domingo, 25 de março de 2012

Psicopátria

As luzes do palco do Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz estão estáticas marcando a ausência dos músicos que acompanham GNR que durante trinta anos sobrevoaram Portugal. Palmas. Orgão e piano introduzem “numa terra sem leões” numa casa portuguesa “cheira-me a fêmeas fatais” concerteza: “algumas confusões, problemas ideias”. O violino marca o início de uma leve progressão: “Rei da rádio dá-me a voz, canta por nós, Rei da pop dá-me um som”, baixo de Jorge Romão impõe o acelerar da progressão. “As cidades tão banais e rurais, faz das tripas corações”, o baixo traz consigo a banda: “Rei da rádio dá-me a voz”, “esquimós”, “morreu por nós” (eco), teclado, palmas. “Boa noite”. As teclas assumem uma melodia tépida, como se fosse uma harpa, a bateria coloca-se entre este eixo e o baixo visceral: “Tarde de chuva a Península inteira a chorar”. Amélia ergue-se como um “sirio cintilante” , observada pelo Padre Amaro: “em frente ao altar” o que se crê “um anjo fumegante”, o violino sobrepõe-se ao ritmo binário: “Um desejo profano a crescer” do português de aqui e além mar “até sinto a língua morta” no centro há um anjo petrarquista que “devem tentar compreender”, será que vacila entre o sacrifício e o pecado, “estará a meditar”? Solo de violino, “Ai” (eco), “Ui” (eco), o ritual: “Atirem-me água benta”, “por ela assalto a caixa de esmolas”, “é Maria, casta eu sei, virgem ou não depende da vossa fantasia” . O convite irrecusável ao nosso Estado: “Vai para o Inferno de Dante”, solo Hamond e o violino a intervir circularmente: “Ai” (eco), “Ui” (eco). “Atirem-me água benta”, por ela assaltamos “a caixa de esmolas” e seguimos para “o Inferno de Dante”, atirem-lhe água “bem fria” (eco), “Ai” (eco), “Ui” (eco). “Elvis Costello e o David Byrne”. “Leve, levemente como quem chama por mim”, a canção da película: “o odor do medo puro”, não sabemos que o anel de “diamantes” é de fancaria. Rei de POPortugal canta sobre as ondas sonoras de orgão negro, “com muita atenção, ai! O meu coração!”. O cerne do problema: “Sabem que me escondo na Bellevue”. O aviso na placa do portão da Bellevue: “Cuidado com o cão”, mas a sua presença feroz não o impede de violar a propriedade “e subo a mão”, o sintetizador introduz uma textura artificial “diamantes” e seguimos o narrador “com muita atenção”, que sofre “Ai! O meu coração!” e não sabemos: “Sabem que me escondo na Bellevue”, e a casa dos espíritos tem um “corredor” que nos conduz para um “sorriso cruel”, seduz e instiga a saltar para a “cama de Dossel” , “experimento o colchão”. “Sabem que me escondo na Bellevue” e as “minhas amigas no fundo do jardim agora mais ninguém confia em mois”, a bateria quebra a rotina lugubre dos teclados e insurge-se como o batimento de um coração receoso do fim. “Agora mais ninguém espera por mim”, pausa, palmas, o violino é uma lamina cortante para dessosar os cadáveres e partir da qual se impõe a progressão da banda. Rei de POPortugal mimetiza a posse introspectiva de um professor catedrático perante uma equação por resolver e com o indicador aponta para a janela: “Sabem que me escondo na Bellevue”, os corpos ainda estão quentes sob a relva “as minhas amiguinhas no fundo do jardim”, “agora mais ninguém confia em mim” era só para “brincar ao cinema negro” a tela branca projecta um país com “jovens no de-sem-pre-go”. “Penteado igual ao do David Bowie, ´Ziggy Stardust and the Spiders from Mars`”. Violino sobre o piano de cauda dedilhado por Antonio Cesar Machado: “Lá vamos nós!”. Palmas. “Obrigado gente sentada!” A bateria toma a pulsão da canção pop com borbulhas de sabão suspensas no ar, “pra limpar”, irrompe o grito do Ipiranga “logo ao nascer” e o drama “nada apetecer” e a resposta: “Mais vale nunca mais crescer”, a bateria dá o ritmo cardíaco ao recém nascido e é alegre e divertido estar vivo, “mas olha para o que eu faço: mais vale nunca mais beber”, os pratos da bateria deixam espaço para os acordes abertos da guitarra e a doçura do teclado: “nunca mais crescer” e “mais vale nada”. O baixo de Jorge Romão insurge-se como se fosse uma das artérias que nos liga ao cérebro e uma resposta em forma de wha wha é introduzida pelo teclado de Hugo Novo. Rei de POPortugal bate palmas ao ritmo de um parto feliz providenciado pela pulsão alegre da bateria e os acordes de cor de papel de parede de um quarto bebé. Pausa. “Vais ouvir e ver”. “Nada acontecer”. “Mais vale nada”. “Mais nunca mais crescer: Nunca mais querer”. “Mais vale nunca mais crescer”, “nunca”. “Mais vale nunca mais crescer”. Violino: o rompimento do cordão umbilical: “NUNCA!”: “NADA”, violino, e uma estrondosa ovação é desferida a GNR por parte dos presentes.