domingo, 26 de maio de 2013

Book of Mercy

Mark Steiner sobe ao palco do Teatro Aveirense e empunha uma guitarra eléctrica, que alterna uma sequência de acordes agudos e graves num ritmo rock and billy, a sua voz é preponderantemente grave: “I`m tired of this city”. “Mistakes”, os acordes repetitivos são desferidos rapidamente aumentando-lhe a carga dramática “this skin”. A declaração em forma de confissão derrotada e derrotista: “like a ghost”: “Woman and alcohol”. As cores adensam-se num black billy, “I`m just an angel who lost his wings, went to the sky and lost his skin”. “I`m so tired of this town”. Palmas. “Muito obrigado. Meu nome é Mark Steiner e ´Estes são os meus Problemas`. This next song is about Rowland [S.] Howard. A friend of Mick Harvey who you are going to see tonight. Google Rowland [S.] Howard”. Os acordes da guitarra são ritmados de forma pouco espaçada, mas simultaneamente contida, a partir da qual se sobrepõe o canto ligeiramente mais agudo do que na canção anterior. “Cigarretes”. Sobre o dilaceramento da guitarra canta: “Overdose”. O lamento após acordar do trance: “Why I`m here?” . A melodia é black billy. “Overdose”. Palmas. “This `s my third time in Portugal. I love Portugal”. A guitarra introduz acordes dormentes, Mark Steiner canta pausadamente num timbre semi agudo e grave, uma lâmina que corta sobre “my heart is with you”. “To recall out of me”. Surge um mulher composta por uma túnica branca com uma tiara a segurar-lhe a franja, a luz ilumina o rosto de Tracy Vandal. O seu timbre é de veludo negro que responde ao seu interlocutor como se estivesse a induzi-lo numa lullaby perniciosa: “Trough the years”, “broken”, “I can`t wait for you”. Tracy reza uma tragédia anunciada: “You still love me”. As duas vozes juntas: “And all I want, and all I need”. A voz de Tracy Vandal é um canto irresistível, flutuante e acutilante, belo e feio: “You”. “Youuuuu”. “Youuu”. A guitarra é cúmplice de Mark Steiner, ao se assumir como a testemunha do amor secreto que os une, a súplica: “I can see you?”. Tracy Vandal: “You can see me”. Mark Steiner: “Desire”. Tracy Vandal: “You can walk”. Tracy e Mark: “And all I need is you”. A guitarra eléctrica suaviza a sua intervenção assumindo uma perspectiva pop. Tracy e Mark: “And all I need is you”. Palmas. “Anybody knows this woman?”. Ouve-se uma voz do público: “Tracy Vandal”. Os acordes que Mark Steiner introduz na guitarra são de rock com origem nos Clash. Que impregna a terceira canção de uma urgência que se repercute como uma lei imposta para ser corrompida. A voz de Mark Steiner é grave e funda: “Night or day?”. “Dream”. “Away”. “Black and white”. O ritmo diminui, e a voz de Mark Steiner é predominantemente aguda “be with you”. Tracy Vandal retrai-se no eterno medo de se enclausurar no amor: “is passing me at the speed of the light, I`m afraid”. “Belive in me”. Tracy Vandal e Mark Steiner: “Changes”. O ritmo acelera, “I need to be with you”. Mark Steiner informa o público: “Last night I was in Coimbra”. Tracy Vandal: “And can you remember?” (ri). O cantor americano introduz acordes predominantemente agudos da sua guitarra, num ritmo lento, “beautiful thief”, “my heart”, “no longer be free”. “Beautiful thief”, os acordes da guitarra aumentam ritmicamente. Tracy Vandal intervém como se fosse a voz da tragédia: “My life”, “the last thing I need”, “dreams”, desorientada ignora quem esteja “wrong or wright”. A sua voz é um sopro no escuro: “OOOO”, “OOOO”. A guitarra propõe uma crescente agressividade, Mark e Tracy: “Beautiful thief”. Tracy Vandal: “Who can give you back your heart?”