quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Beautiful Freak

A noite está estática. O vento não cala a desgraça e a trova não passa, a poesia é um bem que serve para esvaziar o espírito do drama do sentir, seja ardentemente e perdidamente ou desplicentemente. Aveiro está parada, os burgueses estão nas suas casas, próximos do aquecedor, a ler o jornal ou a deitar as crianças, amanhã é dia de trabalho, o futuro dita o presente. Porém, há pequenos grupos de pessoas que se deslocam para o Teatro Aveirense, onde a americana Joanna Newsom marcou encontro às vinte e duas horas. Chega atrasada, depois de termos que ouvir um bardo escocês, ela enverga um vestido vermelho com bolinhas pretas de alças cintado à cintura fina, que a cobre até aos joelhos e desnuda as pernas depiladas, os pés calçam saltos altos brilhantes. Senta-se junto à harpa, sorri, e dedilha-a com as suas mãos de criança, em “Bridges and Balloons”, a sua interpretação é suave: “and I can recall”, a guitarra surge como apontamento, “the side of bridges”, a voz ganha profundidade, “oh, my love! Oh, it was funny little thing, to be the one to see”, “funny little thing”, a bateria surge como pontuação final que não impõe parágrafo. A bela Joanna Newsom, eventualmente teria sido modelo de Lewis Carroll, que deliraria com as suas tranças louras e rosto redondo com maquilhagem, que realça os lábios e os olhos, uma mulher com silhueta de menina é uma extravagância da natureza. Joanna apresenta os companheiros de estrada, na sua esquerda o baterista, de fato anos cinquenta, de seguida o trompetista, as duas meninas dos violinos e por fim o homem das cordas (guitarra, banjo, etc). “Have one on Me”, tem uma partitura em que a conjugação das harmonias parecem dispersas, e surgem para sublinhar a narrativa de Joanna, se supormos que é desconstrutivista terá sempre que ser em simultâneo o seu oposto. O falseto varia conforme o dramatismo que as palavras conferem, “so far away”, tempestade, “in the night”, “stay away”, “so long”. Por vezes o canto é fundo e trágico, para sublinhar estes factos os violinos e o banjo intervêm: “He suck it”, “I can see”, os agudos das cordas impõem-se, a voz irrompe: “Wait for him”, “the machine is wrong”, a trompete e a bateria são como membros do coro, e os estilhaços são reunidos através do falseto de Joanna, muito próximo ao de Kate Bush: “EEEEEEEEEEEEEE”,”OOOOOOEEEEE”. “You and me alone”, parece um quadro de Balthus, “carry on your heart”, falseto: “AAAAAAAAA”,” in your heart is all that you need”, a flauta assume-se como uma referência campestre. A travessia continua: “Help me on”, a banda toca simultaneamente e parece que se avizinha o fim do segundo tema, falso. “Help me as a child”, “but you open your arms on the wind”, falseto: “EEEEEEEEE”, “OOOOOOOO”, “OOUUU”, o ritmo marcial não finaliza a canção, com as violinistas a serem as coristas: “OOOOOOO”. Voz e harpa, “black”, “and I felt so bad”, “I didn`t now how to feel bad”, são angústias de adolescente mas saídas da boca da Joanna transformam-se em confissões íntimas. A norte americana abandona a harpa e senta-se ao piano de cauda, é acompanhada pelo violino, e o falseto é um chamamento, “We can rest”, “easily”, “blessed!”, “No one now where it comes”, “by the river”, “then the river made in to the night”, blues pejado de caracteres classicos, o bombo da bateria estala, “easy”, “honey you please me even in your sleep”, “hold you”, “I want to be taught”, “In late night”, a banda acompanha o andamento mas aparentemente cada um tem um tempo próprio, o coro das violinistas leva-a de um dramatismo épico. “AAAAA”, “blow me”, “AAAAAA”, “OOOOOO”, “AAAAA”, “I