domingo, 23 de junho de 2013

SEX

A digníssima sala Suggia da Casa da Música, desenhada para o canto lírico e orquestras sinfónicas, aplaude PIL liderada por John Lydon que se assemelha a um D. Quixote com gorduras localizadas no peito e na barriga com o intuito de as disfarçar veste roupa larga preta. A sua cabeça é pontuada por uma pequena crista que remete para a memória estética de 1977 quando o punk se impôs como contra cultura em relação a uma sociedade britânica que cumpria o horário do chá envergando fato e gravata e vestido de saia rodada e que se ajoelhava em igrejas de gótico flamejante a rezar pela rainha Isabel II. “Good night everybody”. A primeira canção é possuída pela secção rítmica, da qual sobressai um baixo marcadamente dub, a voz de John Lydon é transmitida em eco, “tell”, “you are”, “EEEE”, “tonight”, “real”. O break da bateria recoloca a canção num paradigma novo, denominado de rock and roll e na sua persecução a guitarra sola distorcidamente: “EIEIEI”. “Say”. Solo da guitarra: “OOOOO”. “EEEE”. “Discontact”. “HUMM”. “YeahYeahYeah”. Palmas. O segundo tema é iniciado pela bateria, John Lydon levanta os braços a enviar o ritmo em direção dos presentes que lotam a sala, a guitarra insere a sua vertente rock, a voz ecoa: “Meet me in the shop”, o baixo é marcadamente dub, o que resulta num rock and dub. Inesperadamente o baixo inverte a sua vertente dançante para algo mais conciso mas simultaneamente agudo, e aproxima-se do blues: “Intoxicated”. “Down to see it”. Os acordes da guitarra são crispados como as unhas de um gato sobre a camisa de noite de uma menina indefesa. John Lydon emite um apelo: “Keep it on the water”. Coro: “Keep it on the water”. “AAAA”. Palmas. John Lydon emborca de uma garrafa de plástico e cospe sobre o palco: “Hello! It`s big late night”. Palmas. A guitarra semi-distorcida descarrega a sua raiva com sarna sobre o baixo dub, a voz mantém a sua vertente ecoante como se as palavras de ordem fossem proferidas por um corpo invadido por um fluxo sanguíneo que transborda das veias: “Joy”. “You are”, solo decrescente da guitarra: “AAAAAA”. A marcação dub do baixo mantém-se sob a extroversão da guitarra, o público acompanha-os com palmas, “time”, “remember it”, “be wrong”, “wrong”. “I could be wright”. Palmas. A guitarra sola. “I could be wrong, I could be wright”, as cordas do baixo dançam como cordas de liamba usadas nos galeões da armada inglesa para suster as velas: “I could be wrong”. O trio de músicos inscreve a canção numa vertente aproximada ao rock progressivo, John Lydon dança: “Yeah”. Na quinta canção Lu Edmonds, troca a guitarra eléctrica por uma acústica que tem a caixa em forma de um bandolim. A relação que se estabelece entre os músicos reverte para uma teoria inconscientemente pop, “yeah” a voz ecoa pela sala rectangular “remember” e John Lydon levanta os braços e aponta os dedos abertos em direcção ao público, a ordenar que ouçam o beat. “You come from”. A guitarra insere-se através de acordes rugosos, dub/rock “everyday”, “dreaming”, imperam os acordes incisivos violentos da guitarra, eco: “Dreaming”. Eco: “Still”. Eco. John Lydon dirige -se ao público: “Good to see you”. Lu Edmonds inscreve um solo e a quinta canção é invadida sobre o ritmo dub por um sampler arabesco, melodia circular e planante, o oásis como o último reduto do inconsciente conspurcado pela ingestão de dopamina. “Enter” (eco). Coros: “Enter in to the fire”. Eco: “Anyone”: “So say”: “People”: “Last”. “AEIAAA”. Eco: “So”. John Lydon adverte ameaçadoramente um jovem que se preparava para continuar a dançar à sua frente: “You fuck off!”