segunda-feira, 23 de julho de 2018

Paula Rego: Behind the Scenes

Daqui a pouco sobem ao palco instalado no pátio do CAV- Centro de Artes Visuais em Coimbra os convidados dos Twist Connection os Wipeout Beat este concerto fora adiado devido à chuva mas hoje há contenção por parte das nuvens cinzentas que gradualmente são escurecidas pela noite e nessa data tal como a de hoje versa a apresentação do segundo LP “Twist Connection” dos Twist Connection; ontem suponho que foi ontem mas para ser cruel poderia testemunhar que ontem não existiu e se as borboletas esvoaçaram e as flores brilharam ao sol e as gaivotas cantaram como fadistas embriagados e os escaravelhos encarregaram-se de carregar caganitas de ratazanas e lamentavelmente o fogo de artificio foi abafado pelo nevoeiro e até os frutos secaram e os compromissos com as estações de ano caducaram e os provérbios populares foram resgatados ao povo por homens de bem e o cimo de uma pirâmide perfurou uma nuvem de latão que se misturava com o rugir de um rei da selva e os lugares recônditos do hemisfério sul abortaram paisagens esfomeadas por chuva e as lascas que esvoaçaram eram palavras de ordem em desuso o lunático que amava a lua e trocava-a pelo quarto onde imperavam obscuros sonhos de uma criança que temia pela morte do irmão num barco de papier-mâché à deriva no Mediterrâneo; e os Wipeout Beat apresentam a sua liturgia de teclados analógicos que desenham diversos níveis seja intercaladamente ou em progressões psicadélicas e ainda num sinfonismo anti-sinfonia e a guitarra eléctrica do Pedro Antunes assume uma preponderância krautiniana em que rasga as suas fronteiras e a remetem para um rock visceral de tão vicioso e as vozes são de três homens que observam o Mundo através da objectiva da marginalidade associada à incapacidade de encontrar um espaço onde lhes seja feliz habitarem; Twist Connection lutam canção após canção para reavivar esse morto-vivo que é o Rock and Roll e se este feito é de facto conseguido é devido à mestria estilística com que sonicamente lhe injectam oxigénio e lhe lubrificam as partes aparentemente irreversivelmente mortas e assim reinventam-no de forma crua e consentaneamente revelam que não têm medo de serem os seus referentes e dilapidares e ainda há que realçar a voz/postura da Raquel Ralha que reforça os pontos positivos anteriormente descritos para além de os incutir com uma frescura endiabrada; salvas por uma santa latina e no oposto da sua mão os nós das cordas eram arremessadas às voluntárias do ócio dedicadas às margens do rio que abanavam o abanico para afastarem os mosquitos e num sucesso de comprimidos defendidos por salvarem dúzias de pagãos que se dia após noite movediça de urânio curtido sobrepunham-se a um bordel de queridas associadas à banalidade que eram vertidas para copos com duas pedras de gelo e no sumário dos argumentos dilacerados numa trama de cabelos cinzentos perfumados de incenso uns incautos aproximavam-se do limbo e a vertigem era-lhes matinal e o imediato sustinha um muro sustentação os sentimentos que ejaculavam a maldade e a distancia que separava um outro de outros filhos da puta é um ulular de idiotice que periodicamente surge no horizonte determinadamente estático perigosamente insolúvel no hemisfério desnorte onde se açoitam as caravelas da fortuna e da desgraça que vogam por entre a memória emérita; em Leiria o Stereogun tem como atracção nocturna a jigsaw And The Great Moonshiners Band e se musicalmente a sua génese é marcada por cores marcadas por um negrume que é como um garrote que lhes provoca uma soltura de desespero por vezes tolhida por uma angustiada agonia estruturadas a partir de uma perspectiva romântica e este fundamento literário impregna-os de um démodé que causa simultaneamente estranheza e familiaridade; e se o numerário é soturnamente confiado a jazigos com elevador num condomínio fechado para obras e se baterem à porta é um carteiro com cartas de amor de um famoso defunto e o que irá fazer se a viúva está de férias no paraíso talvez regressar ao covil onde se trocavam as almas por almas repartidas por cores diversas os loucos estão sentados à secretárias de escravas que rejubilavam com fotografias de lustres de que iluminavam salas multifacetadas de texturas de veludo azul e se o mecanismo que regulava a ansiedade disparatava é lamentavelmente contido através de uma porção psicotrópica e instalava-se a sonolência que apagava os objectos que faziam parte fidedigna de uma história nas quais se representavam em caras maquilhadas de branco o soletrar de um adjectivo depreciativo e valorativo ou depreciativo era impresso em símbolos capitais em armadas de cascos calçados de sapatos de prata a carimbarem contas em offshore bipolares; e sonicamente são tão assertivos a verterem as suas melodias quanto a dominar um silêncio que às perpassa de uma melancolia que por vezes é um vaivém de tristezas e nesta circularidade afixam um poder sónico tão sedutor quanto repulsivo e nestes paradoxos reinterpretam o Country o Rock And Roll a Americana e ainda a João Rui soma-se à voz da Tracy Vandal e eles não se revêem na antítese ou no seu facilitismo antes como se fossem vozes de personagens que se testemunham numa narrativa em que dominam dramas existencialistas e antes de “Bring Them Roses” Tracy Vandal olha para mim e eu para a cantora escocesa e diz-me: “Thank Jimmy for bringing me roses, you always bring..” para a minha musa serão sempre poucas.

