminiscências à cultura dos ácidos advindos da Índia e encabeçada pelos Beatles e que é de uma progressão psicadélica hipnótica; “Maria, Oh Maria” que é de uma densidade opressiva inapropriada para quem seja propenso a ataques de pânico ideal para os que queiram rebelar-se contra a infelicidade; “Berlim” é marcada por uma esquizofrenia hipnótica de tão perturbante com o Adolfo Luxuria canibal a usar o tripé como se fosse simultaneamente um cavalo e um pénis erecto e que a transcreve para o domínio do surrealismo e através da voz sufocante a personagem questiona-se: “Que faço eu aqui? Com as mãos manchadas de sangue?”; o muro das guitarras encontra o seu apogeu em “Amesterdão” numa hipnose induzida através de uma agressão incontida; “Barcelona” persegue um percurso de desvio e de marginalidade que pretende despertar as consciências alienadas; “Lisboa” é um confessionário ideal para quem tem como objectivo chegar ao Casal Ventoso onde dominavam as máfias da droga: “O dealer roubo-me a alma, raios partam oooo dealer” com diversas variações rítmicas que transcrevem a peregrinação pelas ruas de Lisboa para matar a ressaca de heroína: “Táxi Casal Ventoso”; antes do encore Adolfo Luxúria Canibal é sucinto: “É um prazer estar neste Festival Lux Interior porque é um festival com bandas de Coimbra, organizado por um grande amigo nosso”, e as seguintes canções não fazem parte de “Mutantes S. 21” como “Tiago Capitão” que é uma lullaby negra que joga com um ritmo fúnebre e simultaneamente marcial e que é substancialmente épica; “Fazer de Morto” é segundo Adolfo Luxúria Canibal “sobre as belas artes” que é tão viril quanto angustiante com vagas tonalidades pop; “Bófia” uma combustão que em bloco progride cortada por um solo de guitarra eléctrica perturbante e o Adolfo Luxúria Canibal rodopia como se estivesse possuído pelo poder de se insurgir contra a autoridade e instalar a anarquia e antes de a acabarem atira-se para o chão até que os colegas o retirem do seu reduto de vítima das fronteiras da sociedade e uma ovação encerrara o último concerto do festival Lux Interior; através das persianas a luz estática expande-se num padrão que parecem os olhos da natureza que me observam a escrever e a suspirar por uma musa tão distante quanto inalcançável que está omnipresente na minha vida desde que encontrei o seu reflexo no meu espelho e que me transmite uma desmesurada energia que se poderá comparar à felicidade e acendo o incenso que exala um odor doce que inspiro para me abstrair da incapacidade em dar continuidade à narrativa sobre umas silhuetas que sobem as ruas da Costa do Castelo e observam com atenção as portas dos carros na esperança que algum tenha as portas destrancadas e frustrados perdem-se nas sombras que os candeeiros amarelos evidenciam e apago o que escrevi e desesperado tento encontrar outras personagens que estejam inseridas num contexto mais feliz mas a felicidade é tão difícil de descrever porque pode ser tudo e o seu contrário e nessa medida é um paradoxo condicionado por diversos e distintos factores e procuro transcreve-lha através de uma frase que se encontra diluída num rosto que sorri como se estivesse grata por se encontrar acompanhada por mim e acaricio o contorno do seu rosto de soprano maquilhado para cantar óperas bufas e os seus olhos são pontos de luz que vibram de felicidade contornados por pestanas postiças que lhe oferecem um misticismo que encerram os seus sonhos e tento dar-lhe voz e o seu timbre é parecido com o de uma sibila que em cada vez que fala escreve um futuro no qual prospera o advir da felicidade e tento dar-lhe um corpo que se compadeça com a sua beleza espiritual mas tal é-me impossível porque estaria a torna-lha humana e o seu fulgor de pureza desapareceria para se tornar em algo vulgar e comum e fixo-a na minha memória como se fosse fonte