. Sobre os acordes em gradual quebra, Tracy Vandal exibe a mascara de cobra egípcia: “We have a problem, I think I`m still in love with you. So you are the thief”. Palmas. (Tracy Vandal abandona o palco). “This is our last song. In the end you can have a cigarette and have some stuff”. O público ri, Mark, aproveita para concluir: “I didn`t mean some drogas but merchandise”. Surge no palco uma mulher magra, veste de negro, e segura nas mãos um contra baixo eléctrico, chama-se Rosie Westbrook. “The sea of disappointed”. A guitarra eléctrica está alinhada na semi distorção com delay, as palavras são cuspidas por Mark Steiner, marcadas pelo veneno do ódio e da autopunição: “I ´m sorry”. O contrabaixo eléctrico acompanha o ritmo agressivo da guitarra tentando ocupar o espaço vazio que a raiva naturalmente não permite. A separação entre um casal: “I'm worry”. “You don't worry”. As lágrimas que lhe toldam do rosto têm as propriedades amargas do sangue: “Taste of tears”. “But you don`t worry”. O baixo insere a sua vertente pulsante equilibrando a balança “wrong”, a voz: “don`t be sad girl”, “tomorrow”, “don`t be sad girl”. “Hey”, o ritmo gradualmente decresce e a voz de Mark Steiner ganha corpo esotérico: “I`m floating”.
Surge Mick Harvey (guitarras) acompanhado por J.P. Shilo (guitarra/violino) e Rosie Westbrook (contra baixo eléctrico). A primeira canção é dominada pela guitarra acústica do cantor australiano, o ritmo é lento, mas a forma como Mick Harvey canta é compassada: “You say”, “glass of wine”, “me”, “drunk”, “In the end I`ll be fine”. Entre o cantado e o declamado: “If flowers dancing in the sea”. J.P Shilo remete a sua guitarra numa contínua expectativa que acompanha o narrador pela tragédia romântica, “never being”, “time and space”, quando a guitarra e o baixo se intrometem a canção ganha um fulgor inesperado mas que é quebrado pelo lugar comum: “Glass of wine”. Palmas. As guitarras eléctricas dominam “I told you boy” estabelecem uma progressão crispada através da qual rejeitam “sang this song of sadness”. A voz de Mick Harvey perde o sentido folk rock da canção anterior mergulhando numa textura de tinta permanente: “Book of the day”, “me”, “writing”. “Song of the book of the days”. O diário de quem bebeu a porção mágica: “Rock and Roll poison”. Quando Mick Harvey canta: “I told you boy” a sua voz ganha um timbre de uma entidade que o alertou para o enigma que desaparece quando o futuro é concretizado. As guitarras de J.P. Jhilo e Mick Harvey, instalam um ritmo minimal descontínuo próximo da tortura: “I told you boy”. “Flowers”. “Torture”. Canta: “If I write a song for ´The book of the Days`”. No terceiro tema Mick Harvey enverga uma guitarra acústica e o seu ritmo impõe-se ao baixo e a guitarra eléctrica. Esta pontua-a com uma lenta intromissão: “Birds sing”, a voz prolonga as frases procurando fugir à métrica da sua guitarra, “city (OOOOO)”. Os acordes crispados de Mick Harvey são penetrados transversalmente pela guitarra de J.P. Shilo, gradualmente tornam-se exasperantes porque marcam na nossa consciência a necessidade absurda da inconsciência. “Can´t find”. Palmas. Na quarta canção a guitarra eléctrica de Mick Harvey reflecte meios tons e a sua voz alastra num chamamento de uma história de um “young man”. A narrativa versa um crime cometido por seu pai: “Kill the wife”, o jovem fica sozinho após “mother`s dead”, o violino acende chamas finas de uma alma que está a abandonar o corpo. Mick Harvey declama: “So this history can`t be told”. E num suspiro onde impera uma profecia: “Caaaaan`t”. Caaaaan`t”. O violino impõe num negrume cintilante: “It`s forbiden”. Mick Harvey dirige-se ao escasso público convidando-o: “just spread out. Make you confortable”. A guitarra eléctrica de Mick Harvey insere os acordes sustenidos da quinta canção, a guitarra de J.P.Shilo convoca pontualmente