quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

El Cementerio De Los Barcos Sin Nombre

E se durante a manhã o nevoeiro apague o rosto maquilhado a pó de terra e se a chuva se retenha no seu rosto e o manche de lágrimas coloridas que pingam sobre o soalho em madeira que escurece o seu brilho e formam uma caveira perfurada pela tristeza que copiosamente se exorciza e se transforma numa memória onde somente existe essa figura nova velha ou morta de pétalas que perfumam os campos onde o pastor assobia às suas ovelhas que são orientadas por um cão fiel aos desígnios da arte do pastoreio e verdade vos digo que sem eles este campo seria uma selva de virgens desorientadas durante as estações do ano que sem fé são somente ovelhas para abate; From Atomic apresentam-se através de canções de teor onírico a partir de uma pop de teor predominantemente negra mas melodiosa algo que é por si só deveras cativante há ainda um segundo vector que é o rock e esse deriva do noise e esta conjugação causa estranheza que gradualmente se entranha e se por vezes raiam o épico isso deve-se à segurança com que sonicamente se extravasam para um domínio em que se suplanta a perdição; e se a contemplação é o desígnio das almas que petrificadas são objecto de estudo por parte de historiadores de arte cegos e mudos que as tacteiam para as enquadrar estilisticamente e historicamente e o resultado é inconclusivo e não esperam por outros objectos que estão espalhados no futuro e porque é assim é desafiante refazer uma história por contar às crianças que esperam pelo conto de encantar que as liberte dos atritos do dia segundo a qual seguem o desígnio de que um dia talvez um dia tal como os pais sejam outros pais e mães de outras crianças à espera de acordar para se infiltrarem no horário escolar onde são obrigadas a estudar para que não sejam marginais como os pais que são uns anjos para com os toxicodependentes mesmo que sejam os da morte e se um dia sejam perpassados por um outro destino talvez tenham lugar no céu ao lado de outros tantos traficantes de carne humana ou de pó de corno de rinoceronte e de mulheres destinadas a bordeis onde se escravizam em troca de um prato de lentilhas; The Parkinsons são o gang que irresponsavelmente se diverte através do punk e que o torna numa equação em que domina uma perspectiva para o abismo seja da relação dos músicos em palco (em constante movimento ou a confrontar e assediar o público para que instalem a anarquia) assim como o risco de as canções serem bombas em constantes e circulares explosões no ar e ou em espirais em que não há percepção do principio do meio e do fim numa apropriação sónica com origem no jazz e a somar a estas consideração há a destacar a guitarra eléctrica (épica) e a postura demente do Victor Torpedo assim como a performance do Alzheimer isto sem esquecer os restantes músicos de uma competência extrema mesmo a exorcizar o caos; verdade vos digo que a condição destes seres é de uma pobreza que os consigna a pertencer a um tempo que não é o de festejar antes se o ignorarem é um acto de covardia haja turbulência nos vossos corações cozidos à uma harmonia hipócrita à espera de um milagre de um santo de fancaria por lhe ser impossível analisar e resolver as contradições que vos prendem à vida e resolver o insolúvel e se há estrelas a reflectirem nas poças de água é sinal de que as ruas são canais onde se espelha um infinito cósmico que gradualmente são escurecidas pelas nuvens que cercam os contornos da lua tornando-a tão enigmática quanto sedutora talvez esteja tão longe quanto o tempo que me separa do seu rosto que paradoxalmente desconheço talvez seja somente um ideal utópico que continuamente me ostraciza numa casa com grades de ferro que se limitam a separar-me das palavras lavradas em terreno fértil se a seu cérebro é um girassol e a sua boca um continuo inquieto por dactilografar a minha pele um diário de inúmeros e contrastantes universos paradoxais que se erguem em monumentos a soldados desconhecidos com flores mortas aos seus pés de barro amém vos digo que se um dia perecer que seja em nome de um sacrifício tal como o meu pai.

The Parkinsons + From Atomic, 24 de Dezembro, Texas Bar, Leiria.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Enemies, A Love Story

Juncos cobrem os rochedos abandonados por sereias apaixonadas por escravos de piratas que navegam na deriva dos sonhos que se assemelham a uma tóxica liberdade similar a uma canção que se confunde com as tempestades e os seduz aquando da bonança que os mareia como a mim e não há nada para ver e refazer num cone de papel onde se afunila a realidade e se a ubiquidade é delimitada ao poder de outrem que circula por entre os fortalezas de papel em branco que esperam a violência de um aparo ou o assalto de forças da ordem que as transforme em pó a civilização é delineada a partir da destruição de um outro tempo arquitectónico; Baleia Baleia Baleia é o primeiro convidado do Stereogun e a sua actuação é de uma pobreza que arrepia por a maioria das canções versarem a pop ou rock mas tal é somente necessário para os enquadrar estilisticamente pois na prática resumem-se a clichés muito mal colados de tal forma que parecem uma banda que jamais deveria ter saído da garagem e ainda nota negativa à forma e ao uso da língua portuguesa pois é no mínimo aflitivo ouvir slogans pobres e sem sentido e isto durante uma tortuosa hora (durante a qual pede uma canção que seja escolhida pelo público mas aparentemente desdenha o seu pedido “nós fazemos sempre isto e depois cagamos…” ); e se há chamas têm origem num eclodir de diferentes linguagens que naturalmente se apropriam umas das outras para fecundar numa só que descreve o impossível do acaso e o silêncio que as palavras quebram somente por existirem entre nós que em vez de serem fronteiras são esteios onde gravita o amor erguem-se do lado da outra vez o mistério que contamina os supostos seres malditos por se nutrirem do legado negro impossível de decantar haja Deus ou diabo que o conheça e os tente destruir e se tal suceder que se desfaça em lágrimas cada uma destas palavras sentidas para além do meu coração que bombeia sem que tenha consciência que me dá vida somente porque assim é obrigado por um organismo tão saudável quanto organizado segundo um tempo que estremece ao acordar e ao adormecer num travesseiro de milhares de pérolas que irradiam luz para o interior do meu cérebro e que cultivam imagens que vos dou graciosamente; Cave Story dividem-se em dois pontos o primeiro versa a new wave à qual associam um psicadelismo que lhes confere uma vivacidade atraente as outras seguem uma linha rock que por vezes é punk e são de facto de uma unidimensionalidade atroz provocando desequilíbrio no concerto algo que é deveras entediante; porque amém vos digo que não sou eu talvez um gémeo destituído de saudade e lamurias infundadas que se insurge contra os caprichos e as veleidades de quem se encontra sentado no topo da pirâmide haja destino que me separe dos verbos e dos adjectivos e esta contemplação verbal se reduza a escombros de ossadas e o repudio seja um veneno que infecta com repugnância os vossos olhos de quem está imerso num jogo de lógicas instituídas que enaltecem a existência da alienação e tal está ferido de moralidade; Fugly são um estilhaço punk que é expresso velozmente sem que haja tempo para absorver cada um dos acordes e tal é de facto de salutar assim como a postura de quem está aparentemente a realizar a sua última actuação (épico); desligam-se os interruptores que escurecem as vivendas de fachadas empobrecidas que sujeitas ao cinza parecem de matéria biodegradável em cada uma há famílias abandonadas aos jogos das cartas numa paciência de quem está a por em risco o seu futuro e atrás de cada porta há um túmulo marmóreo onde descansa o rei das espadas e num outro os versos de Alberto Caeiro são declamados por um voz que plana suavemente e tem um perfume a pétalas dissecadas que intensamente se propagam pelas janelas para o exterior onde o frio escurece as árvores e silencia os pássaros que planam em redor do rebanho que é controlado por um cão que os orienta num terreno inóspito e o sol é fumado por nuvens cinzentas atrás das quais continua a brilhar como se fosse um rosto ao qual é anulado a expressão da melancolia e que venha o messias que por vezes envia sinais antagónicos sobre a condição humana.

Fugly, Cave Story, Baleia Baleia Baleia, Festival Super Nova, 8 de Dezembro, Stereogun, Leiria.

domingo, 9 de dezembro de 2018

The Painted Veil

Se me afastar desta nossa senhora e acenda o archote que é o meu pescoço e cabeça dividida entre o bem e o mal é possível que duvide desta sentença e não me acenda como uma estrela cadente que se perde por entre a escuridão que inspira os sonâmbulos a vaguear de rua para rua estreita e suja com esquinas de pedras corroídas pelos dejectos dos pombos e não consigo exibir-me através de ti rosa ou folha caída há semanas de uma árvore genealógica de autores desconhecidos que enterrados numa vala comum com iletrados num livro de memórias vazio de texto ditado pela autonomia de um outro ser que se inquieta com a transversalidade de um tempo que tende para a tragédia escrita por um dramaturgo grego que é filho do joio tal como eu e tu que se esmaga no imediato contra o futuro num triângulo que perfaz um sortilégio de tranquilizantes que se remetem através da veia linhas de terebintina percorrem o vidro translúcido e opaco simultaneamente num grito que eclode e se desfaz em diversos espantos e no lugar do nosso sombreado ateiam-se as línguas bipolares que se enrolam em duas línguas irmãs que se gemem é somente uma sugestão de que o coito é pernicioso porque precisa de um outro ou outra vez e outra sem que haja descanso para o colchão de palha manchado de sangue num corrimento imposto pela mãe natureza essa puta filha de putas que se limita a impor a finitude do orgasmo e a redundância é tão redutora quanto o silêncio; os a jigsaw celebram dezanove anos são e obriga a tradição que se realize no Salão Brazil que correspondem a Jorri e a João Rui acompanhados por quatro músicos: Victor Torpedo (guitarra eléctrica), Maria Côrte (violino, harpa e teclados), Pedro Antunes (baixo eléctrico) e a Tracy Vandal (voz); que emana desta violência como um manto que se dissipa através do tempo sem respeitar o passado ou o futuro e a nostalgia que envenena as plantas carnívoras dilacera os corpos que infectos contemplam a tempestade sem que lhes seja incutido o medo que irracionalmente se propaga por vidas nulas de horizonte ou poema que se ergue para os enfrentar mas a sua razão é incompreendida até hoje e haja quem ainda sonhe imune à solidão imersa na volatilidade de imagens que resumem um desgosto na infância e ainda se julga uma criança pois somente estas têm lugar no reino de Deus; e as canções versam sobre universos dramáticos e por isto de teor fílmico que facultam ao ouvinte a possibilidade de se abstrair e abandonar-se às melodias maioritariamente negras e a banda de Coimbra é mestre em esconjurar os corpos e torna-los aptos a encarar a mortalidade algo que deveria repugnar aos presentes antes estão envolvidos nas canções tais crianças de desconhecem quando é hora de despertar; e se acordar talvez se assemelhe a um adulto que luta em vão contra o envelhecimento e se desfaz o que considera eterno numa intangibilidade em que domina a certeza de que há um espaço onde reina um outro vácuo que confisca as almas que se insurgem contra a impossibilidade de se suprimirem umas às outras para se libertarem de um intermédio que as remete para o purgatório onde estão enclausuradas a definhar por sal e água para que possam ondular elegantemente mas o tirano chicoteia-as para que se mantenham em continência para quando passe o comprador de ovelhas negras de intensidade eléctrica arruinadas e as sombras no Outono agigantam-se como se fossem homens de mãos esfomeadas à espera de um milagre que transforme os rochedos das suas cavernas em pães e há quem empurre um ponto de interrogação sobre a montanha cravada de sobressaltos e adeus vos digo mesmo que esteja contrariado com tal determinação que julgo eterna mesmo que este seja o desconhecido pretexto para erguer uma nova bandeira garante da tão ambicionada liberdade que dividida por todos é centro de uma valia que atrozmente se compraz com a inércia de um pensamento enclausurado em paranóias que evidentemente o subjaz ao medo que se ramifica por entre os ossos e se faz carne que de veias dispersas afluem a um coração faminto por um outro futuro.

