segunda-feira, 25 de novembro de 2019

The Psychopathology of Everyday Life

A noite é fustigada por um intenso temporal em Coimbra ou será outra cidade qualquer a beira do Mondego ou então é Coimbra e por isso devo estar na proximidade do Teatrão ou talvez esteja perdido na Praça da República a beber uma cerveja de um copo inquebrantável que se parte acidentalmente contra a calçada portuguesa pontuada por portuguesas e por portugueses e de outras nacionalidades vagamente provincianas acende-se a luz verde de uma porta e é a da Tabacaria sítio do rock and pop e outros tóxicos saudáveis tal como é a relação antagónica entre os Wakadelics e os PSICOTRONICS; os Wackadelics são uma profusão de referências académicas que passam pelo rock progressivo ou pelo flamenco e esta díspar e heterogénea oferta é quase um sortilégio esquizofrénico que se espraia proficuamente mas que pode provocar uma distorção proporcionada pela contínua alteração do ritmo a quem se encontra presente e nessa consequência poderão ser nocivos a quem seja sensível a tais variações sobre variações de variações; quanto aos PSICOTRONICS recorrem a samples e a programações predominantemente synth que são ora corrompidas ou canibalizadas pela guitarra eléctrica do Victor Torpedo com a conivência do Pedro Antunes que alterna a guitarra eléctrica com o baixo e a liderar este dueto visceral encontra-se o Marquis de Cha Cha vestido de Pierrot mas que tem o rosto maquilhado de “Joker” tal como o psicopata interpretado por Joaquin Phoniex que dança com o intuito de contagiar o público no meio do qual se encontra a cantar algo destituído de lógica isto é Dada impondo-se à banda como uma personagem que passa da tristeza ao êxtase sem que para tal haja um motivo que segue decadentemente o beat e a frequência melódica que instauram um kraut kitsch rock; uma outra velha nova cidade onde desagua o Mondego suponho que a hibernada Figueira da Foz essa bela colectividade de andaimes ferrugentos e ocupada por uma burguesia de pensamento de baixa altitude que se poderá erradamente apelidar de criminosa do bem-estar se este for a delapidação da natureza e a ditadura do alcatrão e do betão mas tais considerações são de um político que somente faz da liberdade de expressão a sua cátedra mas leia-se o código penal como uma ficção escrita por um doido para se perceber porque as prisões estão sem esses delinquentes e perceber-se-á o que de mal fez a democracia a esta cidade mas isso pouco importa e o que me traz ao Meeting Point (espaço debaixo da Esplanada Silva Guimarães) é o Woodrock In Town que apresenta Johnny Dead Radio e Twelve Billions e é este colectivo que assume a primeira parte e a oferta musical é de um hard rock que se encontra limitado à sua génese sem que tal lhe seja benéfico antes pelo contrário isto é obviamente mas por outro lado quando adicionam algo mais heavy ganham alguma força motriz criativa e reticências mas esta virtude perde-se quando o vocalista/guitarrista dá uma ordem nazi ao público: “Mexam-se caralho!”; Johnny Dead Radio são um composto que se exprime através de um hard rock deveras finalizado com o intuito de ser objecto de atenção pela rádio e outras formas de comunicação digitais e este trunfo tem um valor insofismável assim como a forma competente com que executam as canções sem que haja qualquer falha e a somar a estes pontos há a performance inexcedível do vocalista assim como a de um público no limiar de uma loucura que os enfurece num exorcismo colectivo que é reflexo de que os Johnny Dead Radio não deveriam estar a tocar sob a Esplanada Silva Guimarães antes o lugar deles é lá em cima.

PSICOTRONICS + Wakadelics, 22 de Novembro, Teatrão.
Woodrock In Town (Johnny Dead Radio + Twelve Billions), 23 de Novembro, Meeting Point, Figueira da Foz.

Em memória do António Tavares-Teles.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Beyond Good and Evil

Decorre nesta noite de Novembro uma tempestade que gradualmente se abate sobre a cidade do Porto salpicando-a com um pontilhismo luminoso de tão obscuro que a envelhece em cada segundo que passa e em cada passo que dou e friamente meto essa fotografia no bolso do casaco preto de cabedal e procuro o bilhete para ver no Hard Club os Primal Scream mas previamente há actuação dos portuenses Fugly que derramam a sua verve punk mas assediada constantemente por um trash vibrante que lhes confere uma densidade predominantemente agressiva e as inúmeras variações rítmicas incute-lhes uma eloquência atroz e pena que haja tão escasso público e que isto se reflicta aquando da entrada em palco dos Primal Scream que se atêm ao predomínio de programações e samplers que são rasgadas ou reconstruídas pela guitarra eléctrica do Andrew Innes mas a gramática que predomina é a de um ritmo atroz que provoca uma perturbante claustrofobia que paradoxalmente é tão apelativa quanto dançante e quem dança no palco é o Bobby Gillespie que enverga um fato cor-de-rosa desenhado pelo Alexander McQueen que esteticamente se encontra inscrito entre a década de sessenta e setenta do século XX e esta ambiguidade oferece-lhe um simbolismo de figura enquadrada no tempo e no espaço que o rodeia com figuras fotografadas pelo Lewis Carroll do qual se tal fosse possível o Bobby Gillespie teria sido o modelo humano para a Lagarta azul no “Alice No País das Maravilhas” e os Primal Scream ao se munirem do fluxo absurdo do livro deflagram canções em que impera o psicadelismo mas um psicadelismo sustentado na repetição numa métrica estruturada para violentar o consciente a isto associam os strobs que aprofundam a violência do ritmo num estilhaçar e ou numa decomposição do kraut rock e esta delapidação é algo digno do sagrado de tão corrosivo e isso poderia decorrer ad eternum sem que haja qualquer atenção para as paisagens circundantes que formam um vórtice e desaparecem e esse quadro volátil é o detonador de um outro conjunto de imagens canibais e vice-versa e etc. e após este derrame de ácido musical sobre os cérebros até aí virgens de tal delirante droga o Bobby Gillespie anuncia que agora vão “slow down” e inscrevem um blues rock mergulhado numa densidade tão decadente quanto austera em que as cores são negras que gradualmente se transforma num rock violento viril e tempestivo ouvem-se as palmas do público a acompanharem a corresponderem ao Xamã vestido de cor-de-rosa que sente a dor da despedida de um amor que julgava eterno “baby stay with me”, “stay with me”, “stay with me”, e prosseguem para o recrudescer de um rock com reminiscências às décadas de sessenta e setenta (século XX) que oferece às canções um cariz de festividade incomensurável de tão urgente e que não se extingue no rock antes reafirmam-no como o evocar de uma memória épica que têm o talento de transcender e nessa medida rejuvenescem-no para algo que apela a que se dance sem qualquer restrição e se alcance uma liberdade hedonista que apela a que se limitem ou se anulem inúmeros preconceitos e se nutram desta energia que percorre o concerto transversalmente numa estrutura musical e narrativa em que a voz do Bobby Gillesppie desempenha um papel de cantor que tem uma dicção assertiva de tão presente quanto o seu posto e este centro é o catalisador da indução a uma hipnose que confere a quem está presente a estar ausente mas paradoxalmente a bater palmas à performance apoteótica dos Primal Scream.

Primal Scream + Fugly, 6 de Novembro, Hard Club, Porto.