“Obrigado! Também às vezes... E biba e biba Espanha: TERÉTER. Inteligência e sensibilidade da canção número cinco”. O piano de cauda é dedilhado por um anjo de blaiser preto secundado por um sintetizador “Asas”, “your song; encosta-te a mim”, resolve a equação com um falseto iconoclasta “asas servem para voar, espreitar mil casas no ar”, soa um único prato da bateria sequênciada pelo bombo, estoiram “do alto do ar”. O baixo amplia a canção: “quiseres pousar na paixão que te roer” e o violino prolonga-se languidamente e lascivamente “aconteça o que acontecer”, o hammond pelvilha-a com mortalidade. Rei de POPortugal, segura o tripé com as mãos e a progressão circular é direcionada num ponto preto sobre a tela branca. “Pousar na paixão que te roer”, o buraco na tela aumenta rapidamente “de acabar”, o falseto corresponde à voz da alma: “Já não há leis para te prender” adicionado por um final épico. “Tóli Cesar Machado no piano forte. Chegamos esta tarde e ligou-se ao piano, é um espécie de Mexia mas na poupança! ´Valsa dos Delatores`”, violino, teclado infantil, Nursery Rhymes: piano de Antonio Cesar Machado, “tens medo do escuro tal criança sem futuro, és fraco velhaco cobarde armado em duro”, violino subtil, “no caixão”, o piano a rezar com o rosário nas mãos e o violino persegue o pecado e emerge uma textura infantil injectada por Hugo Novo. “Nem na cama estas seguro”, “sofre de medo puro”, Ruca Lacerda dá um tempo longo sobre o bombo, dando ritmo à marcha contra quem “sofre do medo puro”, “dos mortais que te rodeiam” e o português como as mentiras: “mesquinhas serpenteiam” . “É uma volta no caixão, perseguição”, o poeta abre os braços e o convite denota rejeição pela profunda oração/ordem: “E vai pelo Mundo”. O Rei de POPortugal levanta o braço e movimenta a mão para à frente e para trás e instaneamente dança como um soviético e o bombo encurta o seu batimento, aumenta a progressão e o circo de feras pega chamas. “Nós deitamo-nos todos os dias cedo, para que isto dê certo. É uma espécie de erecção”. O piano de cauda de Antonio Cesar Machado, a voz do criador e artista: “A chuva esconde-se no orvalho”, “na casca de carvalho”, o ritmo é processo perpétuo “única a dar gás”, és “a Rainha das marés”, és “única a dar gás”, a certeza “podes seguir aí sentado, o crucifixo, nas mãos uns dentes de alho” e se o narrador se transmutar numa antropoformia: “Se eu uivar e acordar cheio de grelos”, “a Rainha das marés o Mundo salta aos seus pés”. O violino irrompe num solo circular mas a partir do qual irá lançar notas diagonais a assumir o advir da tempestade secundarizada pelo piano, baixo, bateria. “És a única a dar gás a Rainha das marés”, “és única, a única”, “trégua”, benze-se sobre o ritmo binário e o epílogo é pontual e simultâneo e em altura. “Em vez de tratar vocês por tu. Vou tratar voceses por tu”. “Todos me tratam por você, menos tu não sei porquê”, a silaba tónica “o” é reproduzida pelo piano de cauda, “já não sei onde parei”, “voltei”, “fiquei”. “Eu inventei o verbo amar”, no Trópico de Capricórnio de Miller, Henry, “eu gosto de voce brasileiro”, pausa, o violino insurge-se sobre o piano, “onde cheguei”, “se parti e não voltei”, aceleram vagamente o ritmo, “Eu não gosto de vocês, parti sem hesitar”, “chorar”. O balanço de Copacabana com uma mulata ao colo: Rui Reininho vê-se no seu ginásio com o Carlos Carreiro: “Eu que inventei o verbo amar”. “Esqueci o calor do lar” e o assobio é o espelho do chamamento da serpente: “eu”, “voces”, “partir”, “vou ficar” (eco). “Obrigado Figueira da Foz! A última vez que viemos aqui, estava o nosso amigo Santana Lopes, assim com menos cabelo do que eu” e mexe no cabelo, o público ri. “Quando aqui voltarmos já devemos estar hospedados no IPO”, público ri sonoramente. “E o Tóli no Casino até às seis da manhã? Las Vegas, ´Las vagas`, let`s dance and be alright”, teclado Korg, insere os acordes macros: “AH! É tão grande é macro onda”, é um Tsunami que vai “inundar de ouro a mina”, violino, baixo, bateria 2X2, violentos de hair metal. O revólver passa de cabeça em cabeça dos ouvintes: “Roleta Russa aceita apostas”, a selva, “eu serei a gorda, serás a magra, a cabra cega”, “a vaca”, “a magra”, a antopoformia a sugerir a transmutação do ser: “Estarás de foca”, “peixe fora d` água”, solo tresloucado do violino a incutir a perspectiva: “a magra”, “não havia vaga”, estarei de “foca, tu de tanga”. “Todos de tanga”. “Somos todos peixes fora de água”, “um peixe fora de água”. Palmas. “O Jorge Romão está com um ar encaralhado porque será?”. No imperativo para o público: “É definitivamente ´Sexta-feira` na Figueira”, a guitarra de Antonio Cesar Machado assume-se na condução da canção incutindo-lhe acordes poderosamente pop, afastando-se da vertente light red neck, as pessoas abandonam as cadeiras e regressam a cada “Sexta-feira na Figueira”. “Estes são os sapatos que nos vão enterrar. A canção francesa é dedicada ao nosso amigo Tony Carreira”. A Psicopátria: “Pássaros estupidos a esvoaçar”, teclado saltitante, “os cagados de pernas para o ar. ´Efectivamente`”, o baixo impõe-se na diversão estilistica Pop, somos “ratos do esgoto habituados a controlar”. Rei de POPortugal: “Escuto as conversas”, baixo, teclado: “sem moralizar”, a marcação é dada pelo piano trepado pelo teclado, a paisagem é rupestre com “Bichos” de Torga presente(s): Palmas. “Super nada”. E sobe o sangue à cabeça de Ruca Laçerda: Rei de POPortugal: “Estás a ficar corado?”