. Quando aponta para o vulto este já se encontra a correr para se misturar com as pessoas que se encontram de pé na lateral direita (de quem está de frente para o palco). “Do not come in front of these people” e aponta para a primeira fila, o público ri e identifica o anarca punk seu heterónimo Johnny Rotten para além de estranharem que um punk imponha a ordem social. Johnny Rotten olha para a sua direita e vê um homem gordo e descabelado que dança sem que haja qualquer emissão sonora e é misericordioso para com a sua levitação e permite-lhe tapar a vista das pessoas que se encontram sentadas. A sexta canção é constantemente imersa e submersa num sampler étnico, com uma graduação mais espaçada que a canção anterior, permitindo o contributo das palmas. “This is my life”, abre os braços a celebrar a sua liberdade, a secção rítmica mantém a sua métrica sustenida, como contra peso a guitarra distorce incidentalmente a rasgar a suavidade da melodia. As palmas acompanham uma progressão rítmica que perpetuamente repete os acordes: “AIAIAI”. “OOO”. “I wana go”. “Hands”. A crescente suspensão do baixo é acompanhado pelo ecoar de palmas, através da hipnose instala-se uma dub party: “AAAAA”. A guitarra viola-a num chamamento impossível de rejeitar. “YEAYEAH”. “AAA”. “Surrender”. O oitavo tema: “Are you fucking mad?”. A bateria associa-se ao ritmo de um beat electrónico e a guitarra-banjo ganha uma introspecção inesperada ao converte-la numa viola e o baixo encaixa-se continuamente. O sampler impõe-se como denominador comum ao injectar-lhe uma tonalidade marroquina dançante diluída numa frequência esotérica: “Why are they?”. Palmas. John Lydon: “Say hello to Scoty”, o público aplaude o músico que empunha o baixo. “What a strange crowd”. A secção rítmica impera como denominador comum: “This is my culture”. As palmas acompanham a frequência rítmica, “Can I explain” timbre ligeiramente agudo e distorcido, o público dança e quebram a parede de vidro que as separa dos PIL: “Out of this ocean”, as notas orais sobem em altura e acrescentam angustia a um discurso irredutível: “You can`t change us”. Palmas. A guitarra de Lu Edmonds introduz acordes aprisionados num delay rugoso, palmas e dança, está instalada a loucura dub and rock and roll com lírica punk: “You can`t change us”. A nona canção é consumida por cores maioritariamente negras, com a incisão da guitarra de forma longitudinal, a questão ou a constatação de um elemento subjectivo: “The silence”. A voz ecoa: “The ruins of my heart”, as palmas ensombra-a com uma festividade paradoxal. Ecoa: “Silence”. “AIAIA”. O solo semi-distorcido provocado pela guitarra de Lou Edmonds antecede uma explosão rítmica, “AUAUAU”. Solo western spaghetti acompanha a progressão do baixo/bateria. Na décima canção Scott Firth insere através do Maquintosh um beat que ganha uma gradual e crescente acentuação dispersa que norteia a audição subjectivamente induzida. A guitarra é a primeira a revelar-se crispada com a bateria marcar violentamente o bombo, “nooo”. A guitarra projecta acordes que se revelam puramente rock and roll, agudo/eco: “This is no love song”. O público está a contagiar-se com o ritmo hipnótico, dançam e aplaudem. John Lydon levanta os braços e rejeita as palavras que canta com saliva agridoce: “This is no love song”. “This is no love song”. O público aplaude ao ritmo do baixo que se interpõem como a memória melódica da canção outrora pop. Coro: “This is no love song”. John Lydon: “OOOOO”. “Remember”. “No love song”. A secção rítmica acelera e libertada uma contínua contenção doentia: “OOO”. “OOO”. “OOO”. A angustia que provoca o paradoxo: “This is about you all the time”. “This is no Love song”. A sobreposição da guitarra sobre a secção rítmica envenena a décima primeira canção imputando-lhe o rock and roll, o público aplaude em pé o facto de PIL se libertarem agrestemente do dub, que dominou o concerto e que obrigou o espectador a segregar imagens sucessivas que lhe toldaram a memória. O terremoto rock and roll é um buraco no escuro que retira do individuo a agressividade acumulada após meses de contínua rotina. A décima segunda canção corresponde a uma trip-dub, com a voz a expelir as palavras de forma mais precisa. “They Are”. Eco. “They are”. Eco. “Funniest part”. A bateria liberta-se da prisão que lhe confere o dub e insinua-se explosivamente. “They are”. Eco. “Here we are”. Eco. “Here we are”. A segunda parte da canção, tem o ritmo dub ligeiramente mais acelerado, com a guitarra a conspurca-la com uma promiscua adjectivação rock and roll. O rosto magro de John Lydon abre os olhos expressivamente e canta convicto: “We are pure”. Eco. “Yes we are”. Eco. “They are pure”. A guitarra sobrepõe-se tempestivamente, “We are pure” (eco) há um crescendo ritmo hipnotizante: “We are pure”. O penúltimo tem na génese a equação do trio: bateria/guitarra/baixo, mas formando uma massa compacta, a desenharem uma melodia rítmica que sustenta as frases que revelam a poder que a natureza impõe: “I could be wright”. “I could be wrong”. “I could be white”. “I could be black”. “We can all be with you”. A guitarra eléctrica ressalta para fora do domínio da bateria/baixo, “white”, surgindo uma pop-(funk/dub)-rock. “We could all be white”. “Yeah”. O epitáfio consiste numa sublimação de uma melodia esotérica, que se transforma num loop, assim como o canto de John Lydon. A guitarra impõe-se pontualmente, “morning” (eco), a progressão é contida a completar o loop, “aaaaa” (eco), “aauauauau” (eco). A guitarra semi distorcida mimetiza os acordes da melodia, “we love”, “OAOOAOAOA” seguido do solo da guitarra esta relação seduz o ouvinte que dança a expurgar uma loucura educada. “EEEE” (eco). “OOO”. Despede-se com duas notícias: “This is Scoty´s birthday”. “And this is Public Image Limited”. Ovação.

PIL, "This is PIL", 22 de Junho, Casa da Música @ Porto

sábado, 1 de junho de 2013

Flowers for Hitler

Nick Cave and The Bad Seeds surgem no Palco Super Bock instalado no parque da Cidade do Porto com carimbo do Optimus Primavera Sound que os recebe através de uma histeria generalizada. Nick Cave veste fato de cetim preto, camisa preta, e ao pescoço tem um fio que sustém uma figura impossível de descodificar facto que se prende à minha relativa distância do palco principal do festival importado de Espanha. O ritmo pausado e a melodia que flutua melancolicamente de “We Know Who UR” induz o espectador a ouvir com atenção a voz grave mas contida do narrador da fábula. “The trees don`t care, what the litle bird sing” pertencem a universos opostos mas dependentes, a natureza respira no lusco- fusco, o final de um dia em que a melancolia se impõe como a amante suprema. “No one”. “No one”. Nick Cave canta pausadamente com as vogais a sobressaírem constantemente “the tree will stand”, o seu canto é semelhante ao de um corvo a voar em redor da cruz em forma de T: “The tree will burn” e “and you know who you are?” . A sua saliva é invadida por um veneno que nos prende à terra em pé: “No need to forgive”. “No need to forgive”. “No need to forgive”. Palmas. “Thank you very much! This is call ´Jubilee Street`” o compasso é lento mas com uma vertente rítmica próxima do blues, perniciosamente vilipendiado por uma ligeira corrosão semi distorcida. Nick Cave observa uma mulher que “had no history, she had no past”, e é vítima das “people down to Jubilee Street practice what luxury preach”. Suplica: “I do anything can you look at me?”. Senta-se no seu hammond, e a narrativa adensa-se quando canta solenemente sobre o blues convertido em acólito de um padre católico como uma testemunha ocular: “The problem was she had a black book” onde anotou o nome de cada um dos pecadores para os extorquir do seu bem mais supremo: a alma. A progressão encetada pelos Bad Seeds lança um manto negro sobre o blues “salvation”, a melodia mantém-se incólume mas o ritmo progride possesso. Nick Cave levanta-se do Hammond e enfrenta o público e dá pontapés para o vazio a acompanhar os pratos atingidos pelas baquetas de Jim Sclavunos. Cave canta pungentemente num nível em que a raiva se mistura com a dor flagrante que uma profecia tantas vezes proferida que ganhou domínio de verdade. “Look at me now”. “Look at me now”. Palmas. “I want to tell you about a girl” a voz de Nick Cave projecta as palavras agressivamente sobre um ritmo em que predominam os graves do baixo; e a bateria coloca-se em expectativa num ritmo binário que dominam como se fossem os ponteiros de um relógio que é prenúncio de frustração em relação a uma “girl” que tem número na porta “she lives in the room 29, just top of mine”. As palavras que expele Nick Cave são marcadamente distorcidas espelho da dor da rejeição a que o suicídio convida: “From her to eternity”. O piano