notas agudas, ele é o negativo de Mick Harvey: “Trouble dream”. O solo de J.P. Shilo é um gradual mergulho numa lava que ao escorrer sobre a terra queimada cria uma nova paisagem, é a natureza a cúmplice de Deus? A voz de Mick Harvey encontra-se entre o falado/cantado numa ligeira aproximação ao canto celta, “child too old”. A guitarra de J.P. Shilo remete os agudos para um universo subaquático mas com o mar revolto à superfície, “go child go”. A frieza e a passividade do contra baixo permite a J.P. Shilo intervir como se estivesse a rasgar o ventre de uma grávida da qual lhe é retirado um bebé “cry”, o Messias é identificado, “child is a stranger”, e a guitarra de J.P. Shilo emerge num lodaçal de esperança: “God help me”. Palmas. “Thank you very much. Kind people of Aveiro. We are going to play some songs from the new album”. A cadência da guitarra électrica com a semi acústica insinuam um ritmo marcadamente slow, J.P. Shilo é responsável pelos solos que procuram desconstruir a sexta canção e importa-la para um domínio do desconhecido, mas indubitavelmente impregna-a de uma densidade negra. Mick Harvey canta/fala: “Joy”, “hammer”. O ritmo da sétima canção é crescente e em paralelo, com o contra baixo eléctrico de Rosie Westbrook a suportar a progressão imposta pelas guitarras. O canto de Mick Harvey é seco e contido com ligação a um órgão interno que lhe atinge as pulsações cardíacas. “I sang”, “the unseen”. As guitarras revelam-se através de uma sequência rítmica que modela a cor dos acordes fulminando-os com inesperada luminosidade. “I pray the earth”. “I sang”. “Summer sky”. As guitarras aumentam a sua cadência importando a canção para o centro do sol. “To the unknown”. Palmas. Os acordes ostensivos das guitarras inscrevem a oitava canção numa vertente assumidamente rock, sobre os quais canta Mick Harvey: “Sometimes”. A crescente circularidade repetitiva dos acordes são devidamente perturbados pela guitarra semi distorcida de J.P. Shilo. “Lá”. “Lá”. “Lá”. Os acordes das guitarras são predominantemente agudos e ligeiramente distorcidos. “Sometimes”. “OOOO”. O trio marca um compasso decrescente e inscreve na melodia as coordenadas estéticas do blues de inspiração satã. “Child playing”. “OOOO”. Palmas. “Obrigado! This is our last gig here…and it`s being nice here. Obrigado”. Os acordes das guitarras são rápidos e concisos: “I wish I was stoned”, a guitarra eléctrica de J.P.Shilo insere um solo descontinuo que amordaça o ar nos pulmões: “Happy on your own”. A rapidez da métrica endossa-a para o domínio do inconsciente, onde prevalece como um avatar sanguinário. “Cowboy”. “I wish I was stoned”. Palmas. A guitarra Mick Harvey introduz os acordes de forma espaçada algo que lhe permite alternar as estrofes entre o falado e o cantado e assim institui uma oração celta com a conivência do violino de J.P. Shilo. Verso falado: “This eternal fear”. Verso cantado: “Love is something to be found”. Verso falado: “She left her man”. Verso cantado: “And he sang all night long”. Os instrumentos alinham numa progressão gradual, pausa, “open your arms tonight”, “lost his pride” a melodia celta desvanece-se quando o violino rejeita a sua componente decorativa e assume-se dissonante. “To the heaven”. “Way”. “And he took his life”. “A toast”. Cantado: “All might bring”. “In this trial song”. “Open your eyes, open your tongue”. Palmas. A programação rítmica insere um beat que ganha forma gradualmente, com as guitarras a instaurar uma melodia áspera completada pela voz entre o desespero e a resignação: “Still be a woman”, as guitarras isolam-se do ritmo, repetindo o mesmo conjunto de acordes em simultâneo. “Day”, o trio ganha uma rugosidade rock, “thank God”. “Take my hand”. “Ready for the last finally?”