. Os acordes do piano surgem como elementos decorativos em relação ao teclado que insere os elementos fundadores de um leito de onde “há um prénuncio de morte lá do fundo donde eu venho”, a inóspita e poderosa verdade irrefutável do dono do Trono de POPortugal: “Canto a pronúncia do Norte”. Rei sob as luzes brancas ouve a sua voz e o teclado: acordeão: cada nota dedilhada em tempos diversos transporta a consciência para um nível superior, sublime: “Não tenho barqueiro nem hei-de remar”, a barca baloiça com a incursão da bateria, as encostas do Douro “secaram”, vinha após vinha, que encontram o seu dissipar no movimento pérpetuo de “corre o rio para o mar”. Os acordes marcam uma constante emolação: “é a pronúncia do Norte”, “e as teias que vibram nas janelas esperam um gajo parecido com elas”. O compromiso com a independência lírica: “Não tenho barqueiro nem hei-de remar”. “Corre o rio para o mar” (eco) para cessar as almas presentes que esperam a barca do Anjo. “Moscovo? Lindas praias!”. A voz da Pop: “MUÁ. MUÁ”, a cantar num salão de baile num cruzeiro na companhia de Cervantes, “eu vejo destroços de metal a flutuar”, “vejo no Mondego”, ao situar a acção de “Sete Naves” numa geografia familiar instrui o público a seguir a narrativa claustrofóbica. GNR recorrem a uma repetição circular progressiva dos acordes, com um recorte interno de Jorge Romão irmanado à bateria e esta sequência minimal provoca sincope: “sinos sinetas ao acordar”, violino, breaks da bateria, hipnótico, ácido, e os dedos “frios vontade de me enferrujar”, a decomposição: “Matéria por soldar”, “peso o ritmo, paro de trabalhar”, “as vagas onde elas vogam”, falseto: “Voltam-se devagar”, cresce um odor de Marrocos de S. Burrogs, William, Naked Lunch. A voz do Rock: “AAAAAA”, “AAAAAAA”. Sincope. Baixo: “AAAAAA”. O contra-fado: “As vagas que eu construo não são feitas para navegar aguentam a violência de um beijo mas nunca a do mar”, contra o “Orgulhosamente Sós”, Salazar, Oliveira. Os breaks da bateria marcam o aumento do ritmo e a altura , através de um gradual 2x2: “LÁLÁLÁ”; Jorge Romão: “BOM! BOM!BOM!”; “LÁLÁLÁLÁ”; “BOM!BOM!BOM!”. “Há uma questão sexual entre mim e os bichos”. Rei de POPortugal balança no seu colo de braços compridos um bebé e as escovas da bateria reforçam o R.E.M do recém nascido. Jorge Romão. “Principal”, o ácido do vinho do Porto escorre das encostas do Douro, “ardem chamas de dois sóis”. Portugal: “Na luta na arena principal mato-me primeiro e a ti depois”, ao “saltar a fronteira”, “estou na Figueira” , sem “correr e sem saltar”, D. Quixote de La Mancha, Brel, Jacques, “oculto sangue que temos para dar”, cantado e finalizado em surdina pelo público. Ovação. Ovação quando o Rei da POPortugal regressa ao palco do Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz, senta-se ao piano e recorta o teclado, ri. “Há um ano atrás, estreamos, ´Voos Domésticos` no Portugal Fashion”. “Voos Domésticos” é Gardel vertido no Último Tango em Paris através da guitarra de Antonio Cesar Machado, violino agudamente: “aterrar aqui”, o desejo utópico: “Num tapete mágico” com Balthus, acutilante doce e belo: “Fim em mim”, a dependencia amorosa: “Olha a turbulência é da tua ausência”, o local: “algures na cozinha, jantar gourmet”, “café”, o violino progride e transporta consigo a força doentia de uma melodia “em pé”, “Torre de Control fantasia de lençol: adivinha quem és?”. O violino acelera exuberantemente mas o baixo de Jorge Romão domina-o através da sua prolongada obssessão, nesta sequência: Romão, Jorge. O violino insere os acordes da torre emissora para Paris e Berlim, contra MerKozy. “Era um GNR!”. “Tenho a anunciar às vossas moléculas, que o Carlos do Carmo canta hoje em Ilhavo. AHHAHAH! Ele sabe que eu tenho um humor mordaz! Gosto muito do Carlos”. A textura dos acordes da guitarra de Antonio Cesar Machado, exibem uma doçura grandiloquente, através da subtileza do seu ritmo a partir do qual circulam os outros instrumentos, ouve-se a nave a descolar: “Se há lodo no cais”, “onde o mercado impera e vamos longe de mais”, é a revolução sobre a escravatura dos cravos, “muito cuidado”, regresamos ao estrangeiro: “Voltas ao Cais”. A bateria desfere um ritmo afro beat, “sais”, é um banco de areia: “Ó neptunias, sereias sensuais”, e “se o perigo mora ao lado então vai ver ao cinema se ´Há Lodo no Cais`”, com Brando, Marlon, “vais escorregar: muito cuidado: voltas ao Cais.” O sujeito profético: “Muito cuidado, atina, voltas ao Cais”. “É o último show que fazemos para gente sentada”. O piano serpenteia como uma serpente egípcia “felizmente a noite sai, ainda bem que há névoa por aí”, “se a luz se esvai”, “e uma sombra se queimar neste lugar”, bombos, “metamorfoses de horror”. O holocausto travestido de democracia, “vão demorar”, ficamos estáticos “se o céu se fecha sobre nós” . E a voz de Portugal: “Revela ciesta rouca voz”, sobrepõe-se a guitarra de Antonio Cesar Machado, o piano serpenteia: “Directa sim. Eu declaro: Morte ao sol”, “imagem atroz”, “directa sim. Aí Vem a luz!”, a representação da morte num tríptico onde estão inconscientes os crucificados: “Ao sol”.


Voos Domésticos, GNR, 24 de Março, Centro de Artes e Espéctaculos @ Figueira da Foz

terça-feira, 13 de março de 2012

Suicide

Noite quente de Inverno-Verão as estações andam travestidas de abstracções inseguras que levam a fé a torcer pela chuva. O Beat Club está imerso numa selva torrida, que faz o corpo derreter-se em cada minuto do penúltimo concerto da vida dos geniais Tiguana Bibles. A primeira canção é numa vertente maioritariamente Spaghetti western, com a guitarra de Torpedo a pronunciar-se através dos agudos procurando responder à de Augusto Cardoso, sobre um ritmo contínuo. “Hello, it’s fucking hot in here! ´Against the law`”. É a canção de uma delicadeza exuberante, com a voz de Bunny Lake a impor-se como o elemento que a cobre com uma melodia doce: “I found myself under the killing moon”, a banda segue a voz de Bunny Lake: “crush my body against the wall”, e quando deseja é sempre “soon”, e o desejo é asfixiante: “can`t wait any more”, as guitarras continuam o seu diálogo como se fossem dois membros do coro grego, mantêm-se expectantes: “it`s against the law this kind of love”. A incerteza e o medo de se ver vilipendiada por um sentimento que era uma ficção até ao momento , “The way I`m feeling about love”, síncope imposta pela bateria, “wrooong”, “up side down”, por vezes divide-se num outro microfone de onde sai uma voz compassada e máscula: “out of control”, languidamente: “it`s against the law”, a partir de “love”, o ritmo acelera e os solos de Torpedo e de Cardoso esquartejam-se intercaladamente e continuamente. Bunny Lake, no centro do palco, como uma estátua que luta para incutir nos ouvintes o amor: “it`s against the law”, “I`m feeling about love”, “I`m feeling about love”, “I`m feeling about love”. “Fuck me! This next song is called ´Rebound`”, a bateria através dos bombos insere o ritmo vibrante típico da pólvora seca, solos das guitarras a imporem a desagregação do equilíbrio ou deste ser promovido a partir de alfinetes a perfurar a carne macia, “street”. Bunny Lake levanta o braço esquerdo à altura do ombro, e a lamúria é um convite a ouvi-la: “stop this rebound”, a guitarra repete os acordes do refrão sobre a síncope dos bombos, “rebound”, “I can`t stop this rebound”, “I can`t stop this rebound”. “I have no interest in stories that I haven`t been told in books”, despe o casco de lantejoulas e releva um macacão preto com decote exuberante. Break da bateria com as guitarras a verter uma lascívia próxima da protagonizada por Johnny Marr pontuadas pelo travo trágico de Jonny Cash: “Why can I say it`s all in the books”, “I don`t care anymore”, “Their`s no escape in my life” entrecortada por um solo de guitarra que sobe a escala para fazer o mesmo movimento no sentido oposto. “Anymore”, “the words you say”, “I don’t care anymore”, “in my life”. “All can be a little more closer. He is [Panda, o homem do baixo] still in the fifties, it`s like Sting. Dirty ladies”. O ritmo é acelerado, “playing with the devil”, com a voz de Bunny Lake com os agudos mais fechados a adornar os “ing” , com a angústia: “working for the devil”, “apart”, “I don`t now”, solo ominipresente de Torpedo, sobre os breaks da bateria, “on my mind” (eco), a partir deste momento o Marr e o Cash fundem-se como ácido num copo de champanhe bruto. Bunny Lake, bebe água: “It`s fucking poison! I drink a lot of alcohol, It gives me a personality . It´s our first concert here and the last one”. Bateria sobre a qual a guitarra descarrega uma energia electrostática: “their`s one way to get me, you have to fall into my world”, guitarra, bombos, ritmo rápido, “heart to follow”, “waste all the time”, “tender eyes”, “please stay”, a certeza de uma mulher que deseja o desejado: “everything's gonna be all right”, o ritmo aumenta e as guitarras deflagram como se fossem tochas a verter chamas sobre os nossos ouvidos: “you have to fall into my world”, mexe o braço esquerdo e dança ao ritmo da sua prece: “out”, “work it out”, breaks vêem ao de cima, solo de Torpedo, “heart to follow”. Bunny Lake treina o português útil: “dá-me um cigarro por favor”, é socorrida por fãs sequiosas de lhe acender o vício. E a incursão pela língua latina continua na canção: “Meu amor”, com