segunda-feira, 19 de março de 2007

Alabama 4

“The fucking Alabama 3!” Entram em palco, os quatro elementos originários do Reino Unido, o vocalista Robert Love tem um chapéu preto de abas comprado em Portobello, os óculos escuros escondem o resto da sua alma. Sentam-se numas cadeiras de madeira, o guitarrista dedilha as cordas que ecoam na caixa acústica, que apoiam a voz da corista minúscula Devlin Love, de sombrero castanho claro, quando se levanta e abana as ancas o ar condicionado do Teatro Académico Gil Vicente expele uma brisa marítima de Primavera tardia. Nos intervalos das canções Robert Love conta histórias onde pontuam armas e drogas, por vezes parece que está disposto a fazer-nos a folha quando tira os óculos e aponta o indicador: “That`s the sound of the police” e “they sound like: boom, boom, boom” e “ when I say, what´s the sound of the police? You sing: boom, boom, boom.” A respiração rítmica é evidenciada por uma harmónica que por vezes é um comboio à vapor a cruzar o oeste e por raras ocasiões ouve-se o choro de uma mulher vítima das diabruras do vício. O ácido dissolve-se na boca de Robert Love, tira o chapéu e ergue-se da cadeira, desloca-se à frente da plateia e incita-a a cometer um crime: beber uma cerveja e limpar a arma, sair de casa com ela escondida sob o casaco de cabedal preto e bater à porta da velha endinheirada que é a patroa da casa das putas: “If you don´t open the door, I will send your soul to the graveyard, because I woke up this morning and I got myself some coke!” A guitarra tem as cordas a arder e a harmónica quer mais cerveja, a corista ri das inconfidências de Love: “You threw up in the tour bus!” e regressa à sessão de tiros: “That `s the sound of the police!” e enquanto os seus colegas seguram o movimento sónico ele questiona: “Is anybody in this room who can sing as Johnny Cash? There is nobody as Jonny Cash! Tonight I`m Cash!”

Coimbra em Blues no Teatro Académico Gil Vicente 17 de Março

sábado, 17 de março de 2007

domingo, 11 de março de 2007

Stageo Nazi Film

“Eu estava a folhear o livro e descobri a fotografia, era uma sala com armários a cobrir as paredes, com fichas, e uma mesa com um relógio parado nas seis horas.” Daniel Blaufuks é fotógrafo formado nas escolas da ArCo, “passei pela moda, pelo Blitz onde tirava fotos a concertos, e pelo Independente, onde passei do caderno 1 para o 3 onde trabalhava com as loucuras do Miguel Esteves Cardoso!” Onde se “encontrava a fotografia, era numa antiga prisão, onde foi aprisionado o assassino do Arquiduque da Hungria [Franz Ferdinand.” E sabia que a iria descobrir? “Eu parti para a Checoslováquia com a perspectiva de a encontrar, porque no tal livro não existia data ou localização exacta” e “quando a descobri tirei logo a fotografia” mas foi como mero turista? Não usou qualquer género de artifício, como a luz? “Não, quando estava a visitar a prisão, encontrei o espaço e fotografei, através de um vidro.” E o que sentiu… ah não lhe vou perguntar isso, mas o que lhe pareceu? São as dúvidas de Ana Sousa Dias (“Por Outro Lado”): “a prisão ficava numa cidade chamada Terezín [anteriormente conhecida por:Terezienstadt] que fora usada pelos alemães para depositar os judeus, eles tinham que andar com a estrela amarela, os Nazis chegaram a cunhar moeda para eles terem acesso ao comércio, aliás, era uma cidade como outra qualquer, a única diferença é que eles não sabiam que iriam dali para os campos de concentração. Aliás, esta cidade foi utilizada como forma de propaganda, os alemães realizaram um filme que durava 90 minutos, mas que hoje tem apenas vinte, e foi utilizada para ser visitada pelos diplomatas para fazerem o reconhecimento da boa relação entre os judeus e os Nazis. As pessoas que vemos no filme não sabiam que iam morrer, integrei-o na exposição do BES Photo, mas em câmara lenta, para durar exactamente noventa minutos, porque achei, que só assim as pessoas se iriam aperceber do que sucedeu a todas aquelas pessoas. Os judeus estavam proibidos de sair da cidade”, mas não viam os aviões? “Viam mas julgavam que eles estavam a ser protegidos ou que iriam salvar outras pessoas, aliás aquilo era visto como se fosse o Club Méditerranée ou um Kibutz.” Portanto essas pessoas estavam alheias à guerra? “Completamente. Mas eles sabiam que algo estava a passar, agora exactamente o quê não” e “ a cidade era composta por idosos e crianças, maioritariamente, porque os outros eram usados para diversos trabalhos.”Quanto à sua opinião sobre “a fotografia será sempre abstracta”, é “porque depende sempre de uma perspectiva” e “os meus avós também foram vítimas da Guerra e tiveram que fugir para Portugal. Eu nasci na Alemanha, e vim cedo para Portugal;” com que idade? “Com nove anos.” E chegou a voltar à Alemanha? “Voltei com a minha mãe, e recebi, o que aqui não existe: uma grande carga cultural.” Quanto à imagem integrada no prémio BES Photo, --e da qual ainda não sabemos quem será o vencedor--quando descobriu o local sentiu algum impacto? “Eu coloquei um filtro vermelho, em algumas imagens, para as pessoas se relacionarem e perceberem que aquilo não é nenhuma ficção.”

Daniel Blaufuks em "Por Outro Lado"

domingo, 4 de março de 2007


O Sonâmbulo

Comunica lentamente como se cada frase tivesse o peso de uma vida: “eu pedi aos meus pais, em vez de ir para as montanhas, para onde iam durante as férias, que pudesse ficar em casa a ler e durante esse período, li de dia e de noite, lia um livro por dia.” Chama-se Tomás Eloy Martinez e conversa com a inevitável Ana Sousa Dias, que o acolhe no estúdio de “Por Outro Lado”. E como é que começou a escrever? “Decidi que poderia tornar as histórias que imaginava em contos, e escrevia tudo o que me parecia verosímil” porque “eu acredito que o escritor é aquele que escreve sobre aquela área cinzenta que existe entre a realidade e o sonho” e é “precisamente durante o sono, quando sonho, que nascem as minhas histórias, acordo e escrevo o que vi, no dia seguinte releio para ver se há algo de substancial que possa ser explorado numa história.” Na, Argentina de onde é originário, “fui perseguido pelo ditadura militar”, algo que o obrigou a procurar “refúgio nos Estados Unidos, onde a minha mulher, que era venezuelana, foi convidada a dar aulas numa universidade”, pouco depois “fui convidado para criar o gabinete de estudos latino-americanos, onde institui os estudos sobre a literatura portuguesa, que é riquíssima.” À “saída da universidade, eu e a minha mulher fomos atropelados, ambos voamos, mas eu caí e fiquei tumefeito, ela morreu. Fiquei tristíssimo e cai numa depressão profundíssima, mas eu tinha que tomar conta da nossa filha que tinha quatro anos, para além de me ter enamorado, oito meses depois, de uma outra mulher e voltei à escrita.” Uma das suas obras era uma ficção sobre a relação entre “Evita e Perón, que eu criei parcialmente, porque havia partes já realizadas por um historiador, eu limitei-me a preencher as partes que faltavam à realidade. Depois de o ter escrito recebi um telefonema numa noite, eu já estava deitado, porque somente gosto de escrever de dia, especialmente durante a manhã, atendi e oiço: “você está enganado, nós é que somos os donos do cadáver de Eva Perón.” Eu respondi: como? Mas não me podem telefonar durante a manhã? “Não. Tem que vir ao nosso encontro ao café”, eu liguei para o meu advogado e disse-lhe: que faço? “Eu vou contigo, fico noutra mesa a ver o que se passa, porque eles a mim não me conhecem.” Mostraram-me fotografias do cadáver, que estava embalsamado, fui à casa de banho com o meu advogado e perguntei-lhe: que faço? Estas pessoas tinham o cadáver de Evita há vinte anos! Ahaha!” Enquanto director do departamento de línguas latinas “organizei um colóquio com diferentes escritores e jornalistas. Telefonei ao sub-director da “Folha de São Paulo” para confirmar a sua vinda aos Estados Unidos, ele disse-me que sim que viria. Pouco tempo depois volto a telefonar para o Brasil e informam-me que esse jornalista havia desaparecido, como? Fiquei surpreendido. O que se passou foi que ele havia dado dois tiros na cabeça da noiva—eles viriam realizar a lua de mel à América—porque esta havia sido infiel e que havia fugido! Ela foi-lhe infiel com um outro convidado ao tal colóquio! Algo que eu já havia escrito em “La pasión según Trelew”, ahahha! Telefonei ao director do “Estado de São Paulo”, que já havia recebido o livro, e ele disse-me: “é incrível! Como é possível! Que coincidência!” Ri do facto de, por vezes, escrever a realidade: “coloquei na voz da Evita a seguinte frase: obrigado por existires, como se ela o tivesse dito ao Perón. As entidades argentinas colocaram-na no túmulo da Evita! Ahahh.Obrigado por existires!”

Tomáz Eloy Martinez em "Por Outro Lado"