surge dissonante a induzir à vertigem que a morte convoca, “cry” dito de forma violenta como se cada lágrima fosse ácido corrosivo a escorrer sobre o rosto de um homem de barba rija. A bateria cor-de-rosa de Jim Sclavunos sublinha os versos assumindo a vertente decompositora do inconsciente, quando Nick Cave range “to her to eternity” encontra-se na linha da frente a apontar com o indicador sobre o público como que a acusa-lo da sua cumplicidade e consequente impiedade perante o desespero autodestrutivo do cantor australiano. “Crime”. “AAAAAAAA”. “From her to eterrnity”. “Red Right Hand” é composta pelos teclados a susterem a melodia negra impregnando-a de um blues com uma tensão/tesão que confere aos versos o poder da hipnose “to the edge town” o beco mais recôndito: “Where the secrets lie”. Quando Nick Cave canta “red right hand” a precursão ressalva uma pontuação de metais a estalar e a realçar uma luz tenebrosa como a do último estertor, “boy”, “destroy”, “he`s a man, a guru?”. “Yeah”. O enigma é contínuo: “fucking insect”, a prova encontra-se no sangue que alastra pela sua “red right hand”. Solo da guitarra. Nick Cave dança e varre o público com o seu olhar de quem conhece o poder da maldição que persegue e que é perseguida. A progressão que The Bad Seeds promovem é de um remoinho em construção “out of nowhere”, a voz suplica para que estejamos a salvo do criminoso e que nos escondamos num bunker onde é imperativo o silêncio: “turn it off”. The Bad Seeds encetam uma explosão timbrica distorcida que coloca “red righ hand” num código de urgência que paradoxalmente clama para a fuga ou para que enfrentemos o predador sexual. Ovação. “Thank you! This is a ´Weeping Song`” o meio tempo é denso mas simultaneamente alegre, a melodia imperturbável é inserida pelo teclado, a voz grave de Nick Cave: “Father, why are all the women weeping?”. “And why are all man weeping?”. Reposta sobre o fraseado do teclado: “This is a weeping song”. O baloiçar do ritmo corresponde ao de uma mãe com o seu recém nascido nos braços: “Father, why are all the children weeping?”. A progressão é determinada pelo solo do violino de Warren Ellis, que resulta num contínuo adensar de uma melodia que apesar da sua beleza exibe compulsivamente a sua sombra negra sob o luar. Solo do violino. “Oh father tell me are you weeping?”. “So sorry father”. A resposta como uma súplica e uma acusação: “This is a weeping song”. O filho é bastardo: “But I won't be weeping long”, The Bad Seeds em catarse emocional devidamente dramatizada, pungente arrogante e brutal, grotesca é a sua beleza. Palmas. “Thank you! Obrigado! What do you want to hear? This song is call ´Jack the Ripper`. Beautiful song and is dedicated to everybody!” . The Bad Seeds desferem acordes tensos/densos por serem como um movimento circular dilacerante, há um ritmo que se ergue num blues a verter sangue negro pelas veias. Pausa. “I got a woman”. A voz de Nick Cave é inscrita num deflagrar das vogais: “I got a woman”. “She rules my house with an iron fist”. Coro: “YeahYeahYeah”. “A woman”. Coro: “YeahYeahYeah”. O narrador da fábula : “You know the story of the viper?”. “It`s long and lean with poison tooth”. “OH Yeah”. Bad Seeds introduzem uma progressão de acordes secos/densos fraturantes numa tortura em que impera o sonho como o último reduto a ser rejeitado. “YeahYeahYeah”. “She screams out Jack the Ripper”.“Warren what`s next? Going to ´Tupelo`”: A guitarra em paralelo com os teclados estabelecem um jogo de cumplicidade tétrica, a batida de Jim Sclavunos é seca mas em crescendo, a marcar o compasso de uma voz que é projectada como se estivesse a perseguir uma melodia fúnebre composta para um assassino que esfomeava as prostitutas antes de as retalhar. A violência progressiva e inconstante The Bad Seeds reflectem a maldição e a bênção de quem nasceu em “Tupelo”, Nick Cave suplica por “ The Beast it cometh, cometh down”. E adverte: “O God help Tupelo! O God help Tupelo!” The Bad Seeds violentam os versos incendiando-os num sopro de gasolina: o pregador prevê: “The black rain come down, water water everywhere” o diluvio irá invadir Tupelo, a cidade marcada pelo nascimento de Elvis Presley: “The King is born in Tupelo!”