baixo de Panda a delimitar as fronteiras onde se inscreve um slow doentio não fosse cantado pela voz tropical de Bunny Lake: “I can`t get you out of my house”, o ritmo passa a binário, “you”, “AAAAA”, Bunny Lake senta-se e cruza as pernas, Augusto Cardoso abusa a melodia grotescamente, ao injectar um teclado travestido de tremelin, e por consequência os outros instrumentos ficam conspurcados com a sua súbita presença e transformam o Beat Club num baile de finalistas de cadáveres. O ritmo aumenta pontualmente, “meu amooor”, “don`t tell me, meu amoooor”, “I`m swimming in your sea”, “YOUR”, “oOOOO”, “you”, “you”, guitarras e bateria: “AAAAAA” (doce). “AAAAA” (doce). “AAAA” (doce). “AAAA” (doce). “Muito obrigado! So sorry I`m smoking! I love to smoke indoors. There’s nothing like this anymore in Britain”. A bateria abre espaço para a entrada da guitarra de timbre agudo, “misery”, pop-billy, “angles”, “words away”, refrão é quase explosivo: “just big explosions”, Bunny Lake abandona o palco e desloca-se por entre o público, como que a querer espalhar a sua explosiva sensualidade e desta forma impor-se à memória. “WE ARE EXPLOSIONS AND WE ARE BREAKING THE WALL, WE ARE EXPLOSIONS AND WE ARE BREAKING THE WALL”. “Fuck! Seriously I don’t understand why Madonna can sing for two hours! Right back to the start... I would like to dedicate this song to Jimmy and to dead Paul”. Palmas. “I want you far away from me”, “of my own”, “cigarretes”, ritmo 2x2 que com o baixo formam uma síncope angustiante, merecedora de um mergulho no ar no sentido da profundidade onde os micro-organismos impõe a sua natureza, as guitarras respondem com violência sanguinária. “Run, run to her town”, o convite é feito através de uma voz de veludo, que nos abre a porta para o precipício proporcionado pelo nada, “my tears won`t last”, e o seu convite à nossa fuga para “to see her”, e a resposta à sua solidão: “my heart only now”, descarga das guitarras com a de Torpedo a realizar um solo que sobe e desce a escala lentamente: “my tears won`t last”, o ciúme de Bunny Lake pelo ex-amante, “press on her”, “my body”, ele “you say to her”, “to me”, o convite à ordem: “Run, run to her town”. “I’m jealous of Portuguese girls: best skin and hair, and you don’t sweat”. A canção seguinte leva as portuguesas que se encontram na primeira fila do palco a dançar, à procura do primeiro pingo de suor que as suas peles brancas possam exalar. Proporcionado pelo ritmo rápido e pelos acordes das guitarras intercaladas em contínuos agudos, “close your eyes”, “soul”, “special”, “out of this world”, “soul”, “inside my soul”, solo de Torpedo resposta de Augusto Cardoso, “close your eyes”. Bunny Lake canta por entre o público, procurando “in your soul” alguma ordem num caos “you can see” eventualmente “heart in your soul” num “world” imaginário “artificial” como “heart of soul”, “love from me”, trágico: “inside my soul”, “inside my soul”, com as vogais cantadas de forma prolongada para nos levar para o fundo. A próxima canção é dominada por acordes puramente pop, mas há um senão, a tensão com que as guitarras libertam os acordes, de um teor sónico-épico e o refrão não poderia ser menos apropriado para sair de um transistor habituado a jogos de futebol: “sick of the world”, que envenena a canção: pop-sick, “soul”, os acordes da guitarra abrem espaço para a voz: “try”, solo de Torpedo a repetir as notas doces do refrão, 2x2, voz: “I want to tell you”, “I`m gona tell you the reason to cry”, “I`m sick of myself”, “hearts made of stone”, “mine”. O teclado leva a canção para uma introspecção insperada mas que gradualmente a afoga num lodaçal: “AAAAAAAAAAA”. “Ok! Last song”, segundo Bunny Lake: “Doors song with a help of The Beatles”, bateria, guitarra pop-rock-billy, “your heart against the wall”, e as ordens virão da determinação de Bunny Lake ao impor: “new orders will come from your heart”, que incendeia a plateia disposta a seguir os Tiguana Bibles para longe deste Beat Club. Voz + teclado fúnebre por contraposição à doçura tímbrica da deusa de um filme de Lynch onde a protagonista se revela numa outra personagem sempre que ouve no seu interior o eco do sintetizador de igreja que do vinho fez sangue.


