segunda-feira, 29 de junho de 2020

La Peste

A semana foi similar à semana anterior não há nada que quebre esta relação tão íntima quanto destrutiva que se assoberbava do meu cérebro com figura de tédio belo e amoroso como uma canção de embalar parasitas que me acompanhavam diariamente importunando a minha solidão que tanto esforço trabalho e dedicação pesaram na minha conta de certezas como Ordem e Progresso está para os brasileiros e essa contaminação pesava sobre mim num estrato social ferido por uma invisibilidade doentia tal peste que me encarcerava desde que nasci para esse espelho onde o meu rosto aparecia contaminado pela dor de não existir vítima de parasitas que sugavam a potencia do meu eu cantado em cântico operático em italiano porque é mais chique e se havia duvida perseguiu-a até ao fim se havia angustia magoava-a até ao fim parece um jogo em que era obrigatório destrinçar diferentes abismos que podiam albergar um pôr-do-sol de postal do Mediterrâneo ou uma sala de estar onde não vive a minha família porque talvez sejam outros que parecem ser os meus antepassados de mãos dadas por mim e nesta hora em que a peste se faz sentir nada há mais libertador do que ser imune à ausência que a dor da preguiça proporcionava e abstrair-me do meu corpo esse compêndio de cicatrizes por costureiros do vão de escada ou por uma senhora enfermeira porque o médico tremia da sua mão sexagenária resultado de uma intensa violência sobre esta figura que vos escreve e que esclarece que os autores eram como uma alcateia de lobos em fúria sobre um cadáver esquisito não ressuscitei nem tão pouco escrevi uma carta de despedida à razão humana para que me libertasse deste jugo de impossibilidades dessa gente que era como uma peste que disseminava o ódio como meio de diminuir a liberdade esse vírus que os eliminava e que me dava energia para sobreviver a este tumulto a que chamava vida má vida boa vida puta de vida prostitutas da vida senhoras doutoradas em fins lucrativos que perturbam a opinião pública associadas a mortes em lares ilegais manchados por casos com Covid-19; Birds Are Indie celebram no Salão Brazil em Coimbra dez anos de início de actividade artística que tem como ponto transversal a pop delicada e elegante e ao palco iluminado pelo entardecer sobem Ricardo Jerónimo e Joana Corker em regime acústico e o que daí resulta é uma canção de embalar crianças de tão encantatória e posteriormente é a vez do Henrique Toscano e o quarto elemento quase invisível que se chama de Jorri a se somarem ao duo e a prossecução do timbre acústico e continuo oferece às canções uma profundidade idílica quase perpetuamente hipnoticamente imagens que são de natureza abstracta gradual e ponderadamente transcrevem outras canções com alguma raiva suficiente para serem o contra peso à preponderância das contidas e acústicas um digno fim composto a partir da pop de alto grau de pureza da qual logram paradoxalmente a sua reinvenção parabéns aos Birds Are Indie um diamante pop com coração de criança sonhadora; permito-me fechar novamente e outra vez as pestanas que encerram uns olhos azuis tão cristalinos que apenas desejam renegar a qualquer contágio que é parasitário de alguns de vós mas parece-me impossível ligo-me à botija de oxigénio para extorquir algo que parece mais imaginário do que real tal como a sucessão de socos e de uma chinelada na cara que me foram desferidos na noite fatal em que lutei contra o mal esse que é um estímulo indomável tal raiva doentia mas essa vítima ergue-se para além desse episódio tão absurdo quanto visceral e assumo o comando desta nova ordem que assinalo com um fogo-de-artifício marcado por um derramar de cores em chamas a apagarem-se com o teor salgado que a brisa marítima contém e julgo que por fim não desisto de tentar erguer-me para além deste sol que se afasta sucessivamente uma esperança vã ou talvez e somente um outro espaço onde possa viver sem as máscaras que me acompanharam tais sangue sugas e se me fosse possível ressuscitar e erguer uma bandeira num país sem fronteiras ou uma ideologia utópica uma poesia surrealista um hino à dissidência e a um labirinto de remoinhos dispersos que têm uma pulsão que se assemelham a resquícios do mal que apago deste texto mesmo que não o consiga é hoje o dia é hoje o meu dia.

Birds Are Indie, “Migrations - the travel diaries #1”, 28 de Junho, Salão Brazil, Coimbra.

Em memória de João Ataíde.