The Twist Connection "The Twist Connection" + Wipeout Beat, 21 de Julho, Pátio da Inquisição, Coimbra.
a jigsaw And The Great Moonshiners Band, 21 de Julho, Stereogun, Leiria.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Performance Art: From Futurism To The Present

A luta percorre o subsolo que provoca a subida da temperatura se o centro arrebentar espumar-se-á em lava branca e manchará as rochas negras testemunho de que há passado e presente e futuro concentrados no interior de uma redoma de látex e a comparação é equiparar-se a um como sem como numa frieza que endoidece a luz que procria maravilhas num assalto como uma violação perpetrada por um petrarquista revoltado com as cores agrestes de uma esfinge que finge ser esfinge latina americana a decompor-se estação do ano após estação do ano à superfície da Terra em perpétua mudança subtraindo o perecível e arquitectando outras paisagens produzidas para seduzir quem as observa ao microscópio e contrariadamente na sua pequenez parece tão micros que se julgam macros organismos talvez se alguém os institua a uma outra dimensão e lhes outorgue um outro propósito talvez se ergam do subsolo como a lava de esperma que iniciou este testemunho anti-crónica e de palavras pró-cónicas; o Salão Brazil apresenta as Raincoats para uma noite que encontra a sala lotada antes surge no palco Ana Silva que anuncia algo como isto que vai subir ao palco o filho de uma das suas companheiras e o rapaz deve ter uns quinze anos e somente com a guitarra eléctrica estrutura as canções que são alegres e remetem para o universo próprio de um adolescente e há ainda a destacar o seu timbre que é adocicado digno de quem ainda tem resquícios da voz de quando ainda era criança com uma desenvoltura advinda de uma confiança estranha para alguém tão imberbe pena que não haja uma maior diferença melódica de canção para canção mas é uma surpresa deveras agradável; que se enrolam e se misturam com as serpentes que serpenteiam para abocanhar o mar que há no mar as nereidas que inspiram os ventos envenenados se flutuam à espera de uma onda que lhes dê a mão para o fundo do fundo onde ficarão sepultadas ao lado dos poetas que escolheram uma falésia para se atirarem em definitivo a um leito que em tudo não se assemelhava ao útero materno viscoso e quente ligado à corrente por um cordão umbilical e as escadas rolantes que se enrolam e desenrolam sobre as casas ou castelos com virgens antropomórficas cantam aos trovadores que perderam a voz num duelo em que de um lado estava a vida e do outro Dada que provoca uma desordem no contexto de uma vivenda ocidental no cimo a bandeira de costas ensanguentadas a origem de um progresso em nome de um outro vulgar ou não Cabaret Voltaire e há pernas a saltitar figuras de máscaras incólumes que se disputam para existirem para além do futuro num libreto de aniquilação do teatro naturalista onde pastavam vacas e jumentos em casas com estábulos e lareiras a crepitar por paciência para com o tempo real fruto de tanta intempestiva regressão; os cabeças de cartaz são três senhoras e esta descrição deve-se ao facto de duas aparentarem se aproximarem da terceira idade mas tal é discriminado para realçar que o rock ou a pop não são exclusivo de jovens para jovens algo que nos fazem acreditar diferentes agentes culturais criando dessa forma um preconceito para quem ainda é válido em cima de um palco e as suas canções têm diversas linhas mestras como por exemplo uma economia de instrumentação que se resume à harmónica e às guitarras e ao baixo eléctrico e a um violino e à utilização das vozes em harmonias quentes aliás que paradoxalmente não se fundem à rudeza dos acordes das guitarras mas que encontram cumplicidade com a violinista e o balanço melódico é desenhado como que a permitir ao ouvinte fazer uso do seu pensamento formal para construir a sua canção e ainda é-lhes característico a inexistência de um refrão e este ponto é importante porque revela que não estruturam as suas canções segundo um cânone conhecido pelas massas e as letras têm diversos temas existencialistas um dos quais é o feminismo das quais são dignas representantes; abre-se o pano e sai o coro de poemas malditos porque amaldiçoam os presentes e os ausentes que se divertem com o caos e incrédulos derramam ruídos de bois com o cio e os agentes da autoridade expulsam os actores das suas personagens mas a revolução há muito que começou desde que se incendiaram as pálpebras e os sonhos passaram a ser de todos os que aspiravam a um caos similar à origem do Mundo descrito num livro de contas com iluminuras em que Adão e Eva disputavam os frutos proibidos e trocavam de corações que eram meros metrónomos que marcavam o ritmo de uma melodia sem refrão que repetida era um uivar irrepreensivelmente belo de tão desconcertante e o silêncio é somente uma utopia ou uma ideia que por vezes comporta o vazio que somente os futuristas conhecem pormenorizadamente através da análise da sua substância de fluxo incoerente e a partir da qual inscrevem um auto de fé onde transformam em cinzas o passado.