In Loving Memory of Paul Hofner, Tiguana Bibles, 10 de Março, Beat Club @ Leiria

domingo, 11 de março de 2012

Sob Escuta

O piano é uma malha fina de tecido de seda, “numa selva sem leões”, a declaração de amor carnal: “cheira-me a fêmeas fatais”, o espicaçar do violino dedilhado por uma mulher angular, magra e maquilhada de boneca do leste. “Ideias originais”, a banda vem à superficie , o pedido de clemência: “rei da rádio dá-me a voz”, sintonizamos o transistor e o “rei da pop compõe para nós”, pausa, banda respira, a merda das “cidades tão iguais” . O piano de Antonio Machado numa cadência neo-pop, com o sujeito poético a encarnar “tripas coracões” , no centro, o narrador ficcionado “indiferentes orações” , baixo submerso na malha melódica a puxar pela estrutura óssea do “rei da rádio dá-me a voz” , banda, a lei “compõe para nós” , a fatalidade da lógica institucional que somente o “rei do roque morreu por nós” , “por nós” (eco), o piano e o baixo surgem e o vilino expande-se rasgando o tecido do piano, que fez nascer a canção. “Rei da rádio dá-me a voz”, a voz da rádio portuguesa: “compõe para nós”, “cantam por nós” em inglês. “Morreu por nós” , o teclado de Hugo Novo, salpica o sangue essencial para encontrar o fim. “Obrigado boa noite, bom dia! É maravilhoso voltar aos palcos especialmente aqui em Estarreja” . O teclado volta dimensionar-se como uma malha de metal a partir da qual irrompem as cores do pecado: “tarde inteira a chorar” o que faz uma mulher numa casa portuguesa “fumando em frente ao altar”, será a a nossa irmã ou irmão? O ritmo engrandece a canção. A castidade revista em “um anjo fumegante” , violino cortante derrapante agressivo vivo a imputar a morte à morte, aborto, “profano desejo a crescer” , e o acordo ortográfico: “até sinto a língua morta” , o ritmo sincopado, mas numa vertente crescente e decrescente, remoinho, “estará a meditar”. O violino abre espaço entre a cadência ritmica para ser o transmissor da acção: “AAI! UI!” (Eco!) “Ao inferno de Dante, atirem-me água benta”. O Estado: “com ela lá vai a caixa de esmolas”, “atirem-me água fria”, solo hammond, sobre a sincope, o vilonio reverbera uma última vez: “Ai!UI! Atirem-me água benta, por ela assalto a caixa de esmolas” , “por ser cinquentona o nome dela é Madonna. AiUi! Sexy eu sei!”, “ depende da sua”, “ atirem-me água friaaaAAA”. “Um tema luso”, teclado fúnebre, dedilhado na barca do anjo, o hino à sangria que está ocorrer em Portugal. Baixo de Jorge Romão: “Leve Levemente como quem chama por mim”, a banda sublinha as vogais do objecto poético, mimético, “a tensão o medo”. Reininho sobe o pé e “a mão” , uma flauta emerge como um guarda rios suspenso numa cascata, o Rei de POPortual: “encosto no vidro o anel de brilhantes”, “ Ai! O meu coração!”, “sabem que me escondo na bellevue, ninguém aparece ao meu rendez vous”, somos todos cadáveres adiados: “um sorriso cruel atrás da última porta cama de dossel”, solidão,”sabem que me escondo na Bellevue”. Jorge Romão ergue o baixo: “as minhas amigas no jardim” das camélias “agora mais ninguém confia em mim”. Pausa. Palmas. Violino mais teclado submisso , violino impositivo, abre o prisma para a banda, as luzes acendem-se e apagam-se , estabelece-se a progressão, pausa, “sonho que me escondo na Bellevue, ninguém aparece ao meu rendez vous”, o espaço onírico onde “os meus amigos enterrados no jardim agora mais ninguém confia em mim”. Rei de PoPortugal veste a pele do Conde Lautréamon , a pericia de um membro em constante mutação, através da deglutição, a promesa: “desemprego” o murro no estômago e o vómito a espumar. “Uma mais positiva para fazer crescer as pedras da calçada” portuguesa. Mais vale um violino e teclado sobre o ritmo binário mais vale palmas mais vale baixo mais vale o bombo que marca o ritmo e o baterista faz correr areia num instrumento cilíndrico, é prenúncio de um nascimento, “que tentam calar”, é, “vais ouvir e ver”, a perversão de um povo velho, “mais vale nunca mais crescer”, solo do violino, e o baixo ressurge numa cadência comprometida com o “cérebro em fuga”, “letal”, “anda responder”, “mais vale nunca”, ficam, “ficas a aprender”, “mais vale nada”, e o Rei de POPortugal, joga basket com uma bola transparente, liberta-se do adolescente que o prende à terra, a banda segue o movimento dos acordes, livres e descompremetidos em relação ao envelhecimento imposto pela natureza. Pausa. “Mais vale nunca”, “nada”, ou, “apetecer”, “crescer”, não olhem, “olha para o que eu faço”, utópico: “Nunca mais morrer!”, violino e baixo, “agora Estarreja!” : “Nada acontecer!”: “Nunca mais crescer!”