can´t live longer”, “easy”, “easy”, “you must not feel”, “you must need to see me!”, “EEEEE”. A harpa é de novo tomada de assalto, mas parece que é irmã do piano, já que a referência é o blues e a voz aproxima-se à da Joni Mitchell, o tema denomina-se de “You and me”. O trompete acompanha Joanna “down to the beach”, Lalalalalalalalalalalalala”, a banda sublinha o caracter da canção, “stay for the winter”, “my home”, “you realise too late”, “lailailailailailai”, trompete, “lailailailailailai”, trompete. “How do you think you are?”, “I`m glad that she came”, “lalalalalalalala”, “lalalalalalalala” com toda a banda, excepto a bateria, a rematar a canção. À quinta música “Inflammatory Writ”, a banda acompanha Joanna ao piano, num canto nasal, grave e fantasmagórico, se fecharmos os olhos ouvimos uma velha num ritmo blues-folk. “Soft as Chalk”, ao piano, “so far away”, “When time?”, falseto agudo, “No time”, “I have all the time in the world”, “say honey”, “tell me honey”, “After you are death”, guitarra eléctrica, “over me”, “I think”, “and I feel”, pandeireta, a banda imerge num breve instante. Joanna ao piano, é acompanhada pelo banjo, pandeireta, “OOOOOO”, falseto, solo do piano, banjo, a canção poderia ecoar num saloon de Nevada de onde a cantora é originaria: “Wishing you well”, “Waiting”, “carrousel”. “This is a beautiful town, I like it here”, sorri, este é predominantemente nervoso. “Monkey and Bear”, coro das violinistas, bateria, voz, violinos, banjo, trompete, “until we read the open country”, “common there`s my darling”, “turn to dust”, “oh! Darling”, “there`s my darling”, “my darling”, “finally”, a narrativa musical é muito próxima à de Sergei Prokofiev em “Pedro e o Lobo”. Todos os instrumentos excepto a bateria ressoam, “but still you have to play the bell”, “monkey say”, “for the pleasure of the children”, “their`s a place”, “oooH darling”, “my darling, being my love”, “you steal”, “monkey”, com o andamento da banda a subir gradualmente até atingir o caos, a voz percorre obliquamente a escala: “How”, violinos, harpa, trompete, “Sooooooooon youuuuu”, “LAlalllalaaalallaLLA”. “Good Intentions” é o nono tema, e de facto é o mais complexo nas diversas vertentes: harmonico, ritmico, melodico. Joanna regressa ao seu primeiro instrumento, no que diz respeito à aprendizagem, dedilha o piano e canta como uma mulher que já conheceu muitos homens que a fizeram feliz, mesmo que tenha sido através de um olhar fugaz. Mas está “alone”, “before”, “and it`s my home”, folk-pop, palmas arrebatam a canção para a festa, a bateria tem o ritmo da sincopia, “lonely, just open your heart”, coros, “good intentions”, “darling”, “darling”, “do you love me?”, palmas, bateria, violinos, “fall a sleep”, “but after the rain”, “lonely”, “the same”, “and the rest of the gang”, “in love with”, “everyone is”, solo da trompete, a banda num ritmo lento, quase funebre, “top of the game”, “but it can make you”, “OOOOOO” grave, trágico: “True, you can`t remember my own name”, “OOOUUUUUUUUUOOOO”, “OOOOOUUUUUUOOOO”, trompete, solo do piano, solo prolongado do trompetista em pé. No penultimo tema Joanna retira da harpa acordes soul, e um desejo de uma adolescente que nunca abandonou a infância: “So good to be old”. Joanna e a banda ausentam-se, por instantes, ela regressa segura, bela, silhueta de fada ou anjo que se apaixonou pela vida mundana e desenvolveu uma sensualidade inebriante, sublime, um diamante que dispensaria facilmente todos os seus colegas de palco, mas assim seria monótono, mesmo que os outros instrumentos sejam elementos que instituem o ruído, contudo, através da antítese a beleza é o epicentro do Mundo.

Joanna Newson, 25 de Janeiro, Teatro Aveirense @ Aveiro

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Love Boat

A temperatura ambiente não esconde as prostitutas próximo de sinais de trânsito à espera de um cliente que lhes acene com notas para matar a fome ao filho, à cadela, e lhes permita encher o roupeiro de vestidos da feira. As ruas estreitas e sinuosas do Porto têm um empedrado por alcatroar que é sempre complicado de calcorrear, para além da falta de sinais que nos orientem para a majestosa Casa da Música: um cubo mágico criado por Rem Koolhaas. Apesar de imersa na noite ilumina-se através da lua pendurada criativamente no céu, delineada pelas mãos de deus. Sorte a nossa que de olhos bem abertos não a vemos como ela é, mas como parece ser: sagrada, circular, o centro de um palpitar que se aproxima do caos. As escadas para entrar na boca da Casa da Música está repleta de pessoas perfumadas com as fragrâncias tépidas de um Verão que se espera épico e radioso de luz que nos perfure a íris e nos transponha para a inexistência do nada. Trocamos os bilhetes por pulseiras brancas com a inscrição “Clubbing” patrocinado pela “Optimus”. No bar é um castigo para pagar uma bebida, sentar outro, circular pela Casa é o melhor que se pode fazer, as paredes ondulares e envidraçadas e o chão de metal remete-nos para um lugar por criar, apesar de existir, a sua não-existência confere-lhe um valor inigualável. Num janelão está Álvaro Costa o radialista da TV e do Futebol Clube do Porto, a discorrer sobre os blues, “antes do mais o que acham do nosso novo espaço?”, “é giro não é?”, ao que parece o radialista tem residência fixa, poderia-se abrir o leque a outros estudiosos? Ouvir sempre o mesmo ego-raciocínio é monótono e entediante. Os cabeças de cartaz são os Jazzanova, que atraíram para a sala Suggia uma potente armada de portugueses, que aplaudem Paul Randolph, um afro-europeu que viveu parte da infância em S. Paulo: “I just have to say: eu tenho saudades!”, dirá quase no fim. O colectivo é composto por piano, precursão, Dj, bateria, duas guitarras, o baixo fica a cargo do cantor e um par de metais que por vezes se inclui uma flauta de bisel que empresta pormenores exóticos aos Jazzanova. O problema reside quando a banda se aproxima muito de géneros musicais ditos do “mundo”, nomeadamente o samba, a rumba, que são apresentados como meros clichés e não como algo novo, o que é uma pena. Contudo, quando se limitam a seguir o beat sincopado saído da mesa do Dj, a voz de Paul Randolph ganha contornos fantasmagóricos acompanhada por uma gestualidade sexy, e os metais solam como se fossem rouxinóis amestrados por James Brown, é a hipnose total, que leva os corpos a bambolearem-se dentro de vestidos negros e calças justas que cobrem pernas magras e longas calçadas em saltos altíssimos. “How do you feel?”. Good? Há umas escadas rolantes que nos levam para a Sala 2, apoiada por um bar com vista para a rotunda da Boavista, para onde se encaminha Rui Reininho, pouco lhe importa o metal dos anos setenta praticado pelos Black Bombaim e de facto nada a criticar à atitude do Rei ou haverá? “Montra”, é o hino que vai desequilibrar este ano as ondas hertzianas por duas razões: explana a futilidade do nosso tempo e a sua fugacidade: “Tu e eu não vamos ser mais do que reflexo numa montra que nos viu passar”, “passar” ecoa dez vezes. Balla veste de fato preto como se estivesse na sua sala Suggia, e nós os seus convidados incapazes de ultrapassar a sua eloquência e elegância. Mesmo que o segundo tema seja euro-disco e o seu pedido seja complicado de satisfazer, “insiste no meu nome”. “Parece que ensaiamos para esta noite”, contrariamente à histeria em relação aos Jazzanova, o público está sobriamente a usufruir o rock-pop com alicerces nos Heróis do Mar, “sei que te vou sentir/quando espreito o teu nome”. “Vamos voltar à ´Grande Mentira` :´Fim da Luta`”, é uma luta em que o toureiro não sabe se irá matar o touro na arena ou o irá deixar para os currais, como é prática neste país, há sangue mas e o corpo? “Vamos voltar ao último álbum: ´Equilibrio`”, pop-dramatica, “não deixes sombras”. “mãos”, beat pesado, dance, dance! Dance!

Clubing=Jazzanova, Balla, Black Bombaim, Álvaro Costa, 15 de Dezembro, Casa da Música @ Porto