a jigsaw and The Great Moonshiners Band, 19º Aniversário, 7 de Dezembro, Salão Brazil, Coimbra.

domingo, 25 de novembro de 2018

Le Musée Imaginaire

A história da sua vida são duas palavras maltratadas e se uma é movida a electricidade a outra a gás e misturadas explodem do interior para o exterior e os estilhaços marcam a página em branco com verbos desconjuntados e tento refaze-los em frases tão belas quanto cinéticas mas o abismo que se imiscui entre nós impede-me de concluir a narrativa que serpenteia no interior de um enigma que se constrói e desconstrói infinitamente e num espelho encontro um reflexo que me é estranho pois parece que se pergunta “quem sou eu?” e o meu silêncio sentenceia que sejas o nada que analisado é o vácuo que consome este texto e o oprime à asfixia a clemência tenta seduzi-la para que se esqueça da sua natureza ubíqua e os seus pares seguem uns posteriores a outros com o intuito de subtrair a beleza à vida alimentados pelo desejo de apagar as urbes que perfazem os neurónios que transpiram a urgência de fechar as janelas e subtrair do estádio de desenvolvimento o seu aspecto paisagístico que heterogeneamente se revela nos muros onde rugem os termos mais irreverentes e na linha que separa o utilitário do desperdício e afogam-se os respectivos critérios e o libido é obrigado a comprazer-se à prostituição onde reina o absurdo e se o seu rosto são missivas de amantes ignorantes que confundem os opostos e se desligam da realidade amorfa que se dobra segundo a força das minhas mãos de criminoso à soldo da língua portuguesa e assino os três ilusionistas que se revelam através do seu desaparecimento e com eles esvai-se o medo por entre as flores que perdem a sua textura marmórea e clamam pela chuva que se instala para as retirar da secura e as suas pétalas humedecem como lágrimas que as libertam da sede e do poço transborda num dilúvio de prazer de um colosso em chamas e nas torres inventam-se bandeiras com o mesmo algoritmo que encadeadas se comprometem a simular a paz e a guerra num processo canibal que consome as consciências alienadas à escravatura do bem-estar que é slogan de virgens que dispersas se comprometem a amar os marginais como eu; Medeiros/Lucas apresentam-se no Teatrão e dividem-se predominantemente por voz e guitarra acústica e Medeiros é de um portento cântico que tem origem nos trovadores e ou em cantautores como Zeca Afonso ou José Mário Branco do primeiro herda a capacidade de transformar um poema numa arma do segundo a entoação que é correspondente à cenografia da qual estão destituídas por natureza as palavras mas algo que é transcendental no seu canto é o ondular dos versos como se fossem ondas num mar dominado por um maré de Outono aliás é esta a estação do ano que domina sem que tal corresponda à perpetuação da saudade ou da comiseração antes corresponde a uma densidade dramática que tolhe os poemas de uma alma à qual desconhecemos a sua origem geográfica acompanhado por Lucas na guitarra acústica que domina irreversivelmente e com o talento de alterar a métrica conforme o exigem os poemas cantados e dessa forma é o responsável para que o concerto seja de uma vivacidade tão sóbria quanto criativa há em algumas canções o uso de beats que as impregnam de uma tonalidade pop sem que isto seja sinonimo de futilidade ou de vazio estilístico antes são tão eloquentes quanto as reduzidas a voz e a guitarra talvez épico seja falho para adjectivar o concerto desta dupla gigantes; e confiro a relação entre artigos inconciliáveis com o objectivo de induzir-me um destino com ponte entre dois montes de limalhas que são gradualmente consumidas pela erosão advinda de um respiração pausada e a luz que inquieta o firmamento esvai-se por entre os fogos e o lamento é uma surdez que provoca uma gestualidade humana às árvores tementes à tempestade e de uma nuvem advém uma voz “Amém amém vos digo amem o próximo” mas as suas palavras são uivos de sangue que escorrem deste texto com origem numa vela imaginária que se apaga e escurece os vestígios das minhas mãos que tacteiam as teclas como um cego que não suporta a asfixia da noite diária em doses demenciais e o espaço parece uma dimensão que se anula num outro epicentro que se impõe como um sinal infinito que se ramifica num delta que corre para as montanhas de mosaico de réptil venenoso que brilham tais estrelas de diamantes voláteis que se dispersam pelo infinito perpetuando o desconhecido que enigmaticamente se institui em frequências ondulantes que são livres dos temporais que por vezes percorrem as paredes com mapas sem fronteiras que não sejam as determinadas pela geografia que radiografada são rostos que de olhos abertos se reflectem o céu.

Medeiros/Lucas, “Sol de Março”, 23 de Novembro, Teatrão, Coimbra.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Lições de Abismo

Dia de festa é no Teatrão que decidiu abrir as suas portas a um concerto solidário para com uma das vítimas da tempestade Leslie que assolou a zona centro há mais de um mês e o contemplado foi o festival Gliding Barnacles (que se realiza na Figueira da Foz) e a denominação desta acção inédita em Portugal é “Cabedelo Calling--Gliding Barnacles ´Leslie` Fund” e que tem inicio às dezassete e trinta (está previsto que acabe à meia noite); Wipeout Beat têm como centro sonoro um sinfonismo decadente que ganha dimensão de kraut rock e a postura do trio em palco é descomprometida e que ganha diversas perspectivas quando sobrevém um improviso desarmante há ainda a salientar a guitarra eléctrica do Pedro Antunes a ser executada na plateia ou a inclusão do Johnny (The Rooms) em “Stupid” que a transformam em western kraut rock; The Rooms são um caso em que a complexidade e a simplicidade rock com origem na América do norte e disseminada a partir do fim da década de sessenta e são complexos porque reinscrevem essa herança e a pejam de dois tempos paradoxais o passado e o futuro e simples porque são capazes de traduzi-los com virilidade e assertividade (para seguir com atenção); From Atomic têm por base o noise mas o originário no Reimo Unido mas tal é uma impressão errada somente a estrutura é retirada a essa corrente estética já a guitarra eléctrica está ligada a um pedal de delay algo que transporta as canções para um psicadelismo que tem duas vertentes a opressão e a liberdade (ou o sonho e o pesadelo); Ruce é um MC que dispara os seus ditames sociais e ou morais com um ritmo acelerado e o seu comportamento é de quem quer incentivar a plateia a dançar ou a repetir os versos e obtém de volta as mesmos; Raquel Ralha & Pedro Renato são emissores de um compêndio de clássicos da pop e do rock que invertem para um universo negro tão negro que é impossível obter uma percepção ampla de tal negrume (épico); Marc Valentine é acompanhado pelos Anaquim que se revelam surpreendentemente inexcedíveis quanto precisos a debitar o rockabilly e ainda deixam espaço para que a voz do Marc Valentine encontre uma envolvência tão cativante quanto inebriante; Ruby Ann também se faz acompanhar pelos Anaquim e a relação que se estabelece é a da simbiose isto porque o que domina é o equilíbrio entre o rockabilly e a cantora que gradualmente se apropria das canções e se assume como uma narradora que está a ditar a sua ficção sobre um universo tão rural quanto urbano; Subwayriders são uns anarcas que usam o ruído nas suas diversas vertentes como centros que irradiam perturbação e tal sobrevém de uma ironia corrosiva pois recorrem à música rock de vanguarda de Nova Iorque (60-70) e invertem-na para outros domínios em que a sua rudeza e prepotência é enquadrada numa diversão contínua; D30 revelam-se através do rock and roll com doses generosas de distorção que se alicerça num ritmo pesado o qual se compromete a sustenta-la mas há um recrudescer do volume e consequente da distorção tomando proporções demoníacas; The Walks encontram-se diluídos num rock psicadélico que é de uma elegância deveras surpreendente e nessa medida transformam essa estética em algo único (fascinante); Victor Torpedo apresenta duas canções ao teclado e a guitarra eléctrica com a sua voz de rocker mas há uma desadequação entre estes e o ritmo digital não deixando de ser um excelente exercício estilístico as restantes têm origem no “Karaoke” e são pop lo-fi e que encontra na multidão (que parcialmente invade o palco) o seu cúmplice e ainda há a sua sentença: “O Leslie acaba aqui!”.

Cabedelo Calling--Gliding Barnacles “Leslie” Fund, 17 de Novembro, Teatrão.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Secreções, Excreções e Desatinos

Não fumes nem te filmes a fumar os teus dedos não sei há quantos anos a observo a fumar-me devagarinho por vezes converso com o seu umbigo com um diabrete trespassado que saltita no meu ombro e mete a sua língua na minha orelha para me seduzir a carregar no botão explodir para me subtrair a ossos e a carne desmembrada o seu baton insere uma dentada no meu pescoço mas não quero rejuvenescer nem que me peças emprestado os testículos para dar de comer ao teu tubarão que por vezes abandonas à porta de um lar de alcoólicos famosos que colocam pensos embebidos em Jack Daniels nas vaginas talvez sim ou talvez um de nós esteja a transpirar as palavras que nos tornam vorazes mas momentaneamente aprisionados a umas paredes de luxo e o foco circular espera ser descoberto pelos mirones que se limitam a procurar uma escapatória à sua curiosidade mórbida e a tua locução é de uma cigarra habituada a lidar com as intempéries que antecedem o Verão há quem a condene à morte mas a sua sentença apenas é deliberada por um vogal de uma associação de vagas malucas que são vetadas à entrada da discoteca e ela vibra ao expurgar a alegria e transforma-la em felicidade dou-lhe a mão mas é de composto inexistente que paradoxalmente me toca como se eu fosse uma guitarra portuguesa que se rebela contra a saudade lamento a sua surdez e acrescento uns acordes em vão e abandono-me numa estrutura que se movimenta saturantemente e ofegante reza pelo futuro e pergunto-lhe se é pelo dia de hoje mas ignora-me altivamente estou certo que ela conhece o preço de tudo mas ignora o seu valor é possível que se encontre a contar os escudos que lhe entopem os bolsos e que lutam para residir nesse buraco onde se sepultam os destroços de navios; o Stereogun apresenta dois nomes para subir ao seu palco e a primeira é uma jovem que veste de fantasma e a sua designação artística é Vive La Void e as suas canções primam por uma linearidade synth por ser meramente repetitiva sem que esta resulte assertivamente em algo hipnótico e nem a tonalidade gótica a consegue retirar da monotonia mesmo que sejam as mais enigmáticas e por consequência indubitavelmente as mais belas; Suuns tem uma narrativa sónica deveras entusiasmante por agregar às canções com estruturas electrónicas diversas correntes estéticas como o rock o kraut rock e a prog e a noise e a pop e o trip hop isto sem que haja quase pausas de umas para as outras e que estão predominantemente imersas em tonalidades negras que em combustão contínua deflagram numa claustrofobia que em vez de atrofiar o ouvinte o liberta e ainda há a destacar a urgência com que deterministicamente se impõem na memória futura como épicos; e Ámen ámen te digo que é melhor a caixa de cartão a esta casa escavacada pela Leslie essa puta morena que se vende por um prato de lentilhas e as vacas mugem num coro selvagem que é um hino à liberdade que gradualmente se estabelece numa métrica fugue mas a natureza ventosa das almas impõem que se altere a canção para uma fúnebre em que constam os alicerces de uma outra sociedade destruída pelos romanos e os arqueólogos que a descodificam reinscrevem um apocalipse detalhado num salmo de seda esburacado por aparos intelectuais e onde é que nos encontramos talvez num centro que paulatinamente se reinsere num outro tempo que se limita a ser uma escapatória para o além que imaginariamente é possível que seja algo tão abstracto quanto surrealista e um lastro de heresias percorre o céu como uma estrela cadente que anuncia o nascimento de um menino sem braços ou pernas que tem uma cruz vincada nos lençóis de linho setenta vezes sete e ressuscita completo no teu regaço de gaivota tonta desorientada que despe as penas hediondas oriundas de uma lixeira no fundo de um oceano que se consome em cada corrente que se prende a um hemisfério invertido que inverte as coisas à nossa volta e ao minuto se discorre uma outra história em que domina a harmonia num retábulo de Mestres que representam uma fábula que defende um mundo a céu aberto às modas ditadas para serem dissecadas pela tua língua viperina.