. “Jorge Romão no calhambeque. Há anos, estreamos aqui ao lado, em Aveiro, não sei se conhecem, esta espécie de Veneza com menos gôndolas mas com mais dinheiro, onde estreamos ´Popless`”. Antonio Machado, introduz através do teclado os acordes pop de uma canção de amor com “Asas”, “servem para voar”, “espreitar”, “mil casas no ar” o sintetizador dá-lhe uma textura infantil, “ar” eco, violino, “na paixão que te roer sem prazo ou idade para acabar”, baixo, “aconteça o que acontecer”, violino. A banda surge como se estivesse a soturar uma ferida aberta pela descoberta do amor adolescente. Rei de POPortugal, pega no tripé e coloca-se de lado, abana as ancas, dá voltas à memoria, “acabar”, “já não há leis para te prender”, a progressão segue duas vertentes, unas na altura e no tempo, e o seu cruzamento enuncia liberdade. “Parabéns pelo vosso salão. Somos todos dignos uns dos outros. Mas antes vamos cometer um pequeno pecado”, original: “Valsa dos Detectives”, os dois teclados impõe uma densidade próxima do pós-negrume, violino, sintetizador, pausa, a carga dramática é proposta por um ritmo de escadaria de Sacré Couer, pontuada por Piaf ou Picasso ou Toulouse-Lautrec ou pelo Conde de Lautréamont. “Tem medo do escuro tal criança sem futuro, é falso velhaco cobarde armado em duro”, e quem é, és, somos nós, e vai “pelo mundo guiado pela mão”, e não estamos mortos, “depois de morto dá uma volta no caixão”, violino, “nem na cama estás seguro” , não, violino, 2x2, “que te rodeiam”, “que mesquinhas serpenteiam”, não sabemos sair deste remoinho de esperança vã, de fatalismo kitsch, “guiado pela mão”, o sangue pinga de cada verso. “Depois de morto dá uma volta no caixão”, a acusação sobre a nossa: “traição” e o emigrante “vais pelo mundo guiado pela mão”, o violino inicia um solo contínuo a sobrepor-se à progressão encetada pelos teclados, bateria e baixo de Jorge Romão, ouve-se o centro de uma revolução como um tufão ou remoinho narrativo sonoro: “AAAAAA”. “É a mulher de ontem é a mulher de hoje, cherchez la femme”. Os teclados equilibram a canção num território beateliano, “carvalho” e a bateria revela a cadência de uma melodia agri-doce, a banda repete os acordes pop-slow: “agulha no cabelo”, há uma tragédia “onde o sol se põe atrás”, já que no amor, “és unica a dar gás”, a violência da declaração: 2x2, “rainha das marés”, violino é a voz da musa do sujeito poético. O objecto icónico como sinal da sua pureza transcendental: “crucifixo, nas mãos uns dentes de alho”, para afastar os espiritos como o de Lautréamon: “se eu uivar e acordares coberta de grelos”, a banda inicia a progressão para a retirar do lodaçal da tristeza, “rainha das marés”, com o violino a responder ao Rei: “és unica”, baixo desce a escala e afunda-a numa incerteza da qual é rasgatado pelo violino: “mas tu és unica a dar gás”, “a princesa das marés eu caio aos teus pés”. Coloca as mãos atrás das costas como se estivesse a ser algemado, abre a boca para fugir da asfixia, aumenta o ritmo, “és minha”, diminuem a altura e encontram-se no épilogo. “A coisa mais importante são vocês. Esta música são vocês. Se não fossem vocês erámos mais uns subsidiados ”. Teclado e violino encetam um percurso delicado, frágil, que surge quando os vassos comunicantes se cruzam no tempo e no espaço, “inventou o verbo amar, fugi sem hesitar”, em “que gozo com vocês”, “sem hesitar”, pausa, teclados mais violino, “se fiquei e não gostei”. O break da bateria traz consigo todos os instrumentos, “eu menti sem hesitar, esqueci o calor do lar”, “chorar”, o teclado introduz acordes de um tropicalismo tépido, fátuo, violino, baixo: “eu inventei o verbo amar”, “lar”, “inventei o verbo amar”, “parti e não vou chegar”: o assobio do Rei de POPortugal mimetiza os acordes tropicais inseridos anteriormente pelo teclado. “Ficar” (eco). “Obrigado Estarreja e Companhia. Os Casinos, Las Vegas, Las Vagas, Las Vagas: io”. Teclado binário, o baixo com o pendor de uma cascavel com veneno na ponta dos caninos salivantes, “macro onda, vista ali da marina”, a melodia é “de ouro a mina”, no tapete verde rodam os dados: violino, teclado, baixo, “aceita apostas”, cita Camões: “fiel das balanças”, com o baixo a impor-se como um corte transversal e continuo em cadência marcial, encaminha o sujeito-poético para a tragédia gréco-romana, “de quem gostas” (eco). O violino é o cumplice da máfia italo-americana, o ritmo e a altura aumentam, “magra, serei a gorda e tu” , a, “cabra cega”, a determinação: “estarás de licra e eu de tanga”, a liberdade: “sou um peixe fora de água” (eco), solo do violino tão assertivo quanto violento, “serei a gorda”, “serei quem peca serás quem paga”, a consolidação de uma verdade que os receptores não acreditam: “nós somos peixes fora d`água”, violino, no singular agrega a proposta asfixiante: “e eu sou um peixe fora d`água”, a progressão hipnótica instala o principio da loucura e o público bate palmas.. A violinista faz anos e recebe das mãos do Rei de POPurtugal um bouquet e o entoar do público: “Parabéns a você, nesta data querida...”. “Este aqui [jorge Romão] só faz anos de quatro em quatro anos”. E ridiculariza a “Sexta-feira” de um rapper: “Sexta-feira ó. É Sexta-feira ó”. “Sexta-feira (um seu criado)”, com a guitarra semi-acustica de Antonio Machado a incutir-lhe a estética country-pop sobre ritmo binário. “Souvant, ou lálá”, “Efectivamente”, o circuito melódico da canção passa obrigatoriamente pelo teclado, “pássaros estupidos a esvoaçar, o riso das crianças dos outros”, o observador nunca se imiscui na narrativa, “sem moralizar”, pausa, “panascas que passam”, aumenta o ritmo, “que disfarçam ao dealar”, estamos “a controlar”, “em Estarreja é diferente”, “sem moralizar”, a banda produz os acordes como se fossem tocados para trás, o teclado sobressai mantendo a melodia do refrão na mémoria do ouvinte, “sem, sem moralizar”, breaks da bateria, palmas do público. “Obrigado! A nossa vida está a recomeçar. Deixamos de viver das nossas subvenções. Amanhã estaremos aqui. E Segunda-feira também”. O teclado injecta os três acordes poéticos, do slow que veio do norte com a respectiva pronúncia que representa uma nação: “lá no fundo donde eu venho”, a língua “é a pronúncia do norte” , a tentação do poeta se substituir ao poder de Deus: “hemisfério fraco traga outro forte”. Ao viciar um instrumento de navegação como a: “bússola sei que existe aponta sempre para norte”, somente porque assim se impõe a “pronúncia do norte” ouve-se o Douro a correr para o “mar”(eco). O acordeão de Antonio Machado revela o serpentear das encostas do Douro talhado à vontade do homem para da vinha fazer o sangue do “barqueiro nem hei-de remar”, e é o orgulho de um povo que: “corre o rio para o mar”, se navega para a foz: “prenúncio de morte”(eco). Esperam “um gajo parecido com elas”, “andar”, corre “o rio para o maaar”, “norte” (eco), acordeão, a banda insurge-se na equação, mas o teclado mantém o seu pendor trágico, até à Foz. A lírica do Rei de POPortugal flutua no rio e transforma o seu leito nas veias de um corpo rugoso, que ao sol ou à lua, representa e representa-se como o devir de uma alma preparada para enfrentar as agruras do mar do norte. Teclado + bateria, a génese de “Sete naves”, é construir e desconstruir, não numa lógica de somatório de opostos, mas de circularidade dos acordes que encaixam no ritmo de máquina de indústria de “metal a flutuar”, que tem na voz do poeta: “desejo de me afundar”, aumenta o ritmo da máquina de fazer pancadas, não “paro de martelar”, violino, a frieza descritiva da máquina biomecânica: “dedos metálicos frios, vontade enferrujar, matéria por soldar”, mas a parte humana denota fraqueza: “vontade de me enforcar”, e o refrão revela a alma: “as naves que eu construo não são feitas para navegar, aguentam a violência de um beijo mas nunca a do mar”, o ritmo binário embebeda as luzes que nos iluminam hipnoticamente no convite aos corpos para que expulsem as almas, e as ponham a dançar a olhar para um precípicio. Os acordes do baixo são elementos que unem as peças soltas desta nave que flutua sobre as nuvens criadas por Dali, das quais saltam tigres dispostos a nos vilipendiar. Jorge Romão ergue o baixo disposto a decepar as cabeças que ouvem “as naves que eu construo não são feitas para navegar”, e voemos, “fundem-se com o ar”, “se se voltam devagar”, o Rei de POPortugal: “fundem-se com o ar”: “Lalai”; Jorge Romão: “BomBOmBOm”; Rei: “Lalailai”; Jorge Romão: “BomBOmBOM”. “Vocês têm peixes no brazão, nós temos peixes no coração”. “Sangue Oculto”, é-lhe retirada a vertente épica-rock, para a instalarem num ritmo esotérico que lhe mantém a trágica “luta na arena artificial”, “ao fugir de uma investida”, bateria e baixo, “ao fugir da própria vida, sem correr e sem saltar, oculto sangue que tenho para dar”. Palmas. “´Voos domésticos` primeira canção proeminentemente heterosexual”. Antonio Cesar Machado, tem a guitarra semi-acustica como elemento timbrico e é na sua orientação que a nave espacial encontra a sua cave, ela “me disse para aterrar em mim”, a banda repete os acordes dolentes e quentes simultaneamente, “em mim”, banda, “olha a turbulência é da tua ausência”, solo do violino, teclado, baixo, bateria, “a tua ausência”, nem o espelho responde nem a memória faz parte: “diz-me quem és? A torre de control, fantasma de lençol”. “Cais”, a canção proeminentemente pop, e o resumo da certeza de que em Portugal nunca há “ninguém para o crude limpar”, mesmo “sais”, o clássico argumento: “vendes o Cais”, aumenta o ritmo e a altura descolando delicadamente para a estratosfera: “mar salgado”, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?



Voos Domésticos, GNR, 09 de Março, Cine-Teatro de Estarreja @ Estarreja