The Raincoats, 3 de Julho, Salão Brazil, Coimbra.

Em memória do Ricardo Camacho.

domingo, 1 de julho de 2018

Poesia e Metafísica

Não sonhes com as montanhas a desmoronarem-se talvez se te permitires poderás regar as plantas com café e não desesperes se o pé cresce e te impeça de calçar o sapatinho de ballet e é por isso que não queres crescer como as flores que regas com chá porque é mais chique fico triste com esta discriminação sabes que as pessoas querem ouvir sempre a mesma canção para recordarem os tempos em que eram felizes por instantes que se dissipavam instantaneamente e se escreveres um romance de cordel vê antes as novelas da TV onde poderás encontrar a inspiração para a história em que a personagem principal é uma menina que sonhou dançar ao lado de cisnes e de girafas embriagadas que espreitam pela janela e assobiam à lua grávida de milhares de anos e o pai tem o ADN da Terra única com vida no céu e na terra; as Señoritas são duas mulheres que ultrapassaram a meta dos quarenta a Sandra Baptista subiu há vinte e seis anos a um palco com os Sitiados já Maria Antónia foi a voz da Naifa e o ponto de ligação entre estas foi o malogrado João Aguardela e há sensivelmente um par de anos emanciparam-se e editaram “Acho Que É Meu Dever Não Gostar” e no Stereogun em Leiria têm como centro o recente “As Saudades Que Eu Não Tenho”; e não acredites que as pedras da calçada ficam pedradas com a tua passagem de nenúfar e se acenderes as luzes das tuas pálpebras verás com exactidão o contorno da luz sobre os corpos que se obstaculizam à tua passagem e nesse percurso meditativo elimina as vezes em que te alimentavas de um exibicionismo abjecto ou que repetias cenas sucessivamente cenas sem sentido ou direccionadas para surpreender os outros com a tua utilidade de bem cativo a um brilhantismo inexistente não chores meu amor porque a tristeza é exclusiva dos pobres dos portugueses; e as suas canções revelam-se através do fado mas não o seu decalque antes a sua evocação muito por culpa do timbre da Maria Antónia Mendes e em que ressalvam uma dor desmedida provocada pela perda ou o perder-se ou a derrota perante a inesgotável passagem do tempo se há um esgravatar com elegância neste género popular urbano não predomina o respeito antes a sua dissolução numa contínua tensão e as letras versam a crença pela religião católica misturada na alma dos portugueses e este primeiro bloco ainda deriva do álbum anterior e que é executado sobriamente; e não procures o sapatinho que perdeste numa noite de sexo com uma abóbora e te tornaste num anjo papudo igual aos que decoravam os lençóis e a tua companheira numa princesa com castelos e montes e rios e com falo de plástico para te aparafusar à parede como um urinol assinado pelo Duchamp e ficarás exposta num museu do século passado envolta numa redoma de vidro para evitar que os fundamentalistas religiosos te cuspam ou te mijem para a boca e se não é suficiente elevar-te a obra de arte é porque a tua satisfação é sucessivamente deglutida quando escolhes um espelho em que és linda mesmo que tal seja mentira; a segunda é pautada por programações que oferecem às canções uma portentosa tonalidade pop e a isto deve-se somar a voz da Maria Antónia Mendes que ganha um outro poder maioritariamente narrativo sem que se associe a uma frieza que tal poderia originar antes exercendo um poder lúdico em que sobrevém uma ironia imune à crítica antes questionando os propósitos que compõe a consciência do homem moderno prisioneiro às coisas pequenas que lhes são oferecidas indiscutivelmente desconcertante; não escutas as Mil cores no Ar fragmento de um poema do Mário Sá-Carneiro folheia-o devagar porque é um homem de pena carregada de negro um suicida em potencia tal como eu fui um dia como este azul pedra de esquimó a derreter-se com a passagem inóspita do tempo assegura que te fazes ao vento e te deixas absorve-lo e poderás rodopiar em redor da tua cova ou berço húmido cavado para que sejas comida pelos vermes e na lápide o nome de uma cidade à beira rio e nas margens os contentores formam um muro que impede que te assomes aos marinheiros sedentos de amor e carinho ou de uma vagina tagarela; e há um minimalismo pop que une os dois pólos que aparentemente são opostos quando na verdade representam uma visão afunilada sobre a sociedade portuguesa que ignora sucessivamente que é escrava de conceitos e preconceitos que há muito deveriam ter sido dirimidos para dessa forma terem a vontade de olhar exclusivamente para o futuro; não continues a ler peço-te que te concentres nas andorinhas viúvas desde que nasceram de amantes que as trocaram por Marrocos para ver passar o William S. Burroughs intoxicado e disposto a disparar sobre a maçã colocada sobre a tua cabeça ouve o estoiro e o grito que a calou para sempre essa ressonância elucida-me sobre a viagem que empreendeste sem retorno a casa esse ponto de partida para um outro pólo onde se encontra a raiz de uma ilha que é escrava das marés.

Señoritas, “As Saudades Que Eu Não Tenho”, 29 de Junho, Stereogun, Leiria.