sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Goth

O Festival EXTRAMURALHAS decorre na cidade de Leiria e o seu cartaz é consignado na totalidade ao gótico e aos subgéneros a ele associados. Os cabeças de cartaz desta noite são os suíços Young Gods que segundo a organização foram precisos “trinta e três anos” para que fosse possível trazê-los à Leiria.

A adjetivação que poderá descrever este concerto é violento e introspetivo, esta relação parece estranha porque o que dominou foi a violência sonora detonada pelos samples que funcionam como uma base plástica que expressa diversos sentimentos perturbantes. A somar aos samples está a guitarra elétrica, a sobressair da massa eletrónica espessa, quase como se fosse lama, a voz segura de si, fosse principalmente nos graves numa segurança que é contagiante mas em simultâneo repelente, um elemento que percorre diversas incidências, na sua maioria trágicas. Orgânico, se tal se pode chamar—à bateria que resplandecia e dava relevo à maquinaria de onde são debitados os samples, que são a base de cada canção. Não há lugar para nada de lúdico ou de belo o que se ouve são canções tão clássicas quanto “Skinflowers” ou “Gasoline Man”, que perturbam por si só, pois são inscritas numa asfixia delirante, dada a complexidade rítmica e melodicamente arrepiantes. Não se conte com os Young Gods para tramas de contos com final feliz, na verdade o que instituíram durante cerca de uma hora de concerto foi uma sonoridade industrial sendo que o gótico decorreria dos samples que de agrestes e violentos provocavam aos mais incautos uma asfixia que poderia ser letal e por isso o concerto foi épico. 

The Young Gods, 24 de Agosto, Jardim Luís de Camões, Leiria.

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

As Palavras Interditas

Na tarde de quarta-feira inicia-se o festival Luna Fest, esta primeira edição decorre até Domingo, altura em que os responsáveis do encerramento serão os Gang of Four. A começar a tarde de hoje são os THE DSM IV que têm uma base electrónica muito bem estruturada e que ganha uma dimensão épica quando deambulam e se imiscuem noutras voragens mais abstratas com a cumplicidade do vocalista com uma voz interventiva e uma movimentação dinâmica que fazem deles a grande surpresa do festival. The Speedways um quarteto clássico guitarra-voz, guitarra-solo, baixo e bateria, e são tão clássicos que a estrutura das canções é básica, sem nada a acrescentar a este género de pop/rock tipicamente inglês. Robert Grol and DAF, o primeiro encontra-se acompanhado por uma mulher que se responsabiliza pelo computador de onde são debitadas as canções industriais que são por norma minimais (é a chamada Cold Wave), na essência muito bem delineada, com a voz de Robert Grol grave num contraponto à sedução industrial.  The Undertones sofrem do mesmo mal dos The Speedways com a agravante de serem consideravelmente mais velhos e ocuparem o intervalo das canções para dizerem piadas. John Cale and Band, o mítico John Cale apresenta-se com um baixista angular e com um guitarrista de construtivista e um baterista tão sóbrio quanto assertivo, Cale remete-se ao teclado onde tocou temas do seu novo álbum “Mercy” assim como para “Waiting for The Man”, pode-se caracterizar de equilibrado e de sóbrio, interessante quando tocou guitarra eléctrica e se instalava a jam e as canções ganhavam uma outra dimensão nem pop nem rock, algo intermédio.

Segundo dia

A abertura do palco cabe aos valencianos Finale que são como que um murro que esmurraça continuamente o nosso cérebro com disparos punks, complementada por uma voz aguda rápida, o som destes quatro rapazes poderia estar a demolir muros com a sua sonoridade. Oh Gunquit é um conjunto esquisito porque é complicado afiançar que género é que tocam talvez um western spagueti? Talvez. A figura que se destaca é uma loura vestida como as meninas do Moulin Rouge que toca trompete e simultaneamente rodopia um arco nas ancas; quando a guitarra se esfuma por questões técnicas ela convida os presentes a telefonarem para casa através, é o chamado absurdo inglês. Hickoids são uma banda texana e o que toca é um country-hard-rock e pouco mais há acrescentar, talvez que são competentes mas não deixam de ser entediantes. La Elite são um duo espanhol um dedica-se a inserir as melodias e os beats o outro a discorrer sobre a sua realidade social, isto tudo com muita adrenalina. Black Lips são assertivos quando se limitam ao rock, mas perdem esse poder quando o misturam com outros géneros musicais. Buzzcoks apresentam um power pop reminiscente da década de setenta do século passado, cantaram hinos e fizeram levantar muita poeira.

Terceiro dia

The Phobics não têm nada a acrescentar a outras bandas punk inglesas, é curioso que  quando desaceleravam é que ganhavam mais interesse estilístico. The Star Spangles são uma mistura de pop-punk, quando tocam as canções com duas guitarras ficam menos entediantes. The Fleshtones datam de 1976 e estão excitados ao ponto de declararem inúmeras vezes que eram os “Fleshtones”, não se destacam da pop clássica assinada em Inglaterra. Fora do cartaz surge Victor Torpedo and The Pop Kids que delineiam canções de alto teor pop que são viciantes; estes são substituídos pelos The Parkinsons (em substituição dos The Damned) e não poderiam estar tão electrizantes e até disponíveis a instalar a loucura no público seja através da guitarra eléctrica do Victor Torpedo ou as investidas sobre o público do Afonso Pinto. La Femme conjunto de homens e mulheres com os seus teclados vestidos de forma elegante que debitam um trip-hop de linhas elegantes e bem delineadas.

Quarto Dia

Os 5ª Punkada, banda pop/rock da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC), tocaram na essência blues de forma tão assertiva quanto elegante. Eel Men tocam um pop/rock tipicamente inglês mas são encantadores da forma como executam as canções. Onde Robert Grol é frio e distante Martin Dupont é quente e lúdico. Os escoceses The Rezzilios praticam um rock and roll básico, repleto de clichés. Dissidenten praticam um som tipicamente indiano ou próximo dessa região, quando anulam a parte acústica as canções ganham uma densidade estética aprazível. A Certain Ratio apresentam o seu último álbum “1982”, e é estruturado em épicas linhas de baixo associado a uma bateria segura e inteligente, ganham grandiloquência quando instituem o psicadelismo.

Quinto dia

Bruno And The Outrageous Methods Of Presentation pratica um rock and roll indie, as canções não têm mais de dois minutos, no intervalo das mesmas há a ironia do Bruno, que veste à Elvis Presley e canta desalmadamente. Ruts DC são punks da velha guarda devem tocar as mesmas notas musicais desde 1977, tiveram em palco na voz para duas canções o Captain Sensible (dos Damned, que estiveram anunciados para o festival mas tiveram que cancelar por motivos de saúde do seu vocalista). Yummy Fur produzem um rock indie sem grandes soluções de canção para canção; assim como os The Only Ones com a diferença de tocarem pop indie. Gang of Four são militantes contra o capitalismo com diversos slogans a serem projectados para o palco como por exemplo “Make Proverty History”, em termos músicas são uma bomba de new wave, com excelentes músicos a debitar as canções repletas de frases políticas, contra um sistema político e social que consideram obsoleto. A determinada altura do concerto, trazem ao vocalista um taco de basebol e um micro-ondas que é literalmente e simbolicamente destruído, a imagem é óbvia: marchar contra o capitalismo.

Luna Fest, 16-20 de Agosto, Praça da Canção, Coimbra.

sexta-feira, 2 de junho de 2023

Tintin au Tibet

O Salão Brazil está lotado à espera da entrada em cena de Rui Reininho e dos seus três músicos que se dividem pelos teclados, guitarra e bateria, sente-se a ansiedade no ar que é satisfeita quando surge o Rui Reininho que interpreta “Aqua Regia”.

Já com a presença dos seus companheiros de banda enveredam pelo espiritual “Namastea” e pelo surreal “Turafões” para desembocarem no “Enfado Vegetariano” uma canção de inspiração flamenca com um poema deveras irónico pois ridiculariza o universo das touradas.

A primeira incursão pelo o oriente passa por “Tan Tan no Tibet” e através de um tema novo “Japan” cantado em mandarim, algo que causa estranheza e simultaneamente espanto: como é possível o Rui Reininho cantar numa língua tão estranha à nossa?

“Quando um de nós morre, sete se levantam…”, numa lembrança ao recente falecimento do músico dos Ornatos Violeta, Elísio Donas, ao qual dedica a fúnebre “Palmas”.

“Animais Errantes” é o reflexo das substâncias que nutrem o “20.000 Éguas Submarinas”, o segundo álbum a solo do Rui Reininho e que expõe através de um conjunto referencias estéticas, na sua maioria de pendor assumidamente experimental tentando quebrar a lógica pop/rock que é popularmente é consumido, nesta canção exacerba-se essa vontade de liberdade com a conjunção dos músicos a levarem-na ao extremo como se fossem vértices contra vértices num jogo de geometria autodestrutiva recriado pelo Almada Negreiros. 

Um dos temas do álbum “20.000 Éguas Submarinas” é o mar como elemento agregador de uma nação como Portugal que teve como desígnio atravessa-lo e de certa forma ser dono e senhor de um caminho marítimo para a Índia, este fado parece que se espraiou na alma portuguesa e se repetiu noutras aventuras que deixaram uma marca indelével na alma lusa. O mar no último álbum do Rui Reininho tanto liberta como é um elemento asfixiante assim é “Hidrofone” como em “Fartos do Mar” ou no majestático “…The Sea…”, como fossem os três últimos fôlegos de um naufrago.

 Por fim uma lembrança do álbum “Os Homens não se Querem Bonitos” (dos GNR) um tema composto por “Alexandre Soares” o guitarrista que acompanhou os GNR até 1986 e que faz parte da banda que aqui se apresenta a defender uma história musical que começou à três anos; “Sete Naves” que encerra um concerto memorável pois na génese se reinventou gradualmente relegando para os píncaros dos sentidos todo um manancial onde por vezes pontua a loucura numa procura através desta da liberdade do espirito.

Rui Reininho, “20.000 Éguas Submarinas”, 1 de Junho, Salão Brazil.  

quarta-feira, 29 de março de 2023

Hamletmachine

O Auditório Municipal da Figueira da Foz recebeu dois históricos do rock and roll bracarense, António Rafael e Adolfo Luxúria Canibal dos Mão Morta que apresentam “cancioneiro” enquadrado nas Terças de Leitura.

A primeira parte do cancioneiro correspondeu a uma conversa interessante sobre os diferentes poetas e géneros poéticos que influenciaram o então jovem Adolfo Luxúria Canibal, desde a beat geneation passando pelos poemas/textos de Heiner Müller. A trama poética dos Mão Morta passa por géneros marginalizados e por autores malditos, destas fontes criaram um universo particularmente sujo em que as palavras/versos são meros pontos de referência incisivos e acutilantes associados por um escuro proposto pelas guitarras e pelo baixo possante.

Os Mão Morta seriam mais uma banda esquecida que passou pelo Rock Rendez-Vous pelas suas características niilistas e comportamentos auto-destrutivos, num país como Portugal onde quem entra pela marginalidade adentro via às artes ficará eternamente esquecido, e ou, recluso dos seus interesses e dos seus contactos com uma sub-cultura tão exígua, que contam-se pelos dedos os que se assumiram cabeças de série do seu malogrado destino. Luiz Pacheco será o caso ou o exemplo socialmente mais conhecido, o do João César Monteiro ou do Mário Cesariny, mas estes três exemplos lograram cumprir-se mesmo num meio adverso que continuamente os rejeitou. Assim como os Mão Morta volvidos quatro décadas gravam discos e dão concertos, algo improvável, não vos parece? E a postura do Adolfo Luxúria Canibal poder-se-á descrever de alguém desprendido da sociedade que conversa sobre livros como se estivesse a falar com uns velhos amigos.  

A segunda parte deste cancioneiro é iniciado pelo António Rafael ao piano, e a primeira composição é simples, algo que por vezes a relega para o simplismo da repetição do mesmo fraseado musical, numa variação um tanto ou quanto monótona; a segunda eleva a fasquia já que há diversos centros que posteriormente são misturados com outras frases melódicas bem mais intensas. A terceira parte conta com o Adolfo Luxúria Canibal na voz a acompanhar o piano do António Rafael, e os temas foram: “Entre 2x2 e B-A ba”, “Ontem Comecei”, “Floresta em Sonho”, que se encontram plasmadas no álbum conceptual “Müller no Hotel Hessischer Hof”, e que foram interpretadas, se tal fosse possível, por uma voz simultaneamente quente ou fria. “É um Jogo” do álbum “Há Muito Se Tornou Irrespirável Nesta Latrina”, numa toada quase seca que pretende o inumano onde há laivos de esperança que a humanidade seja mais justa, mas tal não passa de algo utópico, pois há que jogar nem que seja por razões do foro agregado à mortalidade. “Aum” do Lp “Mão Morta” é uma narrativa que segue um percurso tétrico, tudo é-o, ou mesmo a perseguição de um criminoso ou a sua caminhada de um suicida, que tem o tempo contado pois este “não espera por mim”. Quanto à última desconheço o nome e poder-se-á inscrever numa narrativa que vive na “penumbra” e “no espelho” e numa máquina de escrever, que decorre numa vivenda que para os Mão Morta poderia ser uma casa de fantasmas ou uma casa mortuária, há beleza no teclado que lhe incute esperança.  

 

António Rafael & Adolfo Luxúria Canibal, Cancioneiro, 28 de Março, Auditório Municipal da Figueira da Foz, Figueira da Foz.

Goth

O Festival EXTRAMURALHAS decorre na cidade de Leiria e o seu cartaz é consignado na totalidade ao gótico e aos subgéneros a ele associados. ...