de água benta que me suaviza a alma e lhe confere uma tonalidade roxa e acrescento umas reticências que apago para mais tarde reflectir sobre o resto da narrativa que espero que encontre na vida alguém como ela ou senão mesmo e somente ela e estou parado a olhar para o texto a avaliar a sua cadência que me parece que deveria ser uma torrente de ideias desordenadas para hipnotizar o leitor e faze-lho crer nos signos para que possa formar uma imagem da felicidade e através da qual se sinta livre para retirar a máscara que usa diariamente para suportar a rotina em escritórios assépticos ou em corredores com macas e doentes que desesperam por serem observados ou que esteja a conduzir transportes rodoviários por auto-estradas monótonas ou que tenha que dizer à esposa que a ama mesmo que tal não seja verdade ou que faça da inveja o ganha-pão e enfrente a vida sem a hipocrisia que graça por todo o lado e que é um lodo de onde não consegue sair porque tem medo do vizinho e do que este poderá ajuizar sobre o seu comportamento e por instantes perco a noção da narrativa como se fosse esta que mandasse em mim e determinasse o que devo escrever e que me proíbe de dissertar sobre a dor e a solidão que se encontram pulverizadas no meu coração que deixou de pertencer a um adolescente para bater no corpo de um adulto e nesta nova consciência emancipo-me com o rosto que neste momento vê o nascimento de um novo ser.
Festival Lux Interior, 9, 10, 11 de Novembro, Convento São Francisco, Coimbra.
Dedicado ao meu guru espiritual Christian Spaanenburg.
Festival Lux Interior, 9, 10, 11 de Novembro, Convento São Francisco, Coimbra.
Dedicado ao meu guru espiritual Christian Spaanenburg.
terça-feira, 7 de novembro de 2017
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
O Ano da Morte de Ricardo Reis
No Centro Cultural e Recreativo Valonguense em Antanhol irá decorrer o I Concurso de Bandas de Garagem – Asmusitec onde tocarão oito agrupamentos e o primeiro a concurso são os Floating Conformists que apresentam um conjunto de canções pop que tendem para um esoterismo que não se consubstancia dada a fraca execução salva-se a voz da cantora-adolescente que se inspira no canto das sopranos; The White Rino jogam com as guitarras eléctricas de forma substancialmente assertiva mas a estrutura das canções rock pecam por serem excessivamente repetitivas e extensas para além de estarem feridas de originalidade; Subconcious Terror (quarto lugar) vestem de negro e têm uma postura agressiva em palco e as guitarras distorcidas são um epicentro de raiva e de dor mas pouco ou nada acrescentam ao black metal; Dang (terceiro lugar) divagam pelo grunge e hard rock como se fossem clones de cada um destes géneros musicais; Bitoque apresentam um conjunto de canções que não se encontram devidamente estruturadas mas há uma que é iniciada com o teclado e que durante esse instante erguem algo substancialmente perturbante de tão esquizofrénico mas quando o baterista começa a cantar a letra é tão boçal quanto as dos Irmãos Catita ou dos Enapá 2000 e a magia esfuma-se e se a alterarem assim como o nome (que aliena a comunidade vegan e a vegetariana) e se concentrarem somente a compor canções rock psicadélicas poderão um dia almejar abandonar a garagem; Secret Chord (os vencedores do concurso) têm uma confiança desmedida e que é liderada por uma mulher com uma voz de cantora lírica das trevas elevando canções de rock gótico e que são apresentadas segundo um domínio sónico acima da média e ainda dedicam a sua actuação: “A todas as vítimas dos incêndios deste ano”; Red Candy começam a sua narrativa musical em L.A e de seguida passam para Cardiff e finalizam-na em Manchester e em cada uma destas cidades imitam uma das suas bandas emblemáticas; Harpia (segundo lugar) começam pela new wave que granjeou sucesso nos Police mas as