SUUNS + Vive La Void, 31 de Outubro, Stereogun, Leiria.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Primavera Autónoma das Estradas

A figura que está à minha frente modifica a sua expressão de dia para dia e apesar de ser o mesmo rosto este ganha outras características que o redefinem algo que me confunde pois não sei qual é que mais me agrada talvez o de hoje em que sorri como se estivesse agradada pela luz natural que a ilumina mas simultaneamente esconde-se através de histórias que julga que a retratam mas na verdade são episódios nada banais de uma vida passada em Lisboa onde conheceu a Ana Hatherly e o Mário Cesariny e esteve com o artista plástico surrealista a veranear na Costa da Caparica durante a década de sessenta e é incapaz de retrata-lo psicologicamente para além da adjectivação de “louco” ou “libertino” mas quem mais lhe agradava era o Cruzeiro Seixas por ser um homem que divagava por diversos assuntos que a apaixonavam mesmo que fosse interrompido pelo piano do Mário Cesariny que fora aluno do Lopes Graça e que no intervalo bebia vinho e fumava e os presentes detinham-se perante a sua elegância com que dominava as teclas e percorria diversos compositores como Debussy ou Erik Satie e tal como nos seus poemas existia uma melodia que contrastava com uma métrica irregular imersa no verso branco e os temas versavam (entre outros) a condição do homem perante a incapacidade de ser dono de si e consequentemente assumir o poder para modificar radicalmente uma realidade que era de censura e perseguição aos desalinhados fossem comunistas e ou homossexuais os primeiros eram uma ameaça para a nação os segundos pervertidos que mereciam a prisão aliás o Mário Cesariny adorava ir preso porque era mais fácil o engate; noite de festa na Pena equipara-se à Festa D`Anaia no Centro Cultural e Recreativo da Pena e a minha chegada atrasada impede-me de ver os Fugue algo que me irrita mas tal é gradualmente mitigado pelos Gypos que se agigantam canção após canção como se estivesse uma multidão hipnotizada pelo rock que se ramifica ao psicadelismo e ao noise de tal forma equilibrado que é difícil prever que o próximo concerto se equipare mas há uma certeza: “We are the fucking Gypos”; Zanibar Alines delineiam os maneirismos do hard rock originário da década de setenta do século XX com solos majestosos quer da guitarra ou do piano associados a uma voz poderosa mas não acrescentam algo novo e isto torna-os quase um tributo a uma banda fantasma; Fugly são de um composto sonicamente avassalador que deflagra a partir do punk mas mesclado a uma pop que lhes confere uma tonalidade adolescente e se isto não fosse suficiente têm uma presença em palco que o torna pequeno; The Parkinsons desde a primeira canção que não se rebelam contra a condição de messias do punk numa continua explosão de parábolas punk que sucessivamente minam a memória como se fosse impossível reagir à sua violência porque é desta que se alimentam nunca se deixando consumir; já Cruzeiro Seixas esteve na mesma situação uma única vez e teve o cuidado de telefonar à mãe para lhe contar uma mentira para justificar o não comparecer para o jantar a minha interlocutora faz uma pausa e olha para mim fixamente a tentar perceber se estou atento às suas histórias e a Ana Hatherly engatava como os homossexuais lá para os lados de Alcântara onde residia e ela era uma mulher escultórica algo que para a altura era como ver um óvni a passear no Chiado e a artista plástica festejou juntamente com o Mário Cesariny o vinte e cinco de Abril nas ruas de Lisboa inundadas por cravos; Jasmim tem um contínuo pendor slow a partir do qual inscreve inúmeras influências de cantautores portugueses e ainda se socorre de apontamentos do tropicalismo que são vertidos psicadelicamente em estruturas que apelam à contemplação algo que o torna profundamente sedutor; Calcutá apresenta um conjunto de esboços que delineiam um pretenso esoterismo pop que é de tal forma frágil que é quase confrangedor ouvir uma voz tão melodiosa em algo tão insípido; Ganso apresenta-se sem o flautista e talvez este facto o tenha levado a relegar a pop para um segundo plano e o que sobressai é o rock algo que não provoca qualquer desequilíbrio pois não se descaracterizam e o universo sonoro advém das bandas da década de sessenta do século XX seja de Londres ou de Los Angeles; Filipe Sambado e os Acompanhantes de Luxo há uma relação antagónica entre o ritmo dos grupos de baile com a pop e isto é algo tão corrosivo quanto o ruído mas de positivo têm a voz e as letras das canções mas há a censurar a postura do Filipe Sambado que assedia com a boca no ombro do teclista que se encontra de tronco nu não estou numa de moralizar porém fazer de uma aparente orientação sexual (a homossexualidade) centro do seu comportamento como se estivesse a defender essa causa em vez das músicas é iníquo e ainda há que reportar algo assim: “O Cristiano Ronaldo violou uma jovem” ou “animem-se mais do que o meu feed no Facebook”;
Chalo Correia através da guitarra acústica e da sua voz acompanhado por um guitarrista ligado à corrente eléctrica e por um percussionista na essência magistrais e em que as letras das canções ora francês ou em quimbundu com origem no semba e do rebita ou da kazucuta numa referência à cultura popular angolana especificamente Luandense (referente à cidade de Luanda); mas Cruzeiro Seixas acusava os comunistas de perseguirem os homossexuais como nunca haviam sido durante o Estado Novo algo que o entristeceu profundamente por ser apoiante da antiga União Soviética tal como Picasso e este facto fê-lo abandonar a ideologia comunista que para os surrealistas era a alternativa que ambicionavam em relação ao capitalismo e mostra-se incomodada por ter sido vista com desconfiança pelos artistas plásticos que formaram o segundo grupo surrealista e descreve-os como “misóginos” parece que delineia umas reticências e relata que nessa altura fez de conta que não se sentia desconsiderada e ou discriminada e continuou a participar em sessões onde eram desenhados cadáveres esquisitos e rejeita que tenham consumido drogas pois os surrealistas não precisavam desse indutor para criar e por vezes o Mário Cesariny convidava-a a passear pelos jardins da Gulbenkian onde observavam os patos e comentavam as flores e se o Fernando Pessoa era um dos seus poetas preferidos tal não o poderia dizer abertamente porque sabia a opinião do Cesariny que era um poeta do “bonitinho” e da “ausência de um sujeito” pois era uma versão do Walt Whitman do qual havia retirado a heteronomia para além de o julgar um “saudosista” que escreveu a “Mensagem” por contraposição “aos Lusíadas” com o intuito supremo de ser tão “mitológico” quanto o Camões.

Festa D`Anaia, 19 e 20 de Outubro, Centro Cultural e Recreativo da Pena, Pena, Coimbra.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Les Crimes De L'Amour

Vestígios de cera sobre a toalha branca de papel jornal parecem lágrimas de Santa à qual sou fiel quanto o sou a qualquer prostituta pois não há amor mais demente do que aquele que se encarcera em masmorras e espera pelo fim da sentença que se insurge contra a solidão e se a dama é chinesa é tão tóxica quanto o vazio que me proporciona esta paisagem composta por uma imensidão de palavras que ondulam tais ondas congeladas em sacos de plástico sofro com a multiplicidade de segmentos de ar que me anulam a respiração e evito sufocar com excesso de oxigenação se emito SOS é porque algo está a implodir e não sei se sou eu ou a minha querida lasciva que dorme num espaço adjacente onde se assegura à vida mesmo que esta seja pobre de tão miserável à mercê dos marinheiros sedentos da sua carne malhada de fresco e uma luz é o meu ego que acaricio para o fazer brotar por entre os juncos deste riacho seco onde tento nadar acompanhado de golfinhos filhos de pais incógnitos e ao longe os heróis lutam pelas suas heroínas em dose sucinta para se misturarem com o sangue que os irriga propulsionado e bombeado pelo coração excitado imiscuem-se pombas de asas cortadas que em vão sucumbem à escuridão e revejo-me distante das pessoas que circulam na rotina de um dia como os outros esquecidos entre tristezas e alegrias por vezes tento verbalizar mas a minha mudez é castraria e alternadamente sinto o teu toque na minha pele de leopardo albino que me excita a querer-te rasgar a carne e saciar a minha fome faminta por mais fome num circuito que me obriga a ancorar os pés no fundo do fundo do Inferno onde corro sobre brasas que não conseguem anular a pureza que me contamina com uma felicidade naturalmente efémera não acredito que esteja vivo ou seja o espelho daqueles que se julgam despertos em relação aos sinais exteriores que os obrigam a perseguir a procissão das velas não lamento a minha figura diáfana como a de um fantasma; Spectrum tem como representante Sonic Boom que se divide pela guitarra e voz e teclado e maquinaria digital e tem consigo um tipo na guitarra eléctrica que tal como ele se encontra sentado e não lhe incomoda que a sala esteja praticamente vazia e aliás o que o perturba é começar com sete minutos de atraso e as três primeiras canções têm como referência uma vertente fúnebre algo que é deveras incomodativo porém há aqui uma determinação por parte do emissor que é exigir do espectador a entrega e essa tem que ser total e nestas há guitarras e a electrónica é quase um apontamento que serve como paralelo e ou campos de fuga à voz falada/cantada que não se molda à melodia assegurando distanciamento ao ouvinte e dessa maneira obriga-lo a prestar atenção ao que é cantado e o que domina é a dor e as suas inúmeras vertentes seja a provocada pela solidão pelo desamor e para cortar esta linha de desalento instrui um blues visceral onde são exibidas as entranhas do mal e posteriormente há uma dupla de canções em que a electrónica ganha um domínio que as torna sedutoras de tal é a sua envolvência negra e o no epílogo há um beat que é como uma redenção a quem por mero capricho seduziu a morte; antes de perseguir a nudez de cada uma das palavras que me perseguem para me sucumbirem à sua beleza superficial risco o meu nome desta pedra tumular para ser finito e se não é permitido reavaliar esta condição em que me reduzo ao nada e a partir do qual estou imortalizado num outro tempo onde os sedentos se rebelam contra a sua condição de escravos do aquém e pergunto a que horas é que a paranóia se subjuga à sua porção de cristais que me inspiram a perseguir um poente enevoado onde me limitam a um furacão que se repete segundo após segundo aniquilando sumariamente a minha personalidade que numa bandeja é servida num alguidar que não pinga lágrimas e não sei é o meu o sangue ou o do teu vaginal esse hemisfério sul gretado que se derrete às minhas carícias que te parecem infinitas labaredas e confesso que a ilusão institui uma distancia entre a realidade que é deveras fugaz como as ocorrências que são esquecidas pela memória que as associa conforme o seu grau de familiaridade por vezes tenho a tentação de as reviver para dessa forma experienciar uma liberdade que seja eternamente satisfatória mas tal é tão utópico quanto amar a utopia e os satélites emitem sucessivamente imagens de um episódio em que a coligação de forças se divide em duas frentes que vagarosamente abandonam o teatro onde os mortos são cobertos com lençóis de linho e alguém corre o pano que os encobre e atrás do qual ressuscitam e nesse mundo são alistados para enfrentar o inverno que sopra uma gélido brisa neste verão que se perde em cada instante e o fim está a palpitar neste segundo em que te escrevo e cada termo é um retrato abstracto desse ponto no escuro que segrega os mistérios que te consubstanciam numa mulher que vagarosamente endeuso.

Spectrum, 19 de Setembro, Salão Brazil, Coimbra.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Livro De Memórias

Há anos que procuro do outro lado da estrada por um mapa que se aproxime da realidade que contorna os tecidos à minha volta e há restos de cinza sobre os meus pés marmóreos a meditação é um refúgio onde declaro através do silêncio morte ao sol é a ignição para os fogos nas minhas mãos de gigante que onde tocam declaram-se numa auto-combustão por amor sob a chuva outonal em pingos quentes de sémen disposto a lutar por uma caverna em que tatuam o pó que se vem num gemido prolongado e sentido num coral de absurdo prazer e talvez os anjos estejam atentos à volatilidade do tempo e com as suas forças tentam detê-lo e em vão assumem-se heróis de uma vitória frustrada soam as trombetas de Falópio e o fogo preso assinala que é nesse instante que se consubstancia nos subúrbios da cidade invicta o nascimento de uma flor raquítica em redor de uma teia de onde saltam palhaços para uma piscina propriedade de crianças órfãs da felicidade e recuo a fita magnética e as imagens sequenciam-se numa lógica absurda e não sei se assim é a vida ou talvez a sua representação que é uma muralha de prata onde dança uma lágrima negra de um elefante mutilado para subir ao pódio dos sem abrigo em vias de extinção na Ilha de Páscoa onde as cabeças esperam há séculos por ninguém somente do sol e da lua e de raios advindos da conjugação de opostos elimino-os do meu coração de ouro que se reúne em redor da solidão dos que lutam a favor da desordem que contrariadamente jamais se estabelece como denominador comum e ao longe há uma resistência à duplicação das palavras que me espelham com a pontuação invisível e fecho os olhos para me intrometer numa memória em que fugazmente se encadeiam figuras familiares disformes; o festival Lux Interior que irá decorrer no proximamente no Convento São Francisco e no Salão Brazil está previsto um preludio dessa noite com os Luna e Birds are Indie que se apresentam com um convidado de luxo alcunhado de Jorri no baixo eléctrico e as canções versam a pop com ramificações a Londres e a Manchester da segunda metade do século passado e se seguem esses cânones é porque lhes reinscrevem outras tonalidades que cativam sem que tal seja notado por parte do ouvinte e ainda deve-se sublinhar algo central no seu discurso e que de facto é essencial para os discriminar positivamente que é o ludismo pop que remete para uma cinematografia em que domina o humor ou a ironia e que afunila sobre questões amorosas e ainda reinscreve a utopia de um instante perfeito; Luna são um quarteto americano que explana inicialmente um psicadelismo que gradualmente ganha uma forma com uma acuidade perversa por ser de uma intensidade similar a um sonho em que as coisas flutuam e lentamente desaparecem para serem substituídas por figuras que correm sem que se movimentem no espaço e ouvem a voz de um narrador que ora fala ora canta equiparando-se a uma poética memorialística acompanhado por uma secção rítmica que é de tal forma perfeita que se assemelha a uma máquina por inventar e ainda a guitarra solo em delay a suplantar sonicamente muitas das estrelas adeptas deste efeito sonoro numa palavra os Luna são únicos; colo-os à parede do céu para que por oposição reconheçam o Inferno e na imensidão da hipótese esteja alicerçada um supremo devir e a pausa intervala como uma fossa aos pés de dólmenes numa floresta inóspita onde se recusam abandonar os entes em pó e num ponto que se subdivide em outros que se reúnem em círculos egocêntricos de onde sobressai a ignorância obcecada com a ganância e o resultado é a fome que os alimenta diariamente desligam-se as fragrâncias etéreas e surge a apetência por algo que se distancia em cada movimento ocular mesmo que seja o vómito seco e a mão ensanguentada a segurar um aparo espetado no meu coração sepulto numa caixa de ressonância que emite um som nulo que paradoxalmente me confere uma existência ficcionada e nesse canto negro objecto de culto dos meliantes que traficam a droga do tempo num arrebate de loucura que promiscuamente se imiscui na eventualidade de o regresso ser objecto de estudo por parte de académicos habituados a determinarem o sentido da audição e num encontro atrás de um biombo transparente onde circulam serpentes a salivarem veneno que impregnam as palavras movediças que identificam a origem do primordial pecado se há a possibilidade de hibernarem durante o Inverno e florirem durante o Verão talvez sejam verdadeiras pois constituídas por matéria imortal mas a fúria com que cavalgam os templários é em nome de uma ficção escrita por um escritor fantasma que se concentra na sua musa de peitos nus com uma coroa de uvas que é debicada por um grifo recém-nascido num tempo fronteiro no qual habitam os poetas que se imiscuem na relação entre o cérebro e a alma e cativam um repertório de teses que tentam contrariar o sentido da vida ofertando a quem passa a dimensão de um outro sujeito que enaltece e consubstancia o prazer do nascimento de uma luz que percorre os campos e os irriga de uma tonalidade diferente do dia anterior em que o sol se sepultou às mãos da lua.

Festival Lux Interior, 4 de Setembro, Salão Brazil, Coimbra.

Em memória do Conway Savage.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Siddhartha

O festival Gliding Barnacles para além de inúmeras actividades recreativas tem como centro a pratica do long board que decorre no Cabedelo e a garagem Auto Peninsular situada no Bairro Novo é escolhida para uma colectiva de artes plásticas e provas de vinhos e gastronomia e o palco é ocupado pelos Slushy um quarteto composto pelos mesmos músicos dos No Bunny que encerrarão a noite e esta surpresa (já que não se encontravam no programa previamente divulgado) é uma oferta de rock de características retro que remonta a Nova Iorque da década de setenta e se é delineado com precisão falta-lhe a eloquência necessária para se destacar de bandas similares e expressar traços de alguma vitalidade; os Vaiaparaia E As Rainhas do Baile têm como princípio quase invariavelmente acordes dos Nirvana que posteriormente sofrem diversas alterações rítmicas que resultam em algo entusiasmante porém isto deteriora-se por as soluções serem quase sempre as mesmas algo que é deveras entediante já a voz do cantor/performer tem uma amplitude apreciável mas paradoxalmente em diversas canções é impossível perceber o que canta em português; No Bunny vestem de coelho e há cenouras coladas aos tripés algo que confere aos americanos de Chicago (e não da Califórnia como foram apresentados) uma imagem de músicos que não têm a pretensão de verter canções que tenham um cunho austero ou melancólico antes estão dispostos à diversão seja através das letras absurdas ou das canções que se encontram muito próximas às dos Ramones que poderá ser catalogado de pastiche mas isto são meras considerações que devem ser esquecidas dada a fluência e violência técnica com que são implementadas jogando com um público que tem de implorar por mais uma canção ou suster o vocalista que se atira da coluna num último acto de demência; (praia do Cabedelo) The Rooms é um quinteto de Leiria liderado pelo André Castela e as suas canções são um compêndio de Rock and Roll que se divide em diversos centros seja o de L.A na década de sessenta ou o rock progressivo londrino e se por norma excedem os seis minutos (a última tem doze) deve-se à capacidade artística de conduzir o espectador a diversas paisagens sonoras seja o deserto ou a cidade e nessa medida cada um dos temas cumprem essa premissa cantados por uma voz potente que é catalisadora ao detonar um outro mundo ao qual é-nos proposto que lhe confie uma pátria imaginária; Cow Caos são um colectivo de rapazes com uma dançaria que grita ou diz algo sem sentido e a sua performance impregna-os de um kitsch desconcertante e musicalmente divagam por inúmeras paragens exóticas que são apresentadas numa perspectiva quase jazzistica de uma elegância abrasiva; (garagem Auto Peninsular) Kaliscut são um quinteto que têm no cantor um melómano dado o facto de ter ao pescoço um 45 rotações sobre a camisa branca que de cantor tem pouco ou quase nada sendo um ponto de ruído e o resto são rascunhos de estereótipos do reggea e do rock com mais de trinta e cinco anos; Time For Tea começam com uma pop contida num meio tempo elegante com a conivência de uma voz sedutora de tão melodiosa porém quando as complexificam ganham uma lógica que não as favorecem e as relegam para a banalidade; Fugly são sublimes ao injectarem no rock inúmeras variantes que são de tal forma aplicadas que é difícil perceber em que parte se encontram as canções e isto a um ritmo estonteante com origem no trash como se estivessem a executar um número no qual domina a surpresa e o espanto e o público está à altura deste desafio deixando-se deglutir pelos Fugly; Pinela é o convidado para Dj na praia do Cabedelo e este ex-Capitão Fantasma roda clássicos da música americana com preponderância para as décadas de cinquenta e sessenta; Drunks On The Moon são um dueto que apresenta um conjunto de canções que primam por uma elegância atroz atribuir-lhes a designação pop poderá ser erróneo porque as estruturam de forma diversificada e em que prima uma melancolia que a espaços ganha outras fronteiras e estas ramificam-se em diversas memórias sónicas sem que seja perceptível a sua origem e como tal são surpreendentes; (garagem Auto Peninsular) Marc Valentine apresenta as origens do rockabilly e fá-lo de uma forma assertiva sem a pretensão de lhes incutir outros géneros algo que para um purista seria delapidar um género que deu origem ao Rock and Roll; Ruby Ann tal como Marc Valentine tem como centro o rockabilly mas tem menos preconceitos que ele já que arrisca a pop e a sua actuação foi tão precisa e elegante quanto seria exigível a alguém que representa Portugal no espectáculo “Viva Las Vegas” em Las Vegas; (praia do Cabedelo) Maxime é um one man band que usa o loop como instrumento primordial mas a questão principal é a seguinte há lógica na inserção da voz ou da guitarra acústica e a resposta é que há mas o que prima é um desequilíbrio que as transforma numa divagação primária e ainda há a censurar os seus comentários (tradução livre do inglês): “não vou tirar os óculos escuros porque fico muito bonito e eu quero é que prestem atenção às canções” ou “esta canção é sobre nudez e eu vou-me despir para aquele homem bonito porque é especial” salva-se a versão “Sympathy For The Devil” dos Rolling Stones; os Ganso têm como eixo transatlântico Portugal e o Brasil do primeiro delineiam o ye-yé e do segundo as melodias quentes e kitschs ao que se deve somar um psicadelismo exótico e ainda acrescentam citações dos Beach Boys e dos Beatles isto estruturado segundo uma métrica em que se fundeia o português de uma voz roufenha (a seguir com muita atenção); (garagem Auto Peninsular) Bad Pig são um trio que tem um som excessivamente alto como se este fosse mais importante do que as canções punk/trash/hardcore que primam por uma unidimensionalidade que as aniquila e ainda há a censurar o comportamento do baterista que na plateia destrui o tripé e o prato de choque sobre o palco não creio que a destruição seja do que for seja política deste festival que advoga a inclusão social e a defesa do meio ambiente; Scúru Fitchadu a partir do funaná têm o talento de associa-lo a outros géneros como o hardcore e se aparentemente esta relação é paradoxal não há vestígios de tal antes criam um universo em que domina um abjecionismo sónico que é desconcertante; Bad Pelicans alimentam-se de duas bandas os Nirvana e os Smahing Pumpkins e esta mistura resulta às primeiras canções porque posteriormente o grunge domina e ainda há a surpresa negativa de uma versão dos Dzert é certo que são eficazes e mantêm uma relação intensa com o público muito por culpa das movimentações esquizofrénicas do guitarrista e estou certo que se por acidente o Kurt Cobain estivesse presente seria fã deste trio; (praia do Cabedelo) sobre os Nooj pouco ou nada há a reparar à sua linguagem pop/rock que executam e por vezes há umas que são mais pop e outras mais rock com letras em português que são meros slogans e deve-se esquecer a que versa sobre o sexo anal; Huggs um trio que versa uma melancolia em que a guitarra semi-distorcida predomina e surpreendem ao evocarem a solidão associada às grandes cidades que nem a internet é capaz de alterar e a voz é a de um narrador que vê uma realidade que o fere por reverter para uma rotina em que impera o vazio; (garagem Auto Peninsular) YGGL é o segundo one man band mas distante da inabilidade do Maxime já que a partir de um muro de guitarras distorcidas pré-gravadas insere uma outra em tempo real e erige um quadro sonoro de uma beleza atroz; Iguana Garcia encerra o capítulo dos one man band e o seu som tem por norma um ritmo festivo que poderia ser usado por um Dj em Ibiza que é prolongado para além do aceitável posteriormente insere uma alteração ora com a voz ou com a guitarra e regressa o ritmo e como tal qual será a nota a dar ao Iguana Garcia uma negativa; The Parkinsons têm a honra de encerrar a quinta edição do festival e fazem-no através de um punk visceral de tão primata mas não é somente de agressividade que se nutrem há a melodia que se estabelece como uma moldura que cumpre o papel de lhes impregnar uma memória e se é quase banal afirmar que são como uma speed bowl que abre brechas no presente cavando um outro tempo em que predomina uma demência que é correspondida por parte do público que segura uma prancha surfada por Alzheimer numa homenagem acidental a todos os que amam as ondas do Cabedelo.

Gliding Barnacles, 28, 29, 30, 31 de Agosto e 1, 2, de Setembro, Praia do Cabedelo e garagem Auto Peninsular, Figueira da Foz.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Vieira da Silva / Arpad Szenes ou o Castelo Surrealista

E para onde vão os homens que habitam nas cavernas talvez para um outro espaço onde se comem uns aos outros num freak show emitido numa onda de calor pestilento para as divisões dominadas por fantasmas o nada é verdade e parece verosímil que é o seu oposto relembra o objecto pernicioso é possível que a esperança esteja ofusca à luz do sol e sentida na amargura da escuridão vertida por um rosto de olhos azuis de ondas amargas contidas pela maré alta e num inventário discriminam-se as almas no refúgio de damas de honor no casamento entre dois seres celestiais deixam as pessoas no lodo do falatório que lhes anulam o vazio proporcionado por uma existência inexistente guarda o trocado porque essas palavras são apenas e somente títulos de jornais de província ou gralhas que me mutilam e se configuram como as minhas inimigas se és a rotina de um amor caduco ou fissura no meu coração fecha essas pernas e penteia as unhas e eventualmente os demónios estejam à espera de uma outra liturgia para reviverem o interior das coisas que na natureza são testemunhos de Deus para quê duvidar da Sua imagem se a encontro ao espelho com coração de ouro e a dissolução institui um outro além que é o Infinito que na sua génese se multiplica até ao nada do nada em notas numa partitura onde se encerra a não-existência não é promessa de uma religião que não se revolta contra o seu âmago de substituto da razão infectando-a com uma parábola que confere um outro tempo num lugar Finito e na suspensão se deseje outro corpo outra cultura uma outra religião e uma mesma consciência que se compraz com a realidade que se equipara a paredes brancas que devagar se aproximam para espremerem o que se encontra com vida; a Expofacic agendou para o último dia do mês de Julho uma combinação bizarra os Waterboys e o José Cid e este último discrimino-o porque o seu cançonetismo pop é tão obsoleto quando popularucho e como tal resta-me o colectivo com origem na Irlanda e quem os apresenta é um roadie que especifica a nacionalidade dos sete músicos entre os quais duas coristas e Mike Scott que domina o cenário com o nome da banda à amarelo e estranhamente os ecrãs laterais não os emitem a tocar “Medicine Bow” que prefigura um domínio sónico de diferentes centros mas o que domina é o Rock and Roll e este é subsequentemente em outras canções associado à folk e a fusão é de uma elegância primorosa porém às que injectam o rock fm ou blues resvalam para uma tipificação que os consigna à vulgaridade e estas são portentosas ao ponto de provocarem aversão mas felizmente são as primeiras a dominarem e há acrescentar a virilidade e a despretensão desenvolta que remetem para campos bucólicos ou paisagens marítimas e ainda o amor por alguém perfeito e há “The Pan Within” dividida entre o violinista e a voz e a guitarra semi-acústica do Mike Scott que é de uma simplicidade incomensurável que paradoxalmente a engrandece e é somente sublime e ainda devo sublinhar a sapiência do cantor a liderar a banda e nessa medida é um centro poderoso seja através de um timbre de voz grave e simultaneamente impositivo a encaminhar o ouvinte para um universo em que vive num outro tempo e o lugar esse está longe alguém que tenha a força suficiente de o alcançar; e ela tem razão quando se despede da mãe e do pai nosso adivinho para onde segue o seu pulsar de virgem por nunca ter sido amada por Deus e eu amo-a ah sim como às plantas e aos flamingos cor de rosa que flutuam em redor do seu olhar que me absorve para um hiato de profunda comunhão cancelam-se as vagas num repositório de malvadez e se estivessem tão longe seria possível resumi-las a uma silhueta que de tão inalcançável é subsequentemente esquecida como se a vida fosse um sonho e por sua vez o que será a morte essa é uma atmosfera que se movimenta a acariciar quem seja vítima de uma fraqueza que o dilacera e o predispõe a aceitar a boleia mesmo que seja para um não-lugar relutantemente restabeleço contacto e digito marcas digitais nas falésias que me remetem para o seu sorriso essa divagação onde se encontram sortilégios de felicidade e me envolve num rasgar suave de versos versados num cântico etéreo e flutuo numa felicidade desconcertante os lampejos que se sacrificam por nós são de uma pureza virginal resumem-se à loucura dos que se digladiam por um naco de carne ou de pão nosso que é o fulcro de uma luta insana entre dois partidos similares como gémeos siameses soldados no cérebro e nas imediações ouvem-se tiros de garras de aço que voluntariamente se apropriam dos bens perecíveis que são traficados de fronteira em fronteira num vai e vem em que impera a submissão dos que de pés descalços batem em bolas de sabão contra os muros que os aprisionam a um amontoado de cimento deficiente de onde se avistam os nossos rostos a beijarem-se.

The Waterboys, 31 de Julho, Expofacic, Cantanhede.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Paula Rego: Behind the Scenes

Daqui a pouco sobem ao palco instalado no pátio do CAV- Centro de Artes Visuais em Coimbra os convidados dos Twist Connection os Wipeout Beat este concerto fora adiado devido à chuva mas hoje há contenção por parte das nuvens cinzentas que gradualmente são escurecidas pela noite e nessa data tal como a de hoje versa a apresentação do segundo LP “Twist Connection” dos Twist Connection; ontem suponho que foi ontem mas para ser cruel poderia testemunhar que ontem não existiu e se as borboletas esvoaçaram e as flores brilharam ao sol e as gaivotas cantaram como fadistas embriagados e os escaravelhos encarregaram-se de carregar caganitas de ratazanas e lamentavelmente o fogo de artificio foi abafado pelo nevoeiro e até os frutos secaram e os compromissos com as estações de ano caducaram e os provérbios populares foram resgatados ao povo por homens de bem e o cimo de uma pirâmide perfurou uma nuvem de latão que se misturava com o rugir de um rei da selva e os lugares recônditos do hemisfério sul abortaram paisagens esfomeadas por chuva e as lascas que esvoaçaram eram palavras de ordem em desuso o lunático que amava a lua e trocava-a pelo quarto onde imperavam obscuros sonhos de uma criança que temia pela morte do irmão num barco de papier-mâché à deriva no Mediterrâneo; e os Wipeout Beat apresentam a sua liturgia de teclados analógicos que desenham diversos níveis seja intercaladamente ou em progressões psicadélicas e ainda num sinfonismo anti-sinfonia e a guitarra eléctrica do Pedro Antunes assume uma preponderância krautiniana em que rasga as suas fronteiras e a remetem para um rock visceral de tão vicioso e as vozes são de três homens que observam o Mundo através da objectiva da marginalidade associada à incapacidade de encontrar um espaço onde lhes seja feliz habitarem; Twist Connection lutam canção após canção para reavivar esse morto-vivo que é o Rock and Roll e se este feito é de facto conseguido é devido à mestria estilística com que sonicamente lhe injectam oxigénio e lhe lubrificam as partes aparentemente irreversivelmente mortas e assim reinventam-no de forma crua e consentaneamente revelam que não têm medo de serem os seus referentes e dilapidares e ainda há que realçar a voz/postura da Raquel Ralha que reforça os pontos positivos anteriormente descritos para além de os incutir com uma frescura endiabrada; salvas por uma santa latina e no oposto da sua mão os nós das cordas eram arremessadas às voluntárias do ócio dedicadas às margens do rio que abanavam o abanico para afastarem os mosquitos e num sucesso de comprimidos defendidos por salvarem dúzias de pagãos que se dia após noite movediça de urânio curtido sobrepunham-se a um bordel de queridas associadas à banalidade que eram vertidas para copos com duas pedras de gelo e no sumário dos argumentos dilacerados numa trama de cabelos cinzentos perfumados de incenso uns incautos aproximavam-se do limbo e a vertigem era-lhes matinal e o imediato sustinha um muro sustentação os sentimentos que ejaculavam a maldade e a distancia que separava um outro de outros filhos da puta é um ulular de idiotice que periodicamente surge no horizonte determinadamente estático perigosamente insolúvel no hemisfério desnorte onde se açoitam as caravelas da fortuna e da desgraça que vogam por entre a memória emérita; em Leiria o Stereogun tem como atracção nocturna a jigsaw And The Great Moonshiners Band e se musicalmente a sua génese é marcada por cores marcadas por um negrume que é como um garrote que lhes provoca uma soltura de desespero por vezes tolhida por uma angustiada agonia estruturadas a partir de uma perspectiva romântica e este fundamento literário impregna-os de um démodé que causa simultaneamente estranheza e familiaridade; e se o numerário é soturnamente confiado a jazigos com elevador num condomínio fechado para obras e se baterem à porta é um carteiro com cartas de amor de um famoso defunto e o que irá fazer se a viúva está de férias no paraíso talvez regressar ao covil onde se trocavam as almas por almas repartidas por cores diversas os loucos estão sentados à secretárias de escravas que rejubilavam com fotografias de lustres de que iluminavam salas multifacetadas de texturas de veludo azul e se o mecanismo que regulava a ansiedade disparatava é lamentavelmente contido através de uma porção psicotrópica e instalava-se a sonolência que apagava os objectos que faziam parte fidedigna de uma história nas quais se representavam em caras maquilhadas de branco o soletrar de um adjectivo depreciativo e valorativo ou depreciativo era impresso em símbolos capitais em armadas de cascos calçados de sapatos de prata a carimbarem contas em offshore bipolares; e sonicamente são tão assertivos a verterem as suas melodias quanto a dominar um silêncio que às perpassa de uma melancolia que por vezes é um vaivém de tristezas e nesta circularidade afixam um poder sónico tão sedutor quanto repulsivo e nestes paradoxos reinterpretam o Country o Rock And Roll a Americana e ainda a João Rui soma-se à voz da Tracy Vandal e eles não se revêem na antítese ou no seu facilitismo antes como se fossem vozes de personagens que se testemunham numa narrativa em que dominam dramas existencialistas e antes de “Bring Them Roses” Tracy Vandal olha para mim e eu para a cantora escocesa e diz-me: “Thank Jimmy for bringing me roses, you always bring..” para a minha musa serão sempre poucas.

The Twist Connection "The Twist Connection" + Wipeout Beat, 21 de Julho, Pátio da Inquisição, Coimbra.
a jigsaw And The Great Moonshiners Band, 21 de Julho, Stereogun, Leiria.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Performance Art: From Futurism To The Present

A luta percorre o subsolo que provoca a subida da temperatura se o centro arrebentar espumar-se-á em lava branca e manchará as rochas negras testemunho de que há passado e presente e futuro concentrados no interior de uma redoma de látex e a comparação é equiparar-se a um como sem como numa frieza que endoidece a luz que procria maravilhas num assalto como uma violação perpetrada por um petrarquista revoltado com as cores agrestes de uma esfinge que finge ser esfinge latina americana a decompor-se estação do ano após estação do ano à superfície da Terra em perpétua mudança subtraindo o perecível e arquitectando outras paisagens produzidas para seduzir quem as observa ao microscópio e contrariadamente na sua pequenez parece tão micros que se julgam macros organismos talvez se alguém os institua a uma outra dimensão e lhes outorgue um outro propósito talvez se ergam do subsolo como a lava de esperma que iniciou este testemunho anti-crónica e de palavras pró-cónicas; o Salão Brazil apresenta as Raincoats para uma noite que encontra a sala lotada antes surge no palco Ana Silva que anuncia algo como isto que vai subir ao palco o filho de uma das suas companheiras e o rapaz deve ter uns quinze anos e somente com a guitarra eléctrica estrutura as canções que são alegres e remetem para o universo próprio de um adolescente e há ainda a destacar o seu timbre que é adocicado digno de quem ainda tem resquícios da voz de quando ainda era criança com uma desenvoltura advinda de uma confiança estranha para alguém tão imberbe pena que não haja uma maior diferença melódica de canção para canção mas é uma surpresa deveras agradável; que se enrolam e se misturam com as serpentes que serpenteiam para abocanhar o mar que há no mar as nereidas que inspiram os ventos envenenados se flutuam à espera de uma onda que lhes dê a mão para o fundo do fundo onde ficarão sepultadas ao lado dos poetas que escolheram uma falésia para se atirarem em definitivo a um leito que em tudo não se assemelhava ao útero materno viscoso e quente ligado à corrente por um cordão umbilical e as escadas rolantes que se enrolam e desenrolam sobre as casas ou castelos com virgens antropomórficas cantam aos trovadores que perderam a voz num duelo em que de um lado estava a vida e do outro Dada que provoca uma desordem no contexto de uma vivenda ocidental no cimo a bandeira de costas ensanguentadas a origem de um progresso em nome de um outro vulgar ou não Cabaret Voltaire e há pernas a saltitar figuras de máscaras incólumes que se disputam para existirem para além do futuro num libreto de aniquilação do teatro naturalista onde pastavam vacas e jumentos em casas com estábulos e lareiras a crepitar por paciência para com o tempo real fruto de tanta intempestiva regressão; os cabeças de cartaz são três senhoras e esta descrição deve-se ao facto de duas aparentarem se aproximarem da terceira idade mas tal é discriminado para realçar que o rock ou a pop não são exclusivo de jovens para jovens algo que nos fazem acreditar diferentes agentes culturais criando dessa forma um preconceito para quem ainda é válido em cima de um palco e as suas canções têm diversas linhas mestras como por exemplo uma economia de instrumentação que se resume à harmónica e às guitarras e ao baixo eléctrico e a um violino e à utilização das vozes em harmonias quentes aliás que paradoxalmente não se fundem à rudeza dos acordes das guitarras mas que encontram cumplicidade com a violinista e o balanço melódico é desenhado como que a permitir ao ouvinte fazer uso do seu pensamento formal para construir a sua canção e ainda é-lhes característico a inexistência de um refrão e este ponto é importante porque revela que não estruturam as suas canções segundo um cânone conhecido pelas massas e as letras têm diversos temas existencialistas um dos quais é o feminismo das quais são dignas representantes; abre-se o pano e sai o coro de poemas malditos porque amaldiçoam os presentes e os ausentes que se divertem com o caos e incrédulos derramam ruídos de bois com o cio e os agentes da autoridade expulsam os actores das suas personagens mas a revolução há muito que começou desde que se incendiaram as pálpebras e os sonhos passaram a ser de todos os que aspiravam a um caos similar à origem do Mundo descrito num livro de contas com iluminuras em que Adão e Eva disputavam os frutos proibidos e trocavam de corações que eram meros metrónomos que marcavam o ritmo de uma melodia sem refrão que repetida era um uivar irrepreensivelmente belo de tão desconcertante e o silêncio é somente uma utopia ou uma ideia que por vezes comporta o vazio que somente os futuristas conhecem pormenorizadamente através da análise da sua substância de fluxo incoerente e a partir da qual inscrevem um auto de fé onde transformam em cinzas o passado.

The Raincoats, 3 de Julho, Salão Brazil, Coimbra.

Em memória do Ricardo Camacho.

domingo, 1 de julho de 2018

Poesia e Metafísica

Não sonhes com as montanhas a desmoronarem-se talvez se te permitires poderás regar as plantas com café e não desesperes se o pé cresce e te impeça de calçar o sapatinho de ballet e é por isso que não queres crescer como as flores que regas com chá porque é mais chique fico triste com esta discriminação sabes que as pessoas querem ouvir sempre a mesma canção para recordarem os tempos em que eram felizes por instantes que se dissipavam instantaneamente e se escreveres um romance de cordel vê antes as novelas da TV onde poderás encontrar a inspiração para a história em que a personagem principal é uma menina que sonhou dançar ao lado de cisnes e de girafas embriagadas que espreitam pela janela e assobiam à lua grávida de milhares de anos e o pai tem o ADN da Terra única com vida no céu e na terra; as Señoritas são duas mulheres que ultrapassaram a meta dos quarenta a Sandra Baptista subiu há vinte e seis anos a um palco com os Sitiados já Maria Antónia foi a voz da Naifa e o ponto de ligação entre estas foi o malogrado João Aguardela e há sensivelmente um par de anos emanciparam-se e editaram “Acho Que É Meu Dever Não Gostar” e no Stereogun em Leiria têm como centro o recente “As Saudades Que Eu Não Tenho”; e não acredites que as pedras da calçada ficam pedradas com a tua passagem de nenúfar e se acenderes as luzes das tuas pálpebras verás com exactidão o contorno da luz sobre os corpos que se obstaculizam à tua passagem e nesse percurso meditativo elimina as vezes em que te alimentavas de um exibicionismo abjecto ou que repetias cenas sucessivamente cenas sem sentido ou direccionadas para surpreender os outros com a tua utilidade de bem cativo a um brilhantismo inexistente não chores meu amor porque a tristeza é exclusiva dos pobres dos portugueses; e as suas canções revelam-se através do fado mas não o seu decalque antes a sua evocação muito por culpa do timbre da Maria Antónia Mendes e em que ressalvam uma dor desmedida provocada pela perda ou o perder-se ou a derrota perante a inesgotável passagem do tempo se há um esgravatar com elegância neste género popular urbano não predomina o respeito antes a sua dissolução numa contínua tensão e as letras versam a crença pela religião católica misturada na alma dos portugueses e este primeiro bloco ainda deriva do álbum anterior e que é executado sobriamente; e não procures o sapatinho que perdeste numa noite de sexo com uma abóbora e te tornaste num anjo papudo igual aos que decoravam os lençóis e a tua companheira numa princesa com castelos e montes e rios e com falo de plástico para te aparafusar à parede como um urinol assinado pelo Duchamp e ficarás exposta num museu do século passado envolta numa redoma de vidro para evitar que os fundamentalistas religiosos te cuspam ou te mijem para a boca e se não é suficiente elevar-te a obra de arte é porque a tua satisfação é sucessivamente deglutida quando escolhes um espelho em que és linda mesmo que tal seja mentira; a segunda é pautada por programações que oferecem às canções uma portentosa tonalidade pop e a isto deve-se somar a voz da Maria Antónia Mendes que ganha um outro poder maioritariamente narrativo sem que se associe a uma frieza que tal poderia originar antes exercendo um poder lúdico em que sobrevém uma ironia imune à crítica antes questionando os propósitos que compõe a consciência do homem moderno prisioneiro às coisas pequenas que lhes são oferecidas indiscutivelmente desconcertante; não escutas as Mil cores no Ar fragmento de um poema do Mário Sá-Carneiro folheia-o devagar porque é um homem de pena carregada de negro um suicida em potencia tal como eu fui um dia como este azul pedra de esquimó a derreter-se com a passagem inóspita do tempo assegura que te fazes ao vento e te deixas absorve-lo e poderás rodopiar em redor da tua cova ou berço húmido cavado para que sejas comida pelos vermes e na lápide o nome de uma cidade à beira rio e nas margens os contentores formam um muro que impede que te assomes aos marinheiros sedentos de amor e carinho ou de uma vagina tagarela; e há um minimalismo pop que une os dois pólos que aparentemente são opostos quando na verdade representam uma visão afunilada sobre a sociedade portuguesa que ignora sucessivamente que é escrava de conceitos e preconceitos que há muito deveriam ter sido dirimidos para dessa forma terem a vontade de olhar exclusivamente para o futuro; não continues a ler peço-te que te concentres nas andorinhas viúvas desde que nasceram de amantes que as trocaram por Marrocos para ver passar o William S. Burroughs intoxicado e disposto a disparar sobre a maçã colocada sobre a tua cabeça ouve o estoiro e o grito que a calou para sempre essa ressonância elucida-me sobre a viagem que empreendeste sem retorno a casa esse ponto de partida para um outro pólo onde se encontra a raiz de uma ilha que é escrava das marés.

Señoritas, “As Saudades Que Eu Não Tenho”, 29 de Junho, Stereogun, Leiria.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

A Year In The Life Of Andy Warhol

Amanhã talvez amanhã ou daqui a pouco é possível se as nuvens se dissiparem em redor de um monte de cinzas e pode ser que já tenhas a encomenda sob o tapete da entrada da tua tenda de apache pode ser que o meu pai esteja na missa distraído com os louvores ao seu Deus porque mesmo que cada um tenha o seu Todos são diferentes porém não creio que tal seja determinista mas é certo que a ideia de Deus varia de mim para a minha mãe e desta para a sua sogra figura fixa a fazer de conta que ouvia o seu filho a discursar sobre um assunto pertinente pois estava a pensar na sua filha à qual lhe crescia um bigode que a creme depiladora fazia desaparecer o problema é quando crescia e picava o rosto dos seus pretendentes que se esgueiravam para o infinito assim que havia uma oportunidade num dia terei que lhe dizer que a minha tia é deveras feia mas se o fizer não receberei as prendas de aniversário e as do Natal; se estivesse uma temperatura de Primavera não estariam neste momento a limpar o palco com uma esfregona onde os GNR irão tocar daqui a pouco e a humidade está misturada com um odor que lembra a Rui Reininho o das “vacas” e que tem origem numa fábrica de celulose “e com este tempo assim…” as reticências insinuam que assim que acabe o concerto que tem previsto como novidade “E QUEM?” seguirá com o Jorge Romão e o Tóli Cesar Machado em direcção ao Porto mas a nova canção não será apresentada algo que é desanimador e “Decapitango” é o sinal para a entrada em palco dos três músicos que os acompanham o Samuel Palitos na bateria o Paulo Borges nos teclados e o substituto do Tiago Maia o Marco Nunes na guitarra eléctrica e acústica ocupam os seus lugares num cenário onde se encontra inscrito a branco GNR; para além de correr o risco de envenenarem a sopa com os restos dos seus pêlos labiais e a minha mãe teve a ideia de que eu faça o seu retrato a lápis mas armei-me em artista plástico e usei o carvão e desenhei-a diversas vezes através de uma fotografia até que encontrei a sua expressão que julgava que me aproximava do seu âmago e o ofereci no seu aniversário e ao desembrulha-lo sorria amargamente ao se achar mais feia do que é na realidade algo que a amargurava e agradeceu contrariada e fiquei feliz por ter conseguido surpreende-la nem que fosse pela negativa já a minha avó mostrava-se relutante quanto à veracidade do retrato e quase o rasgava algo que me fez tristonho e percebia que a minha vida artística tinha acabado não é algo que me surpreendesse mesmo que tivesse sido elogiado jamais elas olhariam para mim com orgulho antes com o desdém com que sempre me presentearam e para além disso não podia esquecer a traição da minha avó ao trocar as peças das Damas para beneficiar o meu primo do qual esperavam que fosse sempre o vencedor e quando assim não ocorria serviam-me menos carne e batatas fritas que eu adorava e ao jantar tinha que estar atento aos seus comentários sobre a possibilidade de um dia me fazer ao mercado de trabalho e com as notas negativas não teria futuro ou pelo menos um futuro que me permitisse uma vida de pequeno burguês tal como a deles que em tempos compraram roupa de marca contrafeita e agora vestem a marca oficial com um orgulho de quem conseguira atingir um objectivo que lhes permitira subir um degrau na escala social; se as duas primeiras canções fazem parte do seu alinhamento habitual a surpresa é “USA” que é misturada com “Born In the USA” do Bruce Springsteen algo similar à apresentada no Estádio de Alvalade (1992) somente que desta vez com maior profundidade estilística proporcionada pelo órgão e se as seguintes o público que sob a chuva conhece de cor como por exemplo “Asas” ou “Popless” há a destacar a “Dançar SOS” em que graça um negrume que preenche um vazio existencial e que é cantada com uma delicadeza desarmante e à qual Rui Reininho dedica a “Antony Bordain que era um cozinheiro que metia os dedos na sopa” impossível não sorrir e é nisto que o cantor é Mestre ao desmistificar a morte para louvar a vida e a seguinte “Bellevue” prolonga o espírito da anterior acrescentando-lhe uma narrativa de filme onde decorre um assalto a uma consciência perturbada e o universo rock pop é dissecado em “Canadádá” aliás estava previsto o regresso da banda ao Canada já no próximo dia quinze mas tal foi infelizmente adiado; se continuasse a reprovar é provável que acabasse como servente de pedreiro ou então guarda prisional algo que não lhes agradava porque iria levar o seu pomposo apelido para o povo e por isso pressionavam-me para que estudasse mas era-me difícil manter a concentração porque perdia-me a olhar para a minha colega de carteira que era de uma beleza que me deixava tonto e não tinha coragem de pedir para mudar para o fundo da sala e deixa-la acompanhada por um idiota qualquer dos que a rondam nos intervalos como se fossem tubarões ansiosos por abocanharem os seus lábios finos e ficava a um canto a analisar o porque é que ela lhes sorria para de seguida os rejeitar num prazer estranho que me confundia e reflectia o porquê de tanta crueldade e perante o meu silêncio a minha avó tentava perscrutar-me para perceber a minha aversão à escola; e “Pronúncia Do Norte” é fiel a uma epicidade em que domina a fatalidade associada à coragem de se ser diferente e por isso orgulhoso “Dama ou Tigre” é funk com resquícios de new wave e “Nova Gente” um jogo em que as peças dissimulam que pertencem à pop popularucha numa ironia desarmante e “Las Vagas” é pop psicadélica e “Cadeira Eléctrica” power pop com laivos retro do início da década de oitenta do século XX já “Morte ao Sol” reaviva a tragédia de quem não encontra neste astro fonte para a felicidade e “Mosquito” é profundamente reggae e abandonam o palco e ao regressarem discorrem assertivamente sobre a pop de “Dunas” com coro do público encoberto por guarda-chuva e a pecaminosa pop “Vídeo Maria” e o rock destinado para os estádios “Sangue Oculto” que é o epílogo perfeito para um concerto em que domina a sobriedade e a eloquência estilística pop de quem são um tradutor único e por isso indivisível; também não lhe podia contar que à noite era assaltado por sonhos eróticos que assinalavam heroicamente a minha condição de adolescente capaz de reproduzir e que gostaria de o fazer desde já fosse com quem fosse desde que não tivesse bigode como a minha tia e que fosse sensual tal a minha colega entretanto eu e o meu primo às escondidas no sótão temos competido a ver quem ejacula sobre uma fotografia da Cicciolina colocada à distância de cinco metros numa janela num telhado esconso e nesse capítulo ele era quase sempre o vencedor algo que encheria de orgulho a avó mas este segredo fica entre nós.

GNR, 09 de Junho, Festas de Santo António da Cidade e do Município de Estarreja, Estarreja.

Em memória do Antony Bordain.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Die Weise von Liebe und Tod des Cornets Christoph Rilke

O Teatrão desde o ano passado tem realizado concertos na sua Tabacaria onde tem um palco junto ao bar e para o festival T.N.T (a Tabacaria No Teatrão) com a curadoria do Victor Torpedo abrem as portas do Teatrão onde se encontra instalado um palco de dimensões consideráveis iluminado por vary lights e os responsáveis por subir ao da Tabacaria são os Flugy que apresentam um conjunto de canções aceleradíssimas e nas quais têm a habilidade de incutir inúmeros pormenores os quais potenciam a melodia que é cercada pela vertigem punk que é misturada com o rock e estas são as que agrilhoam o psicadelismo que é relegado para um enquadramento decorativo esta complexidade de texturas é executada com um talento invulgar que os torna arrebatadores; o duo Sunflowers se apresenta com o baixista dos 800 Gondomar no palco do Teatrão algo que os retira da homogeneidade do atol punk que os estava a cristalizar e se associam a um psicadelismo noise que é de facto portentoso de tão grandioso e que paradoxalmente é sufocante inapropriado a quem sofra de ataques de pânico; Cow Cos correspondem a quatro rapazes de fato de macaco laranja liderados por uma bailarina e musicalmente associam-se ao ska e ao dancehall e ao funk e ao blues e à música marroquina segundo uma constante desconstrução que as impregna de nonsense e a voz da bailarina é um grito ou um outro grito ou vogais e frases que são absurdas e veste uma t-shirt de cavas cinzenta apertada que aprisiona os seus mamilos e a saia é um friso que roda à volta das suas nádegas delicadas que atraem o olhar dos presentes mas a sua expressão corporal é de quem pretende ser um objecto de desejo mas que no instante seguinte se reflecte na sua rejeição um jogo hipnótico que Freud usaria para um ensaio sobre a sensualidade versus o líbio; Scúru Fitchádu (palco Teatrão) têm por base o funana que é manipulado numa ordem marcial e ao esgotarem passam para o break beat ambos injectados por doses soberbas de texturas perturbantes que encontram o seu apogeu quando citam o punk e o hardcore mas não é só de violência sonora que se nutrem há também a delicadeza de uma canção com um acordeão que transforma a ruralidade em algo nocturno e fantasmagórico e este é maximizado pelo vocalista/percussionista/performer que nos transporta para um ritual de iniciação em que a antropofagia servia para adquirir a alma do difundo e daí ganhar as suas propriedades de líder da aldeia algures em África representam a paixão pelo abismo; Wipeout Beat (palco Tabacaria) são três ilustres de Coimbra a tocar sintetizadores e os temas versam sobre o kraut rock e a synth pop retro e estes são deliberadamente amestrados a um psicadelismo que os transpõe para um domínio inexoravelmente lúdico num espaço onde somente existe o presente no mínimo arrebatador; The Pacers (palco Teatrão) oriundos do Reino Unido apresentam catorze canções de recorte clássico datadas da década de setenta já que as guitarras ora são elegantemente rock ora soberbamente pop com a mais-valia de terem um guitarrista/cantor com um timbre soul que lhes dá uma vivacidade áspera e que obriga ao ouvinte a se concentrar e aceder à narrativa sobre um universo pop idílico; há uma passagem subterrânea por onde uma toupeira circula numa rotina imposta pelo instinto de sobrevivência que a obriga a percorrer diversas ruas onde se prostitui aos turistas e num quarto fétido com uma teia de aranha suspensa no tecto que se sente atraída por uma luz que lhe provoca uma cegueira que a seduz e o seu calor lhe dá energia e projecta a sua sombra numa dimensão maximizada longitudinalmente e se afasta e observa dois vultos a canibalizarem-se sobre a cama de ferro que chia aceleradamente que associa ao de uma ninhada de ratos famintos à espera da ratazana e o silêncio é acompanhado por uma escuridão que é para si um cinza escuro que é branqueado pelo fumo de um cigarro e identifica a sua ponta vermelha a se iluminar quando é sustida na boca da prostituta que o abandona num cinzeiro transparente e o seu circulo é um anel repleto de beatas com filtros manchados de baton vermelho e acende o candeeiro acompanhado pela Bíblia sobre a qual se encontra uma cruz em prata e o separador é uma fotografia da sua mãe a folheia aleatoriamente e se concentra numa página onde Ele lhe promete a eternidade que não questiona pois está codifica a parábola e a coloca entre as pernas depiladas e junta as mãos e em surdina reza para se libertar do seu pecado que a consome em cada cliente e a aranha ouve um som sustenido que ondula e que gradualmente se dissipa e a jovem sente as lágrimas a sulcarem o seu rosto de mulata descendente de servos da gleba e reincide na leitura e Ele é beijado nos pés pela Maria Madalena e sorri ao ouvir o toque do telemóvel de um outro cliente que ostensivamente ignora e se levanta e acende a luz e de um papel de prata esmiúça a cocaína que deixa cair sobre um espelho e depois de a dividir se socorre de uma palhinha e a inspira e ao contaminar o seu cérebro ergue-se e vê a aranha a percorrer o seu robe de cetim branco e num gesto urgente o despe e o atira contra a cama e inexplicavelmente pára e se aproxima do seu reflexo que lhe é de uma exactidão que a surpreende pois não se reconhece e dá meia volta e na mesa repete o ritual com a palhinha e sente um estrondo que lhe dá energia para saltitar sobre o colchão e o telemóvel toca e tanto faz pouco importa quem seja porque o que a move é a liberdade nem que esta seja tóxica; Bone Zeno (palco Tabacaria) está sentado com a guitarra eléctrica ao colo e uma pandeireta no pé esquerdo e a sua voz é um rasgo de uma navalha num pano-cru e as canções são rock ou punk ou noise ou blues mas o que há a destacar é a sapiência com que manipula cada um destes géneros e os inverte para algo novo num equilíbrio desarmante e sendo assim o músico alemão não é mais um one man band mas um one man show excelente; Queers of Rock´n`Roll (palco Teatrão) não são rapazes com perucas coloridas vestidos de látex e nem a música provém do hair metal que dominou a MTV americana para alastrar aos países ocidentais na década de oitenta antes vestem à punks rockers e as canções são um derivado desta miscelânea e neste ponto são medíocres dada a falta de criatividade mas há uma encenação que é no mínimo abjecta e que passa por exibir o traseiro e aponta-lo para um dos colegas ou ainda um beijo de língua de quem julga que isso é chocante mas o absurdo encontra o seu apogeu quando sobe ao palco um dos membros do público e tenta sodomizar o baixista não sei em que livro sobre o punk encontraram tais exemplos e para ser sincero tal me é indiferente o que eu tenho como certo é que transformar um concerto num antro exibicionista em que domina a idiotia é censurável e como tal é admissível os etiquetar de freak show; Moon Preachers (palco Tabacaria) vertem consecutivamente uma distorção inebriante que se imiscui num psicadelismo perverso já que não tem como objectivo seduzir o ouvinte e a voz é um elemento que grita contra a alienação e bateria advém um tumulto incendiário f-a-n-t-á-s-t-i-c-o; Miscalculations (palco Teatrão) têm como eixo central um vocalista oxigenado com um fato que evoca uma ordem militar que remete para um formalismo excêntrico ao qual se associa os óculos escuros e o guitarrista é o responsável pela fluência sónica de recorte visceral que tanto o é no punk ou no rock e ao se afastarem destas estéticas ao inserirem o pedal do delay surge uma maravilha pop rock soberba com a complacência de uma secção rítmica segura e se me esqueci da descrever a voz do cantor é porque está é de uma incidência predominante eloquente pois é um cantor exímio; Alien Church (palco Tabacaria) são quatro rapazes de Portalegre e a sua proposta se centra no noise mas numa frequência em que as progressões são invertidas para um domínio em que são dilacerantes e o público responde às investidas do guitarrista que implementa descargas inusitadas de rock and roll e ainda enquadram a balada kitsch ou subvertem diversos géneros num ângulo em que impera o espanto imperdível; The Parkinsons (palco Teatrão) são a banda que quase conquistou o Reino Unido e ainda é a única banda portuguesa a subir ao palco do festival Glastonbury mas isto são apontamentos num currículo repleto de glória mas também de tragédia mas está é central no discurso que é predominantemente punk que é épico pois encontram um tradutor exígimio que dá pelo nome de Victor Torpedo e no Alzheimer um cantor que de tronco nu e lesionado numa perna um performer intemporal devidamente apoiados num duo rítmico que sustem a estrutura de forma exemplar e ainda o teclista/percussionista Jorri que insere um azedume esquizofrénico e a isto o público responde com uma mosh ou atiram garrafas de plástico e a certa altura sobem ao palco que milagrosamente os suporta e são enxotados por diversos técnicos que repõem uma ordem que é subsequentemente destruída pelos Parkinsons.

Festival T.N.T, 25 e 26 de Maio, Teatrão, Coimbra.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Ubu Roi

A respiração ofegante de uma máquina em quinta gravita em redor de uma lâmpada led que se apaga e a paisagem urbana no interior da bola de vidro é de uma opacidade desarmante que é rabiscada por raios que atingem um palacete que arde e o fumo intoxica o casal; Lucifer`s Ensemble é composto por três músicos que se dividem pelo contrabaixo eléctrico a bateria e o trombone de varas/mesa de mistura e por dois performers um toca guitarra e o outro assegura a voz mas este último facto somente sucede após a primeira parte da performance e em que estes delimitam o espaço com cinza que sucessivamente é destruído e é deste jogo que se nutre a performance a transformação de seres humanos em algo negativo e que é levado a um extremo em que domina uma loucura advinda da subtracção da razão e é este centro a origem da metamorfose destes dois homens em algo que se aproxima de um bestiário que é o espelho de uma consciência que combate tudo o que aparenta o belo e a música que os estimula a agir dessa forma tem origem num ritmo africano que é o indutor central submetido a uma sucessiva transposição delimitados pelo free jazz imperdível; e após a combustão as cinzas de mãos dadas são noticiadas nos jornais e na televisão estatal associados a um amor tipificado segundo um cliché de dramatismo secular e os espectadores consternados alternam os canais à procura de algo que os liberte da dor e momentaneamente lhes é possível se distraírem com um idoso que dactilografa telegramas que são enviados por um mensageiro que cavalga montanhas e irrompe de um desfiladeiro e o horizonte se afirma através de uma linha irrequieta que é adversária e o seu esforço redunda numa frustração imparável e ecoa o chamamento de um Centauro; Jorge Barco está sentado à frente de uma mesa com diversos objectos que remetem para a ciência tem uns óculos escuros para se proteger da câmara de projecção que predominantemente o ilumina inscrevendo a sua sombra sobre a parede e o músico limita-se a tocar nuns botões e a produzir sons que têm por base o ruído que são manipulados sem que haja qualquer rasgo de génio ou que se aproxime de algo satisfatório porque se limita timidamente a reproduzir o que outros compositores de música electrónica de vanguarda o fizeram há pelo menos uns quarenta anos atrás; que o atrai para um destino com borboletas com asas de cetim que beijam os lábios violetas das estrelícias e uma praga de almas enrolam o cavaleiro e o influenciam a seguir viagem que é uma sucessão círculos que o orientam para um olho que o vê e o hipnotiza a perseguir em vão os quilómetros que o separam da vida e o preto o cinza e o branco se movimentam alternadamente e umas listas brancas e pretas cancelam a emissão do satélite que é iniciada e espelha objectos consumíveis para mitigar a solidão e a música é o sinal para o início de um conjunto de letras a se misturarem numa associação paradoxal que são subtraídas pelo preto e branco que revelam um gigante; Hhy & The Macumbas são compostos por um baterista e um trompetista e um manipulador de uma mesa de mistura e por um percussionista e um maestro que se encontra de costas para o público com uma máscara na cabeça que remete para os sobas das aldeias africanas e é neste continente que advém a sua música que versa a repetição de um ritmo tribal que impõe a hipnose em ciclos e contra ciclos que têm como objectivo transpor os corpos dançantes e os induzir a vivenciar um ritual que os se associam a outras almas que os encaminham a um estado libertário que somente o sonho ou a meditação têm esse poder épico; que através de um monóculo foca uma bailarina que rodopia no gelo e dá a mão a um amigo e deambulam por entre paredes de vidro onde a transparência os reflecte disformemente e os remete para um tempo em que se dissolvem e somente é visível os seus contornos que regressam à moldura óssea onde encaixam as suas carnes irrigadas por glóbulos brancos e vermelhos e se beijam demoradamente algo que entristece o espia que se sente diminuído e eles contornam minas e perpassam árvores de pedra de ançã sujas e sossegam num monte sob uma nuvem encostados a uma coluna jónica e ele colhe uma flor de pétalas em corações em chapa e a coloca entre os botões da camisa da namorada com azulejos de pé de galinha; Hhy & The Macumbas são compostos por um baterista e um trompetista e um manipulador de uma mesa de mistura e por um percussionista e um maestro que se encontra de costas para o público com uma máscara na cabeça que remete para os sobas das aldeias africanas e é neste continente que advém a sua música que versa a repetição de um ritmo tribal que induz à hipnose em ciclos e contra ciclos que têm como objectivo transpor os corpos dançantes e os induzir a vivenciar um ritual que os ilumina a se associarem a uma outra alma que os encaminha a um estado libertário que somente o sonho ou a meditação têm esse poder épico; e o mirone desvia o monóculo e observa estátuas da época rosa do Picasso que ganha a expressão corporal de funâmbulo que percorre lentamente um arame e escorrega e cai sobre a rede verde e a multidão sustém a respiração e o número seguinte é da responsabilidade de um ilusionista que transforma uma mulher em dois; Antippode são um dueto de manipuladores de mesas de mistura e a sua proposta tem como base o beat que é explorado segundo a norma de um esoterismo synth que discorre com o intuito de impor a dança dos presentes que têm que encontrar outras formas de expressão corporal que corporiza uma mecanização com origem no intelecto; e surpreende os presentes que batem palmas de espanto que se silenciam gradualmente o observador dirige a sua atenção para uns passarinhos assobiam intercaladamente num dueto em que domina uma poesia campestre que dura até que o dia se esgote e seja a noite a pigmentar a natureza com uma eloquência nocturna; entre cada um dos concertos o Dj Dead Expotations apresentou um compêndio rap de bandas americanas da década de oitenta do século XX e do hip hop com assinatura de músicos portugueses.

Aveiroshima2027, 19 de Maio, GrETUA, Aveiro.

Em memória do Glen Branca.