terça-feira, 19 de agosto de 2008

João de Ruão

João de Ruão é um dos artistas que marcou particularmente, no século XVI, a cidade de Coimbra. Vindo da Bretanha à procura de trabalho em Portugal, onde se estabeleceu como escultor, a sua obra é vasta e o seu engenho e arte é reconhecido como subtil, inteligente, delicado. Este artista fez a transição do Renascentismo florentino, a sua primeira fase, para o Maneirismo com clara influência greco-romana. Esta capacidade de se adaptar a estéticas diferentes, mas não opostas, é a prova que tinha uma capacidade insuspeita em se adaptar a novos tempos e desta forma actualizar a sua linguagem. As imagens que cria são predominantemente religiosas, ocupam lugares de destaque nas igrejas, onde o seu nome será relacionado com a capacidade de transcrever uma linguagem delicada mas eficaz. Não esquecer que um artista sofre e cresce em público, isto é, será avaliado pelos seus conterrâneos e julgado por estes. É este o facto que torna tão complexo o trabalho de um artista: a relação que mantém com os destinatários. Se o encomendante era quem decidia a imagem icónica que pretendia, o executante teria que inflectir no sentido do pedido, não existia espaço para a divagação estilística, e, ou liberdade para concretizar o que bem entendia. João de Ruão é um caso de sucesso, homem que desenvolveu o seu “mister”, é a partir deste que percorreu o caminho árduo da representação de Santos, Virgens, e todo um conjunto de elementos que se impunham ao olhar e a partir do qual os católicos descodificavam os mistérios que a Bíblia encobria, dado o facto da grande maioria ser iletrada. A arte desempenhava um papel caquéctico dada a sua verosimilhança: mediadora entre profano e o sagrado. O povo reconheceria o gesto dos braços, a colocação da mão sobre o rosto branco e o olhar colocado sobre o ângulo da visão do espectador a questioná-lo sobre a sua fé, e em simultâneo, obrigá-lo a reconhecer-se num espelho. A importância da arte é relevante ao ponto de ser assumida duplamente: é decorativa mas simultaneamente ideológica, tendo esta dupla função, João de Ruão é o narrador da esperança que de dia para dia nos aproxima do além, e da igreja, do Senhor que se afirma como fiel condutor de um presságio eterno.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Stonehenge

Fundo de verde submergido em formol com a inscrição “Combine Harvester” e sob este título, duas locomotivas do início do século passado. Surge um quarteto de punks que semeavam Picadilly Circus, com o cabelo espetado e alfinete a perfurar a face, a escarrar e a prostituir-se por um charro. Transformados em Sex Pistols por Malcolm McLaren, estilizados por Vivienne Westwood, incendeiam os jornais ingleses com reacções radicais contra o sistema profundamente conservador. Estão a tocar no palco principal do festival Indie de Paredes de Coura, com a cerveja ao preço da gasolina. Johnny Rotten, o cabecilha do gang, veste calça de padrão inglês e uma t-shirt, sobre a camisa larga e negra, com a legenda Sex Pistols, para que não restem duvidas! A bateria tem as cores da Union Jack, que filia a Commonwealth, são os punks! “I am an antichrist, I am an anarchist, Don’t know what I want but, I know how to get it, I want to destroy the passerby ‘cause I wanna be anarchy! No dogs body!” São uma película radiofónica de Londres de 1977, e depois? “God save the Queen, She ain't no human being, There's no future, In England's dreaming”, quando trepou pelas tabelas de venda o nome da canção foi censurado, era a revolução? “No future for you” era o que os Sex Pistols ofereciam, nada mais. “Obrigaaado Portugal”, abre os braços e suspende-os a ironizar, movimenta-se como um boneco alcoolizado, rotinado a ir ao bombo onde emborca da garrafa de whisky, e esborrifa para o ar, num chuveiro dourado, mais um elemento cénico com origem num gesto tresloucado, desdentado, balofo que se desloca juntando os bicos dos sapatos de verniz, abre os olhos para exorbitar as orbitas e ganhar a dimensão suicida, enraivecida. A insultar constantemente os técnicos de som, e a censura a dois espontâneos, recebe o aviso: “Don`t you ever do that! This is my place, there is yours!”, e aponta para o vale preenchido de rostos que não reagem, num corte de um fotograma do passado que não querem reviver. Steve Jones, carrega na distorção, ecoando os acordes de uma geração que usava suásticas como elemento decorativo, pintava os cabelos de vermelho, sujo, lixo, história: Johnny Rotten, bateu com o microfone na cabeça, bum, bum! SEX PISTOLS!

Festival Paredes de Coura, Sex Pistols, "Combine Harvester", 31 de Julho