seguintes são de um rock visceral digno dos power trios da década de setenta como os Cream e que são de facto de tirar a respiração a quem não esteja prevenido com tampões nos ouvidos e que são tão equilibradas quanto épicas cantadas em português e deixo como exemplo um verso tocante: “Para sempre vou amar-te/ Até a morte traga o fim” e como tal posso afirmar que vi o futuro do pop-rock conimbricense (mereciam ter ganho!); as figuras sentadas à minha frente numa esplanada parecem estátuas em bronze do Juan Muñoz que fumam compassadamente e cruzam as pernas e o sol ilumina os seus sapatos de brilhantina que reluzem e numa outra mesa há duas silhuetas que bebericam Coca-Cola com rodelas de limão e pedras de gelo e uma fala como se estivesse acompanhada pelo seu reflexo que a ouvia atentamente sobre o seu futuro no qual esperava estar realizada e os pombos passeiam-se num movimento de padres à cata de hóstias por entre a mesa de uma figura que desenha num caderno o seu copo e não observa as pessoas que passam lentamente sobre a calçada portuguesa e contornam a estátua do Luís de Camões e uma mesa é ocupada por um fato de domingo que tresanda a absinto que parece ausente e demanda um copo de vinho da casa para se sentir integrado na sociedade portuguesa e aparentemente terá adormecido com o chapéu de aba preto a divagar de heterónimo em heterónimo numa sucessão de personas que o multiplicavam sem que verdadeiramente tenha procriado e há uma brisa fria que advém do Tejo que me circunda numa divagação de tágide enamorada que embala o meu coração em lampejos de amor e que gradualmente me possui e sorrio sem que tenha a noção de que tal de facto tenha sucedido e volto a sorrir para ter a certeza de que estou feliz e tento concentrar-me nos passeantes que caminham lentamente em direcção ao Elevador da Glória ou entram para um eléctrico amarelo de onde ecoa o fado de um fidalgo campino e numa porta há um desperdício que estende a palma suja do lixo para uma turista que ostensivamente o ignora e sobe a rua uma figura com um penteado dos novos românticos e que gradualmente desaparece pelas ruas do Bairro Alto e reparo que as mesas ao meu redor são ocupadas por dois casais que falam em frequências desencontradas numa alternância que não revela se estão verdadeiramente a comunicar e tento isolar-me desta energia negativa que atentava contra a luz pérola de Lisboa que iluminava as sete colinas que representavam a espiritualidade que as tolhiam de uma beleza infinitamente invisível e parece que desapareceram de mãos dadas em direcção ao Chiado onde irão olhar para as montras com a moda da época e aproxima-se uma corcunda que me pergunta se estou disponível para lhe pagar uma imperial que simpaticamente peço ao rapaz que num ápice lha entrega e após bebe-lho num silêncio agradece-me e continua o seu percurso como se fosse uma montanha anã em movimento e oiço o relato de um jogo de futebol que grita golo das colunas de um táxi preto e verde com uma cruz de Cristo no retrovisor que se bamboleia ao ritmo do chão empedrado e pára e sai uma silhueta que veste os contornos perversos da noite perfumada de Cais de Sodré e os seus saltos altos esmagam as pedras da calçada como se estivesse ansiosa por despir a roupa do trabalho e passa por mim como se fosse transparente e acendo um cigarro e peço um cinzeiro que é depositado na mesa assim que o apago e o Ricardo Reis está a engraxar os sapatos e a olha para mim como se me conhecesse de um sonho de infância e que instintivamente retribuo e depois de pagar sobe a rua em direcção da Amélia que subjugava à marginalidade porque jamais lhe daria o seu coração pois pertencia ao Fernando Pessoa.
I Concurso de Bandas de Garagem – Asmusitec, 5 de Novembro, CCRV - Centro Cultural e Recreativo Valonguense, Antanhol.
P.S- Devo informar que fiz parte do júri.