. Palmas. “I'm going allwright. How is your Saturday night?”. A introdução é realizada pelas guitarras, com a de J.P.Shilo mais rápida do que a de Mick Harvey, sobre esta surge o lamento: “For all the memories gone too soon”. “Feel this way”. “Turns around”. As guitarras recrudescem: “Fell this way?”. Impõe-se o meio tempo impregnando-a com uma melodia impiedosamente negra: “I wanna be too”. “I have to say, why does it make you feel this way?”. “I have to say, why does it make you feel this way?”. “I have to say, why does it make you feel this way?”. A décima terceira canção já se encontra fora do “main set”. As guitarras dominam agressivamente com a semi-distorcida de J.P Shilo em pontual descarga de raiva: “Make love to me”. Por contra posição ao rosto gentil e sereno que suplica: “I do anything”. O parternalismo do amante: “I want to protect you” para sempre “in slow motion” o contra baixo eléctrico pulsa febrilmente, “fall in love” para sempre “in slow motion”. A escravidão do amante: “I do anything to see you again” o ritmo aumenta gradualmente: “I do anything to see you again”. “I do anything to see you again”. Os três músicos abandonam o palco do Teatro Aveirense sob uma contínua salva de palmas. A penúltima canção “is for a friend call Bruno…”, mas que acaba por dedicar ao técnico de som homónimo do seu amigo. Palmas. O tempo pausado da canção, sublinhado pelas guitarras em uníssono, “to be part of me”, “always be a start”, “the lethal vision”, “to be part”, pausa, com as guitarras a assentarem sobre o ritmo slow do baixo, relvando-se através de um perfil pop. Palmas. Cada uma das guitarras apresenta os seus acordes alternadamente, a voz de Mick Harvey divide-se entre o narrado e o cantado, como se fosse uma ode a favor de “one man rocks” que se revolta contra “a man toy”, “one man step” a guitarra de J.P.Shilo soa transversalmente ao ritmo lento. “Plesure”. “Gay”. Questiona o público: “Who`s wrong? Who`s wright?”. A melodia country parece desarticulada com a narrativa contra a morte prematura de um “angel”, “any fear”, “man dream”. A moral de contornos absurdos: “One man daughter makes other man cry”. A profecia: “The storm she brought”.

Mick Harvey e o convidado especial Mark Steiner & His Problems, 25 de Maio, Teatro Aveirense @ Aveiro

domingo, 19 de maio de 2013

El Amor en Los Tiempos del Cólera

A cegueira compulsiva de um poeta de um metro e oitenta, registado com o apelido de Reininho sobe ao palco instalado no Estádio Municipal de Leiria acompanhado por Jorge Romão (baixo), Tóli Cesar Machado (guitarras/piano e acordeão); uma outra guitarra de Andy Torrence, bateira e teclado/programações. Os acordes são densos e o ritmo mecânico, como o mecanismo de um relógio que marca segundos decrescentes e crescentes para entrar num tempo psicológico onde “vejo um rio”, Douro ou Tejo, noite e dia, loucura e sanidade, amor “ vejo destroços de metal a flutuar”, toca o despertador “sinos sinetas ao acordar” e a obsessão não “para de martelar”. Rui Reininho dá marteladas na cabeça para alertar da facilidade com que surge o abismo que conduz à loucura gerada a partir da razão. A síncope é gerada pelo adensar do ritmo conjugada com os acordes agudos das guitarras, uma em sinal aberto a outra dispara a descarga eléctrica em forma de electro choque, Rui Reininho ganha corpo de animal: “metálicos frios” quase a “enferrujar”, “veias estalando, matéria por soldar”. Rui Reininho é como “as naves que eu construo não são feitas para navegar, aguentam a violência de um beijo mas nunca a do mar”. “Sexta-feira (Um seu criado)” opõe-se ao negativo pop de “Sete Marés” ao se inscrever numa tónica rock com direito a bar aberto numa despedida de solteiro “era tal a bebedeira”, que afunila os sentidos: “ninguém sabia onde era o mar”. Quando o hammond intervém: “falta a tua confissão”, insere-lhe uma alma soul. “É Domingo na Madeira”, “No Funchal há um buraco na Madeira ninguém vai levar a mal”. O hammond sobressai por entre o jogo das guitarras, como se fosse “beija mão”. “Já não soube com quem falei”. O solo curto (semi distorcido) da guitarra, e o hammond respira e expira, “falta a tua confissão”, “Já não dá, já não dei”. A progressão é imposta pelas guitarras, a voz do cantor/performer Rui Reininho mergulha na muralha do black out: “Já não dou nem para o Dj”. “Boa noite! Já não jogávamos em Leiria há muito tempo! Agora para aquecer uma música brasileira, romântica”. O teclado assume-se como o elemento predominante, ao introduzir os acordes da música pop que celebra a Primavera: “Pássaros estúpidos a esvoaçar”, as teclas impõe sua omnipotência circulando por “Efectivamente” como uma contínua radiação ultra violeta, o poeta convive com “o riso das crianças dos outros”; e como em qualquer outra localidade: “Efectivamente em Leiria é diferente”. Sobre o timbre do teclado pontua a guitarra semi-acustica de Tóli Cesar Machado, sublinha uma delicadeza exasperante “de quem anda a engatar” . E a eloquente ironia: “como se fossem mafiosos convictos habituados a controlar”. E a figura tipo é escondida através do olhar de um voyer, solo da guitarra de Torrence, “Efectivamente gosto de aparências”. O poeta transfere-se para o actor que ouve mas nunca presta a atenção: “Aparentemente escuto as conversas, efectivamente sem moralizar”. Reininho junta as mãos junto à boca como a rezar e em simultâneo a agradecer as palmas. “É muito bom sermos lixo ao ar livre. Música sobre a guerra, a pedofilia e a psiquiatria. Enfim chama-se: ´Tirana`”. O assobio de Rui Reininho, introduz a melodia tropical que assola a ilha “Tirana” durante as estações do ano em que as borboletas voam em direção ao sol. A promessa é uma constante numa descontínua epopeia utópica: “Tirana é um lugar quem sabe difícil de encontrar”, não há medo: “Avançar e tirar”. A delicadeza pop levada ao extremo de uma beleza inatingível pelo olhar, os acordes ondulantes como uma bossa nova pop, uma pele “muito sedutora” mas que tem o poder “de dividir para poder reinar”, a duplicidade entre ser e o possuir, a bateria retira-a pontualmente da sua ondulação: “Bom nome para quem não passou fome”. “Para poder reinar”. O palco é iluminado por um cor-de-rosa dos contos infantis, para induzir o sono às crianças com medo escuro, a guitarra emite um solo contido que é secundado pelo hammond: “2 3 6”, “mais carne para canhão”, o tropicalismo é pejado pelas cores negras do céu de Londres: “para poder reinar”. “2 3 2 1 é só subtrair”. “2 3 6”, “3 2 1”, “2 3 6 para poder reinar”. “2 3 6” “3 2 1” “2 3 6 para poder reinar”. “Temos novos rapazes na banda, isto ainda não é um club completamente homossexual, como o David Gueta! Na bateria Jorge Oliveira”. Os breaks da bateria e os pratos expelem um ritmo respirado, o elemento que insere a melodia é o baixo de Jorge Romão, que peja “Videomaria” da dor irreparável do fluxo sanguíneo pós delapidar a pele da “Península inteira a chorar”. A densidade da melodia agrava-se quando o narrador omnisciente vê “em frente ao altar”, a alma “de um anjo fumegante”, o homem vítima da sua capacidade para pecar sente “um profano desejo a crescer”, mas perde o dom da palavra: “Sinto a língua morta, o latim vai mudar”. GNR emitem uma massa psicadélica-pop, a eterna curiosidade: “Estará a meditar?”. O desejo corre nas veias do performer como se fossem agentes secretos do pecado mortal do amor entre um homem e uma mulher: “Atirem-me água fria”. A purificação: “Atirem-me água benta”. “Fria” (eco). “AiUiAiUi”. Palmas do público. A personagem bíblica: “É Maria”. “Sexy eu sei virgem ou não depende da nossa companhia”. A próxima “música é sobre Vampiros”. A melodia é inserida pelo teclado que delineia o recorte tétrico de “Morte ao Sol” num inóspito serpentear a enunciar: “Felizmente a noite sai”, o teclado carrega nas teclas pretas e brancas, que incendeiam um contínuo negrume. A guitarra irrompe como um raio de luz, sólido e flutuante, “estou contente se a luz se esvai”, as guitarras conjugadas criam e delapidam um diamante, que estoura nas mãos do baterista, forte sobre o bombo, e a guitarra sola em êxtase. A hipótese: “Se o amanhã perdido for”. A lei: “Eu declaro morte ao sol”. “OOO”. “Aí vem a dor”. Sobre a melodia constituída por um vácuo, irrompe um solo semi-distorcido. Vê-se ao espelho: “imagem atroz”, haverá alguém mais cruel? “Eu declaro morte ao sol”.“Aqui em Leiria não vale a pena falar em inglês nem em italiano”. “Bellevue”, é transgressora em dois níveis: o canto, que se desdobra numa contenção dilacerante, que nota após nota, verso após verso, acompanha a segunda parte que corresponde a uma valsa pop noir, “a tensão do medo puro”, a densidade acentua-se numa contínua marcha sobre as artérias de Paris. “Encosto ao vidro um anel de brilhantes”, é a tentativa de entrar, “sabem que me escondo na Bellevue”. O local onde decorre o drama: “cama de dossel”. “Ninguém comparece ao meu rendez vous , salto para cima experimento o colchão, onde era sangue era apenas menstruação”. As suas vítimas: “Os meus amigos no fundo do jardim”. A solidão: “Agora mais ninguém confia em mim”. O supérfluo: “Os corpos no lago eram de jovens no desemprego”.“Um peseudo-hit, do ´Retropolitana` [marca os rrs] ´Rei do Roque`. O meu nome é Rui Reininho”. A programação insere um ritmo duplo, mas gradualmente espaçado e dengoso, emitido das colunas de uma discoteca à beira mar, por entre a savana cheira-lhe a “fêmeas fatais”, em redor do predador “Macacos imitações”, o teclado insere o fraseado sobre o qual canta o apelo: “Rei da rádio dá-me a voz”. A massa rítmica gradualmente aumenta numa progressão acentuada pela intervenção do Hammond e do sintetizador: “cidades tão banais”. A guitarra de Tóli Cesar Machado recria os acordes vitais de “orações”, “Rei do Roque dá-me a voz”. “Rei do rock canta por nós”, GNR tomam a forma de uma estrutura pop que responde ao instinto do psicadelismo: “morreu por nós?”, pontuado pela guitarra eléctrica como a perfurar a hipnose que gradualmente se instala e que transforma GNR numa conjuntura sónica que converte “Rei do Roque” em reis da psicadélica. “Vou cantar uma canção, muito bonita, sobre as mães: ´Diário de Milú`. No piano forte Tóli Cesar Machado”. O piano insere a melodia, entre o negro e o cor-de-rosa choque, a bateria o ritmo de um coração faminto por um amor de romances de cordel. A natureza revela-se cenograficamente: “na casca de carvalho”. O cantor/performer canta como se fosse uma sereia: “onde o céu ficou para trás”, o canto a profunda revelação: “És única a dar gás”, os teclados formam uma rede kitsh pop, ela é a “rainha das marés”, a paixão: “salto para os teus” como se fosse para o escuro onde é penetrado esse “atalho” e se sacia com “dentes de alho”. Ergue a bandeira: “Uma forca e um martelo”. Ecoa um laivo beatleano. “Eu caio aos teus pés”, de súbito a progressão dramática inscreve “Unika” numa nave conduzida por um remoinho transgressivo que toma de assalto o slow pop. “É como a EDP”. Rui Reininho encarna os ditadores da Tree Gorges: segura junto a si o tripé do microfone através do qual discursa em chinês: como se fossem zetas a trespassar o público. “Só depois de pé atrás”. “És a rainha das marés”. “Gás” o teclado insere a progressão, “trágica a canção”, a guitarra solo discorre ligeiramente distorcida enunciando o fim. “Andy Torrence on the guitar”.“Vamos a las vagens a ´Las Vagas`”. GNR, concebem sonicamente uma estrutura ondulada com sincope estratosférica perpetrada pela guitarra semi-distorcida, com o baixo com a bateria a suster “a macro onda”, os pontos sonoros formam no espaço uma quadratura do circulo: “Vista dali da marina”. A guitarra expande-se e retrai-se circularmente. “AAAA”. A textura da melodia enruga-se progressivamente: “perdes todos de quem gostas”. “Eu serei a gorda”. “Não havia vaga”. “Licra”. “Eu sou um peixe fora de água”, a voz de Rei Reininho ecoa, a guitarra eléctrica destravada, Reininho dança: abana as ancas e levanta os braços para à frente do seu peito. Aplausos. “Uma música transexual chama-se ´Voos Domésticos`”. O timbre que sobressai é o dos teclados que lentamente desenham a melodia com origem nos bares bafientos de Buenos Aires, que sublinha a proximidade de uma tragédia amorosa, de um amor em tempos de cólera. O timbre de Rui Reininho sublinha um abandono letal, “Ai a turbulência é da tua ausência”. Soa o bombo: “soa a campainha”. Aviso à navegação: “Só pago a sobremesa”. E o emissor pontua as vogais com delicadeza que é incisiva: “Adivinha quem sou eu”, a voz da sua consciência: “Sou a turbulência”. E em spoken word: “De pé os portugueses e as portuguesas na cama!”. O solo do piano impõe um crescendo rítmico num prenuncio emitido pela “Torre de control”, e a voz canta como um gato com vertigens: “adivinha quem é?”. Jorge Romão confere-lhe uma violência contida e precisa: “Ai a turbulência, doméstica violência”. A guitarra eléctrica de Andy Torrence desfere rápidos acordes mas em regime introvertido, a voz segura-os em continua possessão à espera do exorcista, que dê a água benta: “Eu bebi sem cerimonia o chá”, a guitarra gradualmente abandona a introversão e revela uma tropicalia da Bahia tóxica: “Ana Lee ópio do povo”, “tigre de papel”, a voz de Rui Reininho sobre os acordes da guitarra que “abrem” e que traz consigo GNR e consequentemente uma paisagem com personagem de um conto de fadas tropical: “Se ela se põe de vestidinha”, a pretensão: “deixei-a a sonhar por mim”. “Ana Lee”, “nada de novo”, “triângulo dourado”. O Tóli Cesar Machado tem uma guitarra nova “como a do gajo dos Depeche Mode”, aparentemente semi-acústica mas com uma forte munição, da qual desfere os acordes de “Personal Jesus”. Rui Reininho imita a dança languida de Dave Gahan: braços levantados e em movimento e ancas endoidecidas. Insulta o actual Ministro das Finanças: “Gaspar ó caralho!”, o público apupa, “não falamos de política!”. “Assas” é uma erupção de raios azuis onde “flutuam mil casas no ar”, o meio tempo consigna-lhe uma preguiça proporcionada por uma temperatura tropical, gradualmente devastada pelas guitarras que paradoxalmente emitem raios ultra violeta, “aconteça o que acontecer”. Os meios-tons do piano conferem à “Pronúncia do Norte” uma alma imersa no Rio Douro: “Lá do fundo donde eu venho”, a voz do Norte, “É a pronúncia do Norte”, a denúncia: “Os tontos chamam-lhe torpe”. O piano canta: “É a pronúncia do Norte”, “hemisfério traga outro forte”, é a prece proporcionado pela hipérbole: a bussola “aponta sempre para Norte”. Escorre o “rio para o mar” (eco). A paisagem é de contornos naturalistas, “as searas secaram”, “é um prenúncio de morte” (eco). Acentuada pela intervenção do acordeão de Tóli Cesar Machado, “caminhos novos para andar”, e que substitui o piano como se estivesse a tocar em almas de marionetas portuguesas confrontando-as com a sua mortalidade.“E para vós provar que tem sido uma vida maravilhosa”. A poética surrealista: “quando o barco tem pés para andar”, sobre o compasso rítmico que gradualmente se eleva em altura e em intensidade, dramática a realidade: “E quando a maré negra chegar”. No refrão-prece: “lá no fundo do mar imenso imundo sais”. Rui Reininho projecta a hipnose através da poesia que tem dois emissores: um questiona o outro sugere uma tragédia económica e social. GNR sublinham uma melodia melancólica sustida por Jorge Romão, “se ainda se ama o mar salgado” , “então vai ver se ainda ´Há Lodo no Cais”, “muito cuidado atina”. O sintetizador confere-lhe uma vertente da pop dos anos oitenta, “se o pescado mora ao largo”, mas o e se o “medo impera e vais longe mais”, “muito cuidado atina, voltas ao Cais”. O bombo insere o ritmo compassado de “Dunas” e Rui Reininho anuncia que vai beber um “chá”. Sente-se um frisson provocado pela ansiedade por parte da multidão em trautear a melodia que retrata um dia de Verão passado nas “Dunas, saltamos rochedos como na TV”, a inserção do acordeão confere-lhe um timbre que repete as notas do refrão: “Nas dunas, roendo maçãs”. “Nas ondas da manhã”. “Em câmara lenta como na TV”. “Onde?” “AAAA”. Rui Reininho coloca no pódio “Tóli Cesar Machado a trinta e três anos à frente desta merda!” , ladeado por: “António Manuel Ribeiro e os Xutos&Pontapes”. Reininho imita a gestualidade contida de Morrissey e da sua boca sai um inglês fleumático: “Can you help me with this song? Motherfuckers?”. “Viva a liberdade! Viva esta cidade!”. “Popless”. As guitarras completam-se em regimes timbricos opostos uma mais rude a outra rock and roll, esta realiza os solos, retirando-a irreversivelmente da sua métrica circular repetitiva pop. Rui Reininho dança sob as luzes pretas e brancas. O surrealismo animista: “por onde ela passa a relva cresce”. A excitação do peito “tudo o que sobe também desce”. “Olá, Leiria já que não podemos ser amantes ficamos amigos”. GNR iniciam “Sangue Oculto” com o solo da guitarra a percorre-la continuamente, os breaks da bateria seguem o cantor: “ardem chamas de dois sóis”. A primeira parte da canção é gradualmente contida, a segunda cresce continuamente durante o solo hard rock de Andy Torrence. Rui Reininho encena uma corrida pelo palco com o tripé nas mãos. “Oculto sangue que tenho para dar”. E aprofunda a perspectiva sobre a utopia: “flores são como animais”. A chuva cai piedosamente no Estádio Municipal de Leiria e é iluminada pelos focos vermelhos que incendeiam o palco. “Ao fugir de uma investida”. Dão o corpo às balas através do rock épico, “o fogo uma fronteira”. “Mais Vale Nunca”, é uma lullaby para fazer acordar os adultos que subitamente descobrem que “há um bicho novo para limpar”. As guitarras completam o fraseado infantil do sintetizador, inculcando-lhe um carácter adulto, jogando em contra cena. “Género preguiçoso e letal”. O solo da guitarra é em eco crescente e decrescente. Jorge Romão impõe a pausa, surge o teclado: “Vais ouvir e ver”. A voz prevê: “Mais vale nunca mais crescer”. Continua a chover sobre os presentes. O solo de Andy Torrence corresponde a melodia que GNR canibalizam sonicamente. Subtraindo ao original, “Que tudo vá pro Inferno” (1965) assinada por Erasmo Carlos e Roberto Carlos, a sua vertente romântica popular brasileira, resgatando-a para a pura e simples diversão e impregnando-a de uma ironia letal que desdenha “o céu azul sempre a brilhar”. “Eu quero que vocês me aqueçam neste inferno”. “De quê me vale a minha vida de Ronaldo?”. “E que tudo o mais vá pró inferno”. A chuva dá tréguas e as palmas eclodem, atiram um cachecol do União de Leiria ao Rui Reininho: “Um beijinho para o David Fonseca”.

GNR, Estádio Municipal de Leiria, 18 de Maio @ Leiria