segunda-feira, 24 de julho de 2017

Obscenity and Arts

A lua é uma prostituta que se vende graciosamente à terra que depende da natureza para existir e que é indispensável à fruição dos dias luminosos de Verão como o que se extinguiu há horas e que me dilacerou o coração que se inundou de sangue como se estivesse a ser vítima de uma overdose de cocaína; as lágrimas estão acumuladas nas minhas pupilas à espera que o dique ceda à pressão da mais violenta e inexpugnável dor; ergo uma arma de plástico e aponto-a sobre a minha cabeça derretida e quando carrego no gatilho oiço um estoiro que me perfura os neurónios que entram em curto-circuito e os olhos fecham-se e vejo uma estátua de luz que abre os braços à espera da minha alma que nunca coube no meu corpo de anão e entrego-a num envelope selado com baton transparente e esvaneço-me num vácuo onde estou em lista de espera para incorporar num ser vivo mais belo e inteligente do que eu e que não tenha sido amante de virgens vãs; estou numa mata contígua ao parque de campismo de Quiaios e ao recinto onde irá decorrer o Festival WoodRock que estoicamente cumpre cinco anos de estrondos, e que é responsável pelo convite aos Desert Mammooth que estão a tocar sob um toldo num estrado ladeado por focos coloridos, o rock é a raiz das canções que embrulham com o psicadelismo ou o stone, não há nada a apontar à sua execução mas domina um problema transversal que é a falta de soluções que as individualize algo que é redundante e induz ao tédio; quanto aos Legendary Flower Punk inserem-se num quadro heterogéneo que passa pelo funk, rock, psico-rock, flower dance pop, jazz, e transcrevem com primor as diferentes geografias sem que haja percepção por parte do ouvinte, esta elegância é medida segundo o equilíbrio em relação à guitarra eléctrica e à trompete que intercaladamente assumem-se como os centros de um fulgor estilístico épico; os Tau são compostos por dois freaks que se dividem por precursão/teclado/voz e voz/guitarra acústica ligada a pedais e evocam o mantra que misturam com blues e o rock e a pop como se fossem discípulos de George Harrison quando foi para Índia aprender a tocar sitar com Ravi Shankar, e que induzem a um hipnotismo de tal forma sedutor que é capaz de libertar a consciência dos wood rockers, do domínio do m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o; estou sentado ao lado do espírito da Alice que é tão leve quanto o meu e o seu perfume inebria-me e acaricio-lhe o cabelo escuro imaterial como os sentimentos a que as almas estão proibidas de aceder, beijo-lhe o rosto de pedra lapidada num estaleiro de onde zarparam navios com piratas fantasmas e o seus olhos verdes moram nos meus castanhos e partilhamos o amor volátil e irreal que se esvai num tempo paralelo onde seremos felizes a alterar a lógica da vida; encontro-me no recinto do Festival WoodRock e os Duvida 431 esforçam-se por expurgar um hard rock que se limita à sua vertente académica e não são capazes de o transformar em algo urgente e nessa medida revelador de originalidade; os Oddhums executam um metal contido que é interessante mas a repetição de um único mecanismo rítmico infecta as canções de uma monotonia redundante; os Lâmina implementam um metal gótico e aqui inscrevem-se as composições compassadas com as guitarras ora a dilacerarem ou a planarem, mas nestas dinâmicas algo falha e que não é totalmente perceptível ao ouvinte, talvez estas não estejam devidamente equilibradas o que produz um vazio sonoro; já os The Black Willows têm como premissa o hard rock que por vezes roça o metal, de sublinhar que as canções predominantemente lentas ou a que surge a partir da delicadeza da guitarra e do baixo eléctrico são de facto intrusivas; os Correira são um caso do mais puro e sincero rock and roll com origem na década de setenta do século passado mas através de uma vitalidade desarmante; pena que tenham tocado somente duas canções algo que se prendeu com problemas irremediáveis com o bombo; !bah!; os Mr. Niyagi são uns adolescentes que deveriam estar a ensaiar o seu hardcore primata numa garagem próxima, o palco merecia um outro desfecho; a Alice está cada vez mais distante e tenho que me aproximar lentamente para lhe sussurrar que a adoro mesmo que tenha nascido numa casa invertida que irremediavelmente a consignou à infância e nessa medida exerce um poder estranho sobre mim que me faz rastejar “onde nem a bela dona cresce tocando o musgo com a mão” e ela sorri e lança uma gargalhada que ecoa na minha cabeça perfurada com um calibre pernicioso que me libertou da vida; não sou um suicida ou somente um outro suicida como quase todos os suicidas que se suicidaram por não suportarem a merda da solidão; o palco está vazio à espera dos míticos Mão Morta; que o ocupam e vertem as suas canções que estão pejadas de um negrume tétrico que têm um programa político que visa alertar as consciências para a sua escravização por parte dos diferentes lobys que se canibalizam, a postura dos diversos elementos é na sombra deixando o centro do palco para o bailado desarticulado do Adolfo Luxúria Canibal que se expressa através de um canto/falado/sussurado/cuspido quase gutural que induz o suicídio aos que amam o quotidiano, inequivocamente tão violento quanto um punhal a perfurar um coração a palpitar de prazer; os Vodum são um composto afro com um groove tribal que é perniciosamente refrescante e nem a saturação destes elementos os anula, há ainda a destacar a voz potentíssima assim como a postura dominante da cantora negra de vestido de cetim e cabeleira encaracolada; Bala são duas jovens, uma loura a outra morena, a primeira na voz e na guitarra distorcida e a outra na bateria e na voz e as suas descargas são de uma violência tão atroz quanto cruel, e as vozes são um contínuo grito punk que é capaz de libertar a dor a quem a sinta na alma; Alice partiu para um outro corpo onde possa dar continuidade às suas diabruras intelectuais e temo que jamais voltarei para os seus braços compridos de mãos elegantes com as unhas pintadas de luto.

Festival WoodRock, 20, 21, 22 de Julho, Quiaios

Por razões do foro pessoal foi-me impossível ver no dia 22 os Mr. Mojo e Her Name Was Fire, peço desculpa aos músicos e aos leitores.

In loving memory of Chester Bennington


terça-feira, 18 de julho de 2017

Homenagem à Realidade

A luz difusa ilumina dois corpos distantes que dão as mãos em direcção a um horizonte diáfano, onde andorinhas construiriam ninhos de espinhos e assobiariam “Bem-vindo ao Passado” e estátuas transportariam corações feridos por punhais bicéfalos que explodiriam num rasgo exangue; guardo num cofre o sonho induzido pelo ópio; e mergulho numa vertigem invertida onde me espelho num torpor que me divide em personagens que têm em comum uma caixa de ritmos que bate fielmente pelo futuro, entrelaço-me nos braços de uma ninfa que fora abusada por Camões num canto dos “Lusíadas” e segredo-lhe que eu não sou eu nem um outro e nem tão pouco o meu reflexo que se transmuta consignado ao passado, oiço o seu murmurar enigmático em que não me descubro como um ser humano condenado a uma sombra tímida contaminada pela tristeza; encontro-me no OOD (bar) onde confluem os loosers de Coimbra a propósito do aniversário do poeta Alexandre Valinho Gigas que se encontra atrás da mesa do Dj ladeado por Carlos Dias (teclado) e Pedro Antunes (teclado) o primeiro inscreve um contínuo sustenido e o segundo é dissonante a instituir a distopia, o poeta verte o fumo do cigarro pela sua boca e desfere para o microfone: “Um punhal a arder”; “uma pomba a arder”; “conseguirás chegar à praia?”, os teclados inscrevem-se agudamente e angustiantemente e surge um beat de uma caixa de ritmos que lentamente marca a métrica do verso: “Encontrei-me aqui entre mim e a enorme sombra”; “poesia”; o ritmo acelera e “cheguei por isso”, “a mexer cá dentro”; “na distância de ser poeta/ Na distância de ser poeta”; “sou um poeta da vida”; “sou um poeta que grita calado”; “falas da morte”, “quero falar de paixão”, ouvem-se os teclados a suprimirem os silêncios do poeta e o beat é ainda mais acelerado, “sonho inquieto que se vai perder de vista”, “fraterno”, “fixo os olhos”; “uma”, “amor”, “respira respira futuro”, a cadência melódica e rítmica é ondulada mas contida como se fosse a areia de um deserto soprada por Cronos, “o teu futuro está nas tuas mãos”, “solitárias”, “respira o futuro”, “acredita no futuro”, “futuro”, “acredita nos outros”, “mordes nos que acreditam em ti”, e o ritmo sobrevém e não há uma secura na dor do poeta, “como é o futuro?/ Como é o futuro?”; silêncio; e as máquinas retomam uma outra canção seguindo uma cadência lenta; e encontro o meu reflexo no verso: “À frente dos olhos, malvada obra-prima”, a envolvência dos teclados lo-fi induzem à atenção, “carnes gordas”, “obra-prima não sabe nada”, “frio”, há uma aparente dissonância dos teclados que parecem agulhas pontiagudas num urso de peluche, “o inferno é o meu alimento”, “amor”, “o inferno é o amor/ O inferno é o amor”.

Aniversário do Alexandre Valinho Gigas com Carlos Dias e Pedro Antunes, 16 de Julho, ODD