Dedicado ao Juan Muñoz.
I Concurso de Bandas de Garagem – Asmusitec, 5 de Novembro, CCRV - Centro Cultural e Recreativo Valonguense, Antanhol.
P.S- Devo informar que fiz parte do júri.
Dedicado ao Juan Muñoz.
domingo, 5 de novembro de 2017
Até Que As Pedras Se Tornem Mais Leves Que A Água
O Texas Bar não tem carros estacionados ao seu redor que indiciem que no seu interior irão decorrer dois concertos apesar de faltarem poucos minutos para às dez da noite hora marcada para o seu inicio e para o qual terei que esperar até às onze e quarenta e nove minutos para ver os Me And My Brain e das cinco canções apenas três merecem ser recordadas porque não são meras estruturas sem uma lógica instituída e que jamais deveriam ter sido tornadas públicas as que se safaram têm um problema de originalidade acentuado e como tal não acrescentam mais-valias ao drum and bass ou ao trip hop com a agravante da voz em eco ser um elemento dissonante por na maioria das vezes não se perceber em que língua é que está a cantar num contínuo que não lhes acrescenta um elemento sensorialmente apetecível; The Telescopes são um quinteto que se expressa através de um noise que pretende ser espacial e consequentemente psicadélico mas este último é conseguido em apenas uma canção das seis que executaram em regime de non stop como se dispensassem as palmas do escasso público redundado em música depressiva para deprimidos e o revelador disto é a postura dos músicos que têm cabeleiras a encobrir-lhes o rosto e a movimentação do vocalista é de alguém que se encontra ausente e a sua voz apenas uma vez fez sentido e conseguiu comunicar o seu desespero sufocante e ainda roçaram o ridículo quando dois dos seus elementos estiveram a emitir sons directamente dos pedais com as suas mãos com a conivência dos restantes elementos durante pelo menos dez muito sofríveis minutos revelando que o noise não pode ser um decalque do produzido durante a década de setenta do século XX em Nova York por músicos de vanguarda para além de não terem um conhecimento aprofundado sobre a matéria dada a fragilidade estilística com que fora apresentado; resgato o álbum das fotografias do tapete de Arraiolos e sento-me num sofá castanho com espaldar em madeira e folheio-o e não há em mim um lampejo de saudade de quando era criança e ou adolescente numa festa de anos de uma vizinha que era tão bonita quanto a irmã e que tristemente emigraram para a Austrália acenando promessas que voltariam para descrever como é viver nos antípodas mas tal nunca sucedeu e numa quinta com um estábulo repleto de crinas que abanavam e relinchavam quando reconheciam o meu pai e a minha mãe que lhes iriam encher as manjedouras de palha e se algum estava lesionado receberia a visita de um veterinário e alguém calçaria os cascos de salto alto às éguas e de sapateado aos machos para bailarem por entre os obstáculos que saltavam elegantemente num calculado suspiro e sonhava ser como o meu pai um cavaleiro com a sua princesa a passear por colinas e prados verdejantes onde floresciam os amores imperfeitos que perdiam as pétalas às mãos de um pastor que orientava o rebanho de ovelhas com a ajuda de um cão da Serra da Estrela e na última pétala a flor dizia-lhe que o seu amor seria correspondido e que poderia cantar-lhe à janela uma cantiga de amigo que ela viria à janela e acenar-lhe-ia e prometeria cumprimenta-lo à porta da capela e fazer-lhe-ia companhia enquanto o padre faria a liturgia e numa fotografia a preto e branco estou ao colo do meu pai disfarçado de Pai Natal a montar um