segunda-feira, 31 de agosto de 2015

The Sound and the Fury

A Super Nova está à um dia de se revelar monstruosamente bela, prevê-se que seja uma bola de fogo que de tão morna ilumine o que resta do Planeta Terra. O ar transpira a um salitre húmido que tem um travo tóxico provindo de duas fábricas trituradoras dos assassinos eucaliptos que colonizaram Portugal, da mesma forma que o português no Brasil criou o mulato símbolo vivo da eloquência da alma que emancipou a saudade. As gaivotas planam eternamente insatisfeitas por a pesca da sardinha ter sido interdita aos pescadores, grasnam como se fossem espantalhos a apelar por misericórdia para com a escravidão a que a natureza lhes impôs. As ruas da Figueira da Foz estão numa sangria de figuras que passeiam o passeio de ontem e se hoje fosse ontem, que razão para existir valeria a pena, pergunto, se o passeio não fosse ontem o que seria de nós, que vazio nos alimentaria para dessa forma darmos sentido à vida, dá-me a tua mão e o teu beijo de madressilva patrocinado pelo Báton comprado no Rock and Vintage FleaMarket. Entramos atrasados numa garagem que não disfarça o infortúnio de ter sