sábado, 20 de março de 2010

French Kiss

Não sei como se chama a mulher que se senta num banco, num palco exíguo, com uma guitarra eléctrica nas mãos. A cantora dos hibernados Stereolab, é uma francesa que aparenta uma jovem inglesa, dirige-se ao público do Teatrão, em inglês sem sotaque, nem o usa como se fosse postiço. As canções discorrem de lamurio em lamurio, com a guitarra a ser a sua fiel parceira no dedilhar de tristezas e evasões. Com dois acordes é genial quando acrescenta diferentes cabeças a cada um deles, nem sempre a pigmentação sonora é tão eficiente. Mas Laetitia Sadier é sedutora, daquelas falsas ingénuas que se espanta por Coimbra a estar a receber numa Sexta-feira chuvosa: “The house is full today!”. “This is a song about divorce, it´s not funny! It´s tragic!” “Paraipara”, falsetto, “pararaia. “´On One million Trip”, “ is the journey of a life time”. E que explica que esta francesa de corpo forte mas rosto angelical teve coragem para, “left everything behind”. “Lalaraira”- Introdução. Falseto- em duas perspectivas: baixo e o alto. A promessa: “I `ll be back for lifetime.” O quinto tema da noite tem um carimbo brechtiano, “appositive of the spectator”, canção que se pode adjectivar de uma silly bossa nova. Já “Afraid of the Rivers” é um western spaghetti pornographic, é transmitida inicialmente em mid tempo, na segunda parte acelera, “transforming the night in to Day”, “There `s room for you?” Remexe numa musica de uns desconhecidos, pergunta: “do you now them?”, que se submete a um esoterismo arrepiante. Meio tempo. “Manunanana”- falseto. Mas quando dedilha acordes mais rápidos, submerge-se a uma dinâmica Radiohead, Ok Computer?, Laetitia Sadier: “ If God is love? Yeah you can put that way.”

Laetitia Sadier, O Teatrão, Coimbra, 19 de Março.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Flor de Verano

Diana é uma mulher alta, cobre-se por um vestido branco apertado de alças, que lhe sobressai as ancas, e o decote permite ver parte de uns seios tão belos quanto perfeitos. Mas o que tem de mais sensual é o seu timbre é uma pedra lapidada, que os garimpeiros que removem as terras das florestas virgens da América Latina, não se atreveriam a vender. “Entre magicos suenhos que de noche se pierden”, há um romantismo trágico nas suas canções, algumas são recolhas de cancioneiros do tempo em que os europeus inavadiram o Novo Mundo. Diana Baroni tem consigo dois músicos, um harpista e um guitarrista, ambos percussionistas. Diana: “O nosso programa tenta contar um dia en las colinas do Novo Mundo. Numa manhã atormentada de alguém que se desperta na manhã”. “Vamos contar com um ritmo de raiz europeu, com origem no Chile, Argentina, Venezuela”, Diana coloca na boca uma flauta transversal de bambu, que é o respirar de uma ruralidade tingida à cores de sépia, onde é emitida a melodia, enquanto os outros dois instrumentos impõe o ritmo. Ao terceiro tema a greve dos escravos surge espontaneamente, que fazem sangrar as árvores de “goma”, “no hay novedad”, “no trabajo más”. Diana em discurso directo: “Neste dia imaginário de Verão. Durante a qual se realizou a colonização dos pretos. Entramos numa sessão, onde vamos trazer de novo numa memória. De uma lavandeira, rememorando para ela. Esta é uma canção para fazer dormir um bebé. E no fim uma flor de mulher, flor canta uma mulher, canta muita tristeza quando um amor importante acaba, ´Flor de Verão`, que dá titulo ao nosso album. A flauta inicia o tema, polvilhado por sons concretos da floresta Amazónica nocturna, “hasta la água”, “para lavar necessito um poco de água clara”, “me basta con tu mirada”. A cascata tépida flui por entre uma floresta com macacos pendurados em árvores, ou, de cobras sem principio, meio, ou, fim, escorregam pelos troncos, a luz são raios que provocam um efeito de estufa, o calor é abrasivo. A caixa onde se senta o harpista é usada para ritmar as canções, as maracas dão cor a uma rumba, “una flor en él veraño”, “en él mar só se olle el mar”, “quando se muere un amor”, “el amor no mas quiere”, “se desgarra él corazon”. “Para celebrar a tarde que vai chegando para evaporar o calor da siesta. Muitos compositores espanhois misturaram-se com os ritmos das colónias, com uma fuerte influência africana”, a harpa oferece aos temas um carácter quase diáfano, como se fosse um complemento da voz esotérica mas viril de Diana, que bate palmas como elemento rítmico: “Adiós Chinita, adiós hermosa”, “adiós chinito”. Diana Baroni, é uma mulher com o poder da palavra, “a noche se aproxima como as cobras de amor. No Peru temos uma grande cultura, temos melodias de povos que foram totalmente eliminados. Para não esquecer esse processo de dor, de sangue que viveu à América Latina, ´Una Larga Noche`, que conta a história de uma pessoa que tem sempre medo da noite. De uma noite que nunca mais acaba”. A flauta e a voz de um espírito que tem uma casa escrita por Isabel Allende, a precursão são cascavéis, o espanto de que a dor é veneno, “si me dizen que eras muerto al otro mundo passarán”, Diana deita-se ao lado de todas as vitimas das injustiças, “como quieres que me acueste en una cama que me ofreces?”, “quita-te de la ventana!”, “la lucha de una buena marca no necessita de bandera”, “una larga noche”.

Diana Baroni Trio, Flor de Verano, Pequeno Auditório do Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, 13 de Março.

domingo, 14 de março de 2010

Final Fantasy

O. Pallet entra discretamente em palco, é um rapaz tímido em escura camisa a cair pelas ancas. Situa-se junto a um teclado e o violino está ligado a vários pedais, que realizam a circulação dos acordes que iniciam as canções, sobre a qual sola, seja de forma delicada mas também violenta. O concerto no Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, está repleto de um público heterogéneo, “take a plane for the Filipines”. “Hello I´m Owen Pallet”. O loop é uma constante e a indefinição entre música erudita e a pop, acentua-se como se Pallet estivesse em continuo solilóquio: teclado, violino, voz, numa tendência minimal construtivista e o oposto. A luz branca que se mantém inalterável sobre o palco, com tecelões pretos à ladearem-no, parece um consultório dos inimputáveis: “Never leaves their homes”. A floresta, há uma vertente de contador de histórias tendencialmente românticas, o chamamento é a sua voz tripartida, seja para o abismo, o pizzicato, “OOoooO”. “Co-co-co-caine”, “broken home”. Entra um homem, “friend Thomas”, que se apropria da guitarra e da bateria, usando as escovas ou as baquetes. “Enough of sad songs. Now We are blowing your mind”, sorri como se fosse um menino traquina a rir-se de uma premeditação. Esta união provoca um wall of sound, como se fosse um repertório minimal dos Velvet Underground, polvilhado com delírios estilísticos de Cale. A voz a dois, sobrepõe-se à de Thomas, com raiz no solário dos Beach Boys, Brian Wilson é saqueado na vertente melódico-rítmica, é o belo que se ergue perante o nosso olhar. L.A soturna com os candeeiros e painéis publicitários, semáforos, armas nas mãos, “never speak again”, “fingers”, solo de guitarra misturado com o violino, loop, pizzicato, bateria, acordes curtos e rápidos, tempestade de Wagner. A junção dos timbres do violino, com bateria e a guitarra, é poético, “trees”, “tha´s how the history ends”. “I love these bitter moments”, violino, voz, assobio do Thomas, um som concreto é emitido, por entre as almas: “I don´t give a shit”, “Final Fantasy”.

Owen Pallet, Heartland Tour, Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, 12 de Março.