quinta-feira, 27 de maio de 2010

A Broa de Mel

O pano branco está colocado na boca de cena, é-lhe projectado um X, é uma incognita ou uma premissa? XX é a designação adoptada por uma banda de adolescentes, timidos, introvertidos, monosilabicos. O som prolonga-se em eco, as luzes atrás dos músicos projectam as suas sombras ritmicamente sobre o tecelão, a batida é manipulada por um Dj, ouve-se a guitarra e o baixo, ela é feminia, ele masculino, são os cabecilhas dos XX. Romy Madley-Croft, tem um timbre sussurrado, “yeaahhahaaaa”, Oliver Sim grave, mas pausado num arrastar constante das vogais, “AaaaaAAaaAA”. O pano cai e as silhuetas ganham matéria humana, ela é baixa e entroncada, ele é alto e magro, os penteados e a roupa negra, são retro. As palmas eclodem na Aula Magna, repleta de melómanos, curiosos, e estrelas da rádio e da TV como Silvia Alberto. A sincope marca o ritmo, os acordes wenstern da guitarra impõem-se ao baixo: “And forgive, and forgive”, “to keep you satisfye”, Oliver diz que estará “away”, “Aiaiaiaiaiaiiaaai”, acordes da guitarra, “in my direction”, “your afection”. Ambos: “OOOOoooOOOOOOOOOO”, “slow”, “slow”. A lentidão é uma constante, como se a furia fosse algo de domesticavel, a simplicidade é monastica tal como os primeiros registos de Robert Smith/The Cure. A poesia frágil proveniente de um impeto que descobre o amor e se liberta: “I don´t have to live anymore”, “here I”, “I `m your smile”, a batida é hard, a resposta do baixista, “I found my desire”, Romy, “I `ll be”, “desire”, “I`m yours now”, pop, “I´m yours now”, pausa, os acordes que ilustram o refrão emitem da guitarra, o Dj incute o freestyle, as luzes decoram o palco de vermelho é o fim da virgindade: “So you feel like never before?”. A “fantasy” é carnal, a penetração é sub-aquatica, “oooooo”, “I can be your fantasy”, o ritmo é proveniente de Portishead, com o baixo em loop, a voz é exclusivamente masculina, está é mais pobre do que a da guitarra, que se sobrepõe através de um solo sobre o todo, “I found a shelter in this World”, “could I be?”, “I feel cristal in the air”, “please teel me gentil how to breathe!”, “So you can see”, com uma batica robotica dos Kraftwerk. “Boa noite tudo bem? This is our first show here in Portugal!”. “VCR”, é revista, tal como é apresentada no álbum de estreia dos XX. “Nothing there”, break-beat, “left behind”, responde a voz quente e sussurrada. As duas vozes: “they say space, yeah, yeah,”, “nothing there.” O teatro das vozes é uma peça radiofonica, ou, será telefónica? Creio que poderá ser via internet, que é mais actual e veloz, contudo os efeitos secundários para a juventude são letais, o envelhecimento é uma droga que nos consome todos os dias lentamente: “I can give up”, “I can see you”, “leave”, fechem os olhos, oiçam somente, “see your eyes”, “I can give up”, a bateria ressoa chicoteando a carne, “I can give up”, a ansiedade é acutilante e espeta na veia da saudade numa ilha onde reina a melancolia.

XX, The XX, Aula Magna, 25 de Maio, Lisboa.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

St. Quentin

São cinco da tarde e o público no interior do Pavilhão Atlântico marca lugar em redor do palco circular dos Metallica, que se situa no centro da arena. As colunas estão colocadas sobre o palco mas direccionadas para os balcões, as luzes são jogos variados, há umas que estão acopladas a sarcofágos de lata, que têm a forma dos utilizados no Antigo Egipto, pelos faraós que se mumificavam para manter a beleza após a morte. Antes, dos cabeças de cartaz tocam duas bandas, a primeira é de facto de um primarismo sintéctico, a segunda joga com ritmos pop, que mistura com distorções, têm como objectivo despertar o público que anseia pela chegada dos Master of Puppets. Pois, o suor, tabaco, os charros, a cerveja, que irá inundar o chão e torná-lo pegajoso e escorregadio, são sinais claros de que o caos é eminente. Elton John, jamais apareceria para cantar, pois o odor nauseabundo, lhe entupiria as cordas vocais, apesar da possibilidade de ver os troncos nus tatuados, com cabelos pelos ombros, alguns trazem no tornocelo a pulseira eléctronica, outros, cicatrizes no rosto, o segredo para sobreviver é não olhar directamente, ver as horas, são quase nove e quarenta, as luzes apagam-se: Metallica! A guitarra é acompanhada por raios lazer que variam entre o verde e o azul, ouve-se a bateria e a voz, mas o baixo somente é audivel à um quarto do espectáculo. A histéria é brutal, “OOOO”, o público sobrepõe-se a James Hetfield, e as palmas acompanham Lars Uldrich, os dois membros históricos desta banda californiana que publicou, “Kill Them All” em 1983, destacado como um marco no trash-metal americano. “Your life!”, “right now is your life!”. A gritaria é constante, os Metallica estão no patamar dos consagrados, e qualquer gesto ou questão é respeitada e respondida pelos metaleiros: “After life?”, haverá mais questões filosoficas por responder, dor, sangue e suor. A guitarra de Kirk Hammett irá ganhar personalidade, não se confinando a apenas ao deflagar de distorção em paralelo com a de Hetfield: “Are we going to have more fun than yesterday?”. “OOOOOO”. “Thank you! Did you hear the early bands? Did you see Metallica?”, o cantor responde: “So, so... Do you like it heavy?”. Imagiam a resposta dos portugueses? “I `m your life”, “I`m sure”, “you are the one”, “I`m your dream.”. A mosh é de tal forma violenta que é complicado não ser empurrado para o meio do turbilhão, “Keeps me satisfye”, com os acordes da guitarra a romper a malha da distorção, “anytime”, “everywere”, James Hetfield, assume que errou nos acordes: “I lost my head! Sorry! Thank you to show me that!”. O speed-metal, “don´t care”, “ARE YOU UP THERE?”: “YES!”. O ritmo abranda com a canção country-metal: “On the road again”, “here I ´m, here I go”, “here I´m, on the road again”, voz grave, solo de Kirk. O tiroteio toma conta do Pavilhão os corpos empurram-se para o interior das chamas que o palco cospe, os quatro Metallica, encaixam-se nos sarcófagos a caminho da imortalidade: “Cos nothing else mathers.”

Death Magnetic, Metallica, 19 de Maio, Pavilhão Atlantico.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Heart Attack

Aveiro tem um canal por onde circulam durante o dia moliceiros, que no lusco-fusco são atracados na margem. O céu está negro, a lua está num vazio que se aproxima da solidão, a suprema invisibilidade. Mercado Negro, o local onde irão tocar os Tiguana Bibles, pelo bar, passeia, o baterista Kalo, veste blazer preto, todo o seu corpo é maciço, parece um pugilista que o Martin Scorsese filmaria. Ele é um dos primeiros a subir ao palco de uma sala rectangular negra com uma luz verde fixa sobre o tecto, e dois candeeiros de luz branca que ladeiam a bateria. O instrumental é um western hillbilly, com as guitarras a percorrerem o deserto de cactos que sangram se forem beliscados. Aparece Tracy Vandal, perfumada a Primavera, de preto, a camisa tem um lacinho branco sobre o peito, os calções que agigantam as pernas elegantes que calçam salto alto de agulha. “Be your wife”, “Want to be alone”, “run”, a bateria eleva o ritmo, e as duas guitarras canibalizam-se com parcimónia, mas é na contenção do baixo que está a chave para a obra dos Tiguana Bibles. A cantora despe o casaquinho, “there`s no home but a heart”, “Child of the Moon”, é uma besta ritmica onde as guitarras deflagram. “Yeah”, “The Sex Pistols”, ao terceiro tema deita-se sobre os degraus de madeira, e estira as pernas assumindo-se como uma bailarina que exala lascívia. Tracy: “A fucking bad thing is going to happen!”, e canta compenetradamente, “I found myself in the killing Moon”, “The night is young, please come soon”, “I Can´t wait no more”, “it`s against the law the way, I´m feeling about you”, “poor heart is out of control”, com o solo de Victor Torpedo a soar como um tremilim. As letras versam constantemente uma proibição, algo impede a cantora de alcançar o amor, é esse o enigma, a distancia que a separa de algo imaginário. Tracy Vandal: “This next song is about boobs”, slow-billy, “you talk too much”, “What can I say”, “I don´t care anymore”, “I can´t speak”, “I don´t care anymore”, num timbre acre-doce. “This next song is for our friend Paul, he decided to die last Week”, Paul era irlandes e guitarrista dos Tiguana, o seu coração parou a um Sábado. “There is no time for winters”, “bye, bye dream”, “goodbye”, “bye, bye girl”, “goodbye”. Tracy: “This is our next single ´Rebound`”, uma canção neo-pop-billy. O circulo completa-se numa perfeita difusão, Tracy assume o seu papel de guia, como uma serpente que nos dá a provar uma maçã envenenada: “Run”, “Won´t last too long”, “run to her town”, Tracy Vandal fecha os olhos, “heart only now”.

Rebound, Tiguana Bibles, Mercado Negro, 12 de Maio, Aveiro.

sábado, 1 de maio de 2010

Retropolitana

As luzes do Auditório Jorge Sampaio no Centro Olga Cadaval em Sintra apagam-se e a voz off informa: “A Rádio Comercial apresenta Retropolitana”, o novo álbum dos G.N.R. O palco emite sirenes e as luzes imitam o foco de uma prisão de alta segurança, entram os três músicos que acompanham, Jorge Romão no baixo, e Tóli César Machado na guitarra-ritmo, veste uma camisa branca sob colete azul. El Rei del Roque, canta: “Macacos imitações”, “Rei da rádio, compõe para nós”, as guitarras estão afinadas e equalizadas na mesma onda, são os reis de la rocke. A guerra é apenas uma pintura, “retrato em pó”, “o rádio berra”, “o Sr. Dos Anéis”.”Clube dos Desencalhados” , “não é?”, “e vivo à beira de um mar plantado” , “o sorriso à espera”, “bem-vindo ao Clube dos Desempregados”, o meio tempo ganha em crescendo, “sentir tremuras” , “como as estrelas”, “há festa na praia do afogado”, “sentir tonturas“, trágico, sensível, frágil, “sentir touturas”, “soltar amarras”, o abandono: “Ficar no bar a ouvir as estrelas”, a melodia é perpassada por uma descontinuidade, “soltar amarras”, “passar a barra”, “a cantar.”. “Efectivamente”, “engate”, “ratos do esgoto”, al El Rei le gustam las aparências. É implacável com as suas groupies: “Já não tocávamos para gente sentada, desde o Natal dos Hospitais. Antes sentados que acamados!”. A constatação: “qualquer escravo era feliz”, “a rir a ser imperatriz”, “a cabra faz-me mal”, “já cá estamos outra vez?”, “a culpa é das televisões”, “e os bebés vinham todos de Paris”, “Papa faz de mama”, “e o bebé até é pop” , “pó sai”, pop/soul, o falseto é tão irónico: “O Papa faz de mama”, ahahah, “e a bebé já sai com o papá”, eco, a canção acaba em regime de Eurovisão com El Rei a rodopiar no sentido dos ponteiros do relógio. “Chama-me um táxi, já amanhece”, slow de telenovela. “Ainda bem que a névoa anda por ai”, “overdoses”, “as trevas vão iluminar.”.”Dunas”, é um passatempo, apenas se destaca quando o guitarrista mimetiza a delicadeza tímbrica de Alexandre Soares. El Rei reflecte: “Depois da nossa música sobre os submarinos”, aproxima-se da bateria e segura um copo na mão e com o olhar mede o líquido amarelo: “O que é isto?”, bebe, “cerveja? É a minha análise.”. Asas, “hesitas”, “paixão”, retira do indicador a aliança que coloca no bolso esquerdo do casaco branco. “Também somos das profissões mais antigas do Mundo”, “somos os piratas”, vivemos em “Tirana.”. Emitem mais um novo tema a meio-tempo, “até do musgo, casca de carvalho.”. Ouve-se a perfeição onírica com a melodia do teclado de Tóli: “Os Diamantes são eternos, como os amores de Verão”, “acrobacias”, “as nossas manias”, “pulseira electrónica”, “a nossa vaidade sem”, “pulseira electrónica”, “as más companhias”, El Rei ensaia uma queda, enquanto um solo electrónico de guitarra eclode. A constatação: “Eu acho que o Papa, não deveria ir ao Porto, ser feriado, porque ele está lá todo o ano!”. “U.S.A”, El Rei despe o casaco branco, e enluta-se enquanto canta este clássico, “abusa”, “tratado por tu já nem se USA nem em Castelhano”, num groove que sintetiza o neo-kitsh, “uma Musa.”. E, “Popless”, é inebriante. “Quem é que aqui é que usa Tatoo?”, os casais de meia idade, sorriem contrariados: ”Não foi de acto natural”, El nancimineto del Rei, “higiene pessoal”, “marca tropical”, “ABC é um animal”, “um homem nu”, speed-pop, “eu vou pagar uma bebida Nacional”, o imperativo: “Quero ver o teu tatoo”, “de um homem nu”, o sintetizador de Tóli, a sobrepor-se ao todo. “Quero ver o teu Tatoo”, Roxic Music é claramente o seu ADN, Del Rei! Viva El Rei! Viva El G.N.R: “Mostra lá esse tatoo”, “deixa ver esse tatto”, “o piercing é anal?”, ”paraíso fiscal.”. A narrativa do burro em pé é uma fábula gasta, que dorme “em pé”, harmonicamente devedora de um tema dos Beatles. “Mais vale nunca”, o tema hiper-pop, “crescer”, os sentados catapultam-se para a verticalidade, palmas, gritos, histeria. “Sangue Oculto”, loucura, espelho meu amor.

Retropolitana, G.N.R, Auditório Jorge Sampaio, Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra, 30 de Abril.