. “We Real Cool” é construida a partir de uma continua contenção do baixo com um ritmo tenso/seco que a circunscreve a uma constante fantasia em que impera um ser diáfano: “Who bought you clothes and new shoes, And wrote you a book you never read?”. O dom da ubiquidade tem o poder supremo e único para responder a estas questões que albergam a imagem dos três reis magos na empresa de revelar ao menino Jesus o Mundo através de três elementos inorgânicos. “Who was it? Yeah you know, we real cool?”. Quando surge a palavra “cool”, a melodia adensa-se mas paradoxalmente ganha luminosidade incutida pelo violino de Warren Ellis. “Your high flying, high flying, high flying heels”, denso negro flutuante, alma chã e cão sangrento, cadela virgem com cio. “And I hope Your listening”. The Bad Seeds emergem continuamente com destaque para o laivo discreto e pernicioso do violino, Nick Cave levanta e abre os braços lentamente a oferecer a sua ironia travestida de padre de uma igreja católica do século XXI. “You are real cool”. “The past is the past and it's here to stay, Wikipedia's heaven”. Palmas. “The Mercy Seat” é inicialmente dominada pela guitarra acústica com os teclados a inunda-la de uma escravidão vilipendiada em cada acorde grave, a bateria faz a marcação apropriada para soar como os sinos de uma igreja repleta de almas sepultadas. “The face of Jesus in my soup”. Nick Cave constata que a sua personagem não deseja que o futuro surja: “And the mercy seat is waiting”. “And I think my head is burning”. O ritmo cresce assim como os acordes sanguinários: “An eye for an eye, a tooth for a tooth, and anyway I told the truth, And I'm not afraid to die”. A progressão liberta uma tensão que a melodia dramatiza continuamente e a voz de Nick Cave rude: “ I hear stories from the chamber, how Christ was born into a manger”, o criminoso projecta-se em Jesus, “Died upon the cross”. “In Heaven His throne is made of gold”. O condenado à tortura: “Down here it's made of wood and wire”. “And my body is on fire, and God is never far away”. Com o recrudescer do ritmo instaura uma demencia que prevalece como uma prece de um pecador que teme os homens que se substituem ao poder supremo de Deus. A repetição dos acordes do baixo e a batida da bateria em aparente contra ritmo, marcam “Stagger Lee” com um rock/blues em constante decomposição, um cadáver suficientemente belo para ser amado. “His woman threw him out in the ice and snow. And she said: ´Never ever come back no more`. Stagger Lee.” Os teclados são cúmplices do criminoso “Stagger Lee”, que assassina empregada de mesa: “Cause Stag put four holes in his motherfucking head”. Quando surge “ Nellie Brown”, conhecida por “make more money than any bitch in town”, as teclas narram a proximidade de um acto próprio de um Serial Killer que apenas reconhece a realidade se esta corresponder ao seu espelho. Nellie Brown vê o cadáver da empregada do bar com a cabeça esburacada com quatro tiros na cabeça, receia pela vida e oferece o seu coiro gratuitamente ao criminoso. A intencionalidade da métrica blues dark vai agudizando a sua perspectiva, com a narrativa a derivar para um predador sexual disposto a “I'll fuck Billy in his motherfucking ass”. “Stagger Lee?”. “Yeah, I'm Stagger Lee and you better get down on your knees, And suck my dick, because If you don't you're gonna be dead”. Palmas. “Thank you! Obrigado amigos this is called ´Push The Sky Away`". As harmonias do Hammond remetem a canção para uma leveza que as estações do ano são incapazes de reproduzir. Nick Cave “The sun is rising from the field”, e a melodia ergue-se devagar como uma andorinha a voar em direção ao céu com o intuito de se transformar numa estrela cadente. “I've got a feeling, I just can't shake”. “Keep on pushing, push the sky away”. “You've got everything you came for, if you got everything, and you don't want no more”. Coro: “Keep on pushing the sky away”.

Nick Cave and The Bad Seeds, “Push the Sky Away”, 30 de Maio, Optimus Primavera Sound Porto @ Parque da Cidade do Porto