sábado, 23 de abril de 2022

Stoner

O Teatro Aveirense apresenta os Três Tristes Tigres que no total são seis músicos ligados electricidade (excepto a harpista) dos quais se destacam os mentores: Alexandre Soares (guitarra eléctrica) e Ana Deus (voz) a linha que fluentemente apresentam é a da electrónica que progressivamente se torna ora incomodativa ora sedutora mas é nesta dualidade que se encontra um centro sonoro que se espraia com o intuito de se dividir entre o bonito e o belo e é este último que tem ascendência sobre o primeiro, mas esta beleza é incomodativa porque provoca inquietação que se de uma forma ou de outra é acutilante porque recorre à repetição para que assim seja passível de ser assimilada e nessa medida ter cabimento como estética que se liberta das suas condicionantes formativas (ou assim o pretende) e procura evolucionar num sentido que se estava proibido seria por falta de experiência por quem tentou bater nessa porta blindada e construir um fluxo que se corre para o mar (como sucede com os rios que nasceram para desembocar numa área bem maior e complexa), a amplificação de elementos que parecem ter origem numa tribo que consigna ao coração o seu poder supremo e que a partir do qual reconhecem à realidade um contexto que se imerso nessa complexidade detona numa violenta extroversão e que pretende revelar algo de novo que transmutará o espaço e o tempo em outros espaços e tempos que sucessivamente são o futuro e o passado num vórtice que não consegue fazer desaparecer o contexto em que a música faz ressurgir um outro presente, a documentação do tempo psicológico é um compasso que se reporta a inúmeras texturas numa continua circularidade que incute dois binómios: um segue por uma melodia que é (por vezes) de uma aspereza cruel e que detona um mal-estar que ninguém pretende prender ou segurar e segunda uma maliciosa melodia pulsante que irriga o corpo das canções, se há dissonância é num organigrama em que o organismo se contrai e desconstrui como se fosse o apelo sedutor da autocombustão deste efeito poderiam surtir diferentes sinónimos para justificar esse emaranhado distorcido que discorre no interior do absurdo, a lentidão liderada pela harpa consigna a algumas canções um misto de volúpia onírica pop que revela uma delicadeza que se fosse um sentimento seria o amor ou a perda desse (aparente) eterno sentimento mas a crueldade é revelada pela fragilidade da condição humana, o rock apresentasse segundo ditames que revelam a sua raiz é por sistema invertido e alterado para um registo que se revela numa máscara que é a da angustia ou do desespero que deliberadamente se entranham como se fossem um misto de veneno com água baptismal: esta viscosidade escorre tal ácido sobre um espelho e retalha-o segundo uma estrutura que faz emergir uma beleza profunda, se há espaço para que se reflicta numa turbulência pop/rock e surja um outro entendimento quer seja com os sentimentos seja com a realidade que a rodeia com a perspectiva de que há esperança para lá do reflexo…

Três Tristes Tigres, “Mínima Luz”, 22 de Abril, Teatro Aveirense, Aveiro.