terça-feira, 25 de abril de 2017

The Beach Boys

Está um dia luminoso de Abril no Cabedelo (Figueira da Foz) que se encontra junto a uma praia onde se bronzeiam náufragos e naufragas que escondem os seios nas toalhas dos chineses, e brincam anões evadidos de circos de usam animais em números grotescos; no paredão as figuras parecem sombras que desaparecem num horizonte que é inatingível, há quem passeie um animal de estimação que tem uma máscara de quem foi esmurrado ao nascer; e por vezes surgem surfistas que passam vestidos de borracha com as suas pranchas bicudas ansiosos por se imiscuírem no movimento perpétuo das ondas, alimento a esperança secreta de que a temperatura aumente e as nuvens sejam tufos de algodão soprados pelas almas dos piratas que soçobraram em combate ou que foram enforcados em ínsulas habitadas por macacos bicéfalos; numa estrutura em madeira sede da iSurf Academy está instalado sobre um estrado em madeira um órgão e uma bateria, no primeiro senta-se uma jovem tímida e num banco um rapaz que formam os Drunks on the moon, e a voz da jovem é melodiosa e quente que se irmana preciosamente com as canções que são delicadas e melancólicas, que ganham um dramatismo americana quando o jovem toca guitarra e dá-lhe no bombo, que produzem uma tepidez que entra em choque com os raios do sol que teimam em contornar as pessoas que batem palmas efusivamente quando encerram cada uma das canções; estranhamente este é o primeiro concerto dos Drunks on the moon porque na essência parecem que tocam há anos e como tal merecem que sejam avaliados segundo o critério da excelência. Antes dos próximos convidados musicais o microfone é tomado pelo Capitão Segundo que discursa em morse um slogan revolucionário: “Não!”, “não!”, “não!”, parece um ditador filho de Neptuno que nunca se adaptou à vida terrena, “e nós não queremos isso!”, aponta a mão direita para as ondas alheias ao seu reboliço verbal; quem tem o privilégio de apresentar a próxima banda é o infatigável Kazuza, que viera expressamente para comer o porco no espeto que fora servido à hora do almoço, segura no microfone como se fosse um objecto com vida: “E agora Cavemen(a)”, di-lo através de um grave omisso que é impossível de compreender mas mesmo assim é agraciado com palmas, que ocupam o estrado e a fúria que implementam tem origem numa demência incontrolável, liderados por Paul Cavemen de tronco nu com um colar com ossos de plástico com origem nos antípodas que inúmeras vezes abandona o estrado --chega a deslocar-se até uma rotunda onde importuna o busto do artista plástico Mário Silva-- e com as suas botas dandy enfrenta o público numa afirmação clara e concisa de que está decidido a levantar poeira e que está os domine, os seus parceiros nesta viagem punk correspondem a Jack Caveman na guitarra eléctrica semi-distorcida que é responsável por rifts e solos minimais que lhes pespega uma originalidade visceral, e o baixo eléctrico semi-distorcido do turbulento Nick Cavemen que associado ao imberbe Jake Cavemen solidificam a base de uma estrutura irrepreensível, e as pessoas gritam e dançam enfurecidas pelas suas canções com o dom de os rejuvenescer e retratá-los numa rebeldia em que se insurgiam contra as regras do capitalismo.

CBGB presents Happy Days, 23 de Abril, Cabedelo-Figueira da Foz

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Manifeste du Surréalisme

À entrada do Texas Bar numa localidade com uma designação deveras sugestiva pois amada pelos humanos: Amor, onde tenho encontro marcado com os Parkinsons e os Cavemen, a senhora ao balcão estranha o bloco de notas e a minha questão, “os concertos já começaram?”, a resposta é reticente, “já, começaram agora mesmo”; no interior oiço uma música que não associo aos dois grupos (que no cartaz que circulava na internet se adjectivaram de “savages”) ao procurar o palco de onde vem a música encontro um homem de negro com umas listas brancas de índio numa cabeça careca que se baptizou de mARCIANO, as suas canções são predominantemente synth pop que são transmitidas por um Mac, e as letras versam amores perdidos ou frustrados mas primam por lógicas românticas que não se conseguem afastar de lugares comuns, e a sua voz não acompanha o dramatismo da sua gestualidade algo que lhe oblitera a dor, mas há uma ambição desmedida em atrair a atenção do público, porém falta-lhe a ousadia de instituir mistério à sua persona que deveria exaltar como centro a ambiguidade e apresentar-se-ia através de um universo de lantejoulas ou plumas e se esta excentricidade fosse sonoramente coincidente mereceria um palco maior que não tivesse uma pipa e umas redes de pesca sobre a sua cabeça e não estaria uma jovem a ser tatua a escassos metros do mARCIANO; há a censurar a versão de um fado da Maria da Fé e o histerismo canino no último tema “Cães”. Num outro palco surge os Cavemen quatro rapazes que se dividem pela voz, guitarra eléctrica, baixo eléctrico e bateria e que apesar do som abafado das colunas procuram ganhar a atenção do público, e quem assume esse papel é o Paul Caveman que se insurge continuamente contra a apatia dos presentes e canta como se o amanhã fosse apenas uma ficção determinada por alguém demente, as canções são curtas e rápidas sem que haja lugar para que o ouvinte tenha tempo de as distinguir, e a semi-distorção é um elemento comum que dominam exemplarmente e que com o decorrer do concerto faz balançar os corpos dos cépticos; o único ponto negativo foi uma canção que principiaram e que não conseguiram finalizar assertivamente. Os selvagens que se seguem são os míticos Parkinsons que sob as luzes que variam entre o azul o amarelo e o vermelho descarregam uma força sonora que de canção após canção se transforma numa massa rude e grotesca da qual sobressai a voz em delírio do Afonso Pinto e os solos épicos do Victor Torpedo, há pessoas que sobem para o palco mas o tumulto é vivido pela plateia como se estivessem sob o efeito de uma droga que os pôs em transe, acompanhados por um baixo eléctrico irrepreensível do Pedro Chau e a bateria da Paula Nozzari, que se levanta no intervalo das canções para relaxar os seus músculos dos braços e das pernas cobertas por meias rendadas; sensivelmente a meio do concerto são acompanhados pelo teclado do Jorri que introduz uma perspectiva esquizofrénica a um muro pejado com cartazes pró-abjecionismo.

CAPITÃO VI Embarcação, 22 de Abril, Texas Bar