jumento que urrava com medo das luzes intermitentes da árvore de Natal e entregava-me à minha mãe que ria de macacão com bocas-de-sino e depunha-me no presépio e era visitado pelos reis Magos com a suas oferendas exóticas que aceitava como se fossem uma bênção e uma estrela com uma cauda de fogo preso sustinha-se sobre as nossas cabeças e corava-nos com uma felicidade que parecia eterna e num outro dia ouvia a minha mãe a trautear as canções que marcaram a sua vida e eu imaginava em que espaços é que se encontrava e com quem os havia partilhado e se eu já existia ou era somente um desejo secreto da sua condição de mulher que partilhava a sua atenção com todos os animais da nossa quinta e há uma outra fotografia com vários homens e mulheres sentados em redor de uma mesa de pedra que sorriam para a objectiva que tinham como cenário uma paisagem naturalista e eram servidos por senhores com papillon que limpavam a lágrima de fancaria que escorria pelo gargalo da garrafa de vinho tinto e uma criança atirava uma bola de golfe para o fundo da piscina e mergulhava para testar a apneia e quando chegava à superfície gritava de felicidade por ter atingido o objectivo de salva-la do fundo azul e os casais rejubilavam com a sua proeza e erguiam os copos elegantes que tilintavam em lampejos de sinos de anjos que perpassavam os seus corpos emanando uma energia que os revigorava e os prevenia de não se surpreenderem com os pormenores que a vida lhes oferecia e numa outra na porta da igreja Matriz encontro dois idosos que ladeiam um casal que se havia casado que sorriam como se fosse o dia mais feliz das suas vidas e os noivos beijavam-se e ouviam as palmas dos amigos e familiares que festejavam a sua união benzida pela igreja católica e de seguida entravam para um carocha com fitas e escritos a baton nos vidros que arrastava latas provocando um ritmo alternado que ecoava como se fossem badalos ocos e por fim encontro-me sentado numa mesa de madeira escolar do Estado Novo a ouvir a professora da qual não me recordo o nome mas que erguia a régua quando alguém não sabia de cor a tabuada como sucedeu num dia que quase me fez sangrar a palma e saltar as lágrimas à frente dos meus colegas que sorriam amedrontados por serem as próximas vítimas.
The Telescopes + Me And My Brain, 3 de Outubro, Texas Bar, Amor.
The Telescopes + Me And My Brain, 3 de Outubro, Texas Bar, Amor.
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
quarta-feira, 1 de novembro de 2017
Cronica De Una Muerte Anunciada
O festival Aveiroshima2027 celebra o Halloween com dois concertos: Ângela Polícia e os Estado de Sítio e com uma dupla de djs Fulano 47 e Señor Pelota, a primeira convidada é um MC com um PC que derrama beats que se encaixam na perfeição na melodia criando quadros de um dramatismo muito bem conseguidos mas o senão são as letras que versam na sua maioria sobre a discriminação racial, a alienação, o abandono e a luta de classes que são de facto muito pobres porque o MC não conhece o seu real significado; Estado de Sítio são um quarteto que tem uma adolescente na bateria algo que contrasta com a posição agressiva dos restantes membros que debitam uma distorção incontida e tremendamente alta e o cantor grita slogans contra a sociedade consumista e as suas canções têm nomes como: “Porcos Fascistas”, “Pobre e Rico”, “Raça Alienada”, “Olhos de Merda”, “Heróis sem Pátria”, “Olho por Olho”, que são testemunhos de uma perspectiva de rejeição punk aos ditames impostos pela sociedade na qual estão inseridos e que instalaram a desordem no público; o Fulano 47 e Señor Pelota apresentam um set partilhado em que divagam pelos diversos meandros da música de dança; há algo neste cofre que não consigo identificar ou parece uma máscara chinesa ou do teatro grego e ao retira-la analiso com atenção os seus contornos e o enigma mantém-se como se fosse uma máscara mortuária que encerra os segredos da morte e pergunto-me a quem pertencera e ao averiguar que género de alma a habitou surge um rosto lívido de olhos fechados que sorri num milagre que é uma energia que se apropria do meu corpo e uma convulsão cresce a partir do meu estômago e propaga-se num tufão que me dilacera como se fossem as pás de um helicóptero a raspar o musgo nas paredes do meu coração que o perturbava de amar e a cortar o meu fígado embebido em cerveja para resgatar o amor e o intestino estava ferido por uma nódoa cancerosa que alastrava silenciosamente pé ante pé e ensaio coloca-la sobre a minha cara e parece que foi moldada por alguém que havia acariciado os contornos inanimados do meu rosto na penumbra de um quarto com cama de dossel num trópico onde as melgas eram mechas à procura de sangue e as palmeiras sustinham cocos que desmaiavam ao meio dia e haviam espectros a brincar na areia que pareciam crianças assassinadas por pedófilos e a tartaruga que lentamente cavara na margem um buraco para parir e de seguida se fez ao mar cumprindo com os ditames de Deus que censurava o aborto assim como o abandono de um recém-nascido que o meu amor sustinha nos braços e o emergia numa água tépida com pétalas de rosas vermelhas que perfumavam a brisa quente e cantava uma ladainha para o adormecer num berço com estampados de coelhos azuis e amarelos que cheiravam a urina de lobos que em alcateia se deslocavam por uma floresta negra onde apenas brilhavam os seus olhos numa sobreposição de caracteres que anunciavam que a presa estava próxima e poderia ser qualquer um de nós e tento retirar a máscara da minha esfinge mas sou vencido por uma força oculta que me impede de aceder à luz do dia e conjugo os diferentes tempos verbais e sou o passado e tacteio o vazio para me assegurar que as paredes ainda são de papel com borboletas a esvoaçar e a pousar em papoilas e que os móveis são de fancaria carcomidos pelo caruncho e os quadros têm X num horizonte onde vagueiam espíritos consignados à marginalidade e os corredores alongam-se e o chão é um declive que me empurra para o fundo de um esquife e sobre a sua pedra tumular brincará à macaca a nossa filha e a minha mãe levará a tristeza para me recordar que estou à espera que alguém me liberte desta máscara púbere e possa dar-lhe novamente a mão e dizer-lhe que serei eternamente o seu menino e não acrescento dois passos à minha descida e tento vivenciar episódios em que triunfei na vida mas eram tão escassos que se diluíram na minha memória e se escondiam atrás de biombos chineses a arar a terra e a transportar o arroz xau xau sobre as cabeças para o celeiro de bambu e lamento que a minha frustração me tolde sobre um estrume de vacas leiteiras e tento chorar mas estou tão seco quanto uma múmia egípcia e sou proibido de parar por Deus e gradualmente a escuridão é cada vez mais densa e penso no meu amor a rezar por mim num sopro de ave Maria que oiço distantemente e que me alegra e ao recuar há uma chama que me absorve para um espaço onde reina um ditador que com um martelo de orelhas bate numa porta de vidro que estala e aponta na minha direcção e no imperativo obriga-me a avançar e do outro lado sou um ponto de luz no universo.
Aveiroshima2027, Halloween Special, 31 de Outubro, GrETUA, Aveiro
Aveiroshima2027, Halloween Special, 31 de Outubro, GrETUA, Aveiro
terça-feira, 31 de outubro de 2017
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
A Selva
O centro cultural de Oliveira do Bairro é de uma volumetria imponente e a sua arquitectura sobressai sem que se sinta o seu peso sobre a envolvência e o nome é Quartel das Artes Dr. Alípio Sol o apelido “Sol” é por si curioso porque este encontra-se substituído por uma “lua negra quando mata” como Rui Reininho cantará na “O Arranca-Coração” que irá ser tocada pela segunda vez desde que no ano passado fora lançada com a biografia oficial dos GNR “Os GNR—Onde Nem a Beladona Cresce” pois anteontem tocaram-na no Luísa Todi em Setúbal numa sala esgotada onde estrearam “Do Lado B” que começa com “Decapitango” e o cenário é um pano iluminado que reflecte sobre um palco vazio que irá variar durante o concerto para além do Rui Reininho (voz e maracas), Tóli César Machado (teclado e acordeão) e Jorge Romão (baixo eléctrico) estarão Samuel Palitos (bateria) e Paulo Borges (teclados e harmónio) e surgem os músicos e iniciam “Saliva” que tem um meio tempo que contorna os versos e lhes incute um poder inexcedível de tão belo e este tempo perpassa “Reis do Roque”, “Vídeo Maria”, “Bellevue” infectadas com variações melódicas por parte dos teclados do Tóli César Machado e do Paulo Borges responsáveis pela evocação de um psicadelismo sub-reptício que coloniza os sentidos e os deixam sorverem uma felicidade controlada, e a “1991” que devo ter ouvido pela última vez no Estádio de José de Alvalade há 25 anos atrás tem diversos pontos em comum com a versão que consta no álbum “Rock In Rio Douro” mas aprofundam a tonalidade fúnebre que gradualmente se transforma em algo dramático que a coroa com a adjectivação de épica, e o romance vivenciado por dois adolescentes é exposto devidamente em “Asas” em que encontra um vislumbre lampejante da pop, “O Arranca-Coração” com um andamento delicado de lullaby para fazer adormecer crianças que têm medo do escuro e que é hipnotizante, e o psicadelismo pop é da responsabilidade de “Las Vagas”, a surpresa “Mau Pastor” é uma trip comandada pelo acordeão do Tóli César Machado infectada por um psicadelismo rural em que a natureza é moldada pelo poder do sol no mínimo eloquente; a minha avó saiu para o Casino Peninsular onde é recorrente encontra-la numa cave fumarenta onde metia notas de escudos numa máquina em troca da sorte ou do azar algo que entrava em contradição com a austeridade que implementava na sua vivenda com vista para a Praia da Claridade em que tudo era contabilizado como se a sua rotina somente fizesse sentido a controlar o movimento dos seus filhos e netos que não paradoxalmente a perturbavam e a deprimiam e por muitas piruetas que desse era constantemente desconsiderado e se ganhasse ao meu primo no xadrez ela nunca me dava os parabéns antes amuava e desaparecia para junto da criada que cozinhava a esquizofrenia e se me prontificava a passear o pastor alemão ela ficava preocupada com a eventualidade do animal desaparecer e quase sempre tinha vontade de o levar ao mar e instiga-lo a entrar pelas ondas para se afogar mas depois seria incapaz de adormecer com a imagem do seu focinho castanho e preto a uivar por socorro e teria que o ir salvar para evitar o ostracismo da minha avó; “2/3 de Água” e “Tirana” são intervalos pop pois quebram com a narrativa musical carregada de psicadelismo, e já “Pronúncia do Norte”, “Voos Domésticos” e “Sangue Oculto” são células que aparentemente dependem umas das outras quanto a “Sete Naves” é um epílogo tão flamejante quanto poderá ser a felicidade que repara na vida como se esta fosse continuamente apetecível e as últimas “Dançar SOS” e “+ Vale Nunca” jogam por contraste uma é profundamente triste por o narrador se encontrar acompanhado pela solidão a outra impõe que haja uma criança no interior de cada um de nós; e ninguém tinha coragem de a criticar ou de lhe explicar que o seu comportamento não era o de uma avó mas de uma estranha que se fazia passar por avó com a boina ou o chapéu de aba verde com plumas de gansos estéreis e uma écharpe e brincos de vidro porque havia vendido os de prata e os de ouro com rubis para jogar na roleta russa no Casino do Estoril onde gastara a herança do seu pai e que adorava visitar pois delirava com as palmeiras anãs e os palacetes nos quais conviviam os membros da realeza europeia que via nas revistas cor-de-rosa ou na Nova Gente e por vezes comentava com a empregada a elegância destas personagens que ria sem ter a noção exacta do que falava a sua patroa e quando se sentava na poltrona da sala a somar e a subtrair as suas horas de trabalho ficava com um rosto tão perturbado quanto entristecido e depois de muito rabiscar assinava um cheque com menos tempo do que aquele que a pobre trabalhara durante a semana a passar a ferro a lavar as escadas da entrada a limpar a cozinha a arejar os quartos e a lavar a roupa no tanque e a pendurar a roupa a fazer o almoço e o jantar e a coser as colchas de bilros e ao passa-lo para as mãos da Amélia fazia a contabilidade que lhe convinha e a pobre aceitava sem protestar porque não sabia ler ou escrever e os números eram entidades tão abstractas quanto inacessíveis e ao entrar em crise existencial mal saia do seu quarto com a fotografia dela com o meu avó a preto e branco sozinho sobre a parede branca e o roupeiro guardava os vestidos que marcaram a sua vida como o do baptismo e o da comunhão ou do seu casamento e os que envergara para cada uma das vezes que vivenciou a passagem de ano no Pátio das Galinhas no qual dançou com o meu avó como se fosse a última vez e na penumbra lamentava-se por desejar ir ao seu encontro mesmo que este tenha morrido há anos ou contava histórias repetidas em que era sempre a heroína e folheava “O Homem que Olha” do Alberto Moravia e reflectia sobre as potencialidades da observação que inconscientemente havia desenvolvido ao longo da sua vida e outra vez adoecia sem que estivesse verdadeiramente doente e ia à Farmácia Gaspar aconselhar-se e quando chegava a casa fazia um cocktail de comprimidos que lhe anulavam a vontade de beijar o meu avó e adormecia deixando escorrer um fio da saliva pela sua boca de dentes postiços e lábios vermelhos enrugados de tanto apostar na morte e um dia entre tantos outros visitava-a diariamente para lhe fazer companhia na sua casa já não a Amélia e o cão ou a restante família e certificar se jantava a sopa dos pobres e se não se esquecia de seguir a tabela de medicamentos entre os quais uns se destinavam para o seu coração debilitado que lhe tirara forças para sair em direcção do Casino Peninsular e relatava os episódios da sua meninice passada no Rio de Janeiro onde o pai fora proprietário de diversos terrenos e a viagem transatlântica que tanto a maravilhou e a lenta atracagem no Cais das Colunas e antes contemplara o Terreiro do Paço como se fosse uma miragem e o terço de pau santo aplicado sobre a cabeceira da sua cama era da Amazónia onde havia piranhas e cobras de vinte metros que deglutiam vacas com hastes de veados ou bandos de macacos que saltavam de árvore em árvore à procura da fêmea com o cio e sorria inebriada e chorava silenciosamente por causa do seu passado aventuroso que era uma ficção e também sorria com um nó na garganta surpreso por se ter inspirado na “A Selva” do Ferreira de Castro que dormia ao lado do copo com água na mesinha de cabeceira que a obrigava a ir à casa de banho e vagarosamente passeava de camisa de noite pelos longos corredores e beijava a aliança do seu marido ou dava a mão aos pretendentes que o pai lhe consignou e rejeitava-os com um abanar de leque irrequieto e mexia delicadamente na grinalda para a endireitar na sua cabeleira de menina pintada pelo Noronha da Costa e pairava em redor da sala e no quarto gradativamente regressava para a fotografia ao lado do amor da sua vida.
GNR, Do Lado B, 28 de Outubro, Quartel das Artes Dr. Alípio Sol, Oliveira do Bairro.
Dedicado ao Alberto Moravia, Ferreira de Castro e ao Noronha da Costa.
GNR, Do Lado B, 28 de Outubro, Quartel das Artes Dr. Alípio Sol, Oliveira do Bairro.
Dedicado ao Alberto Moravia, Ferreira de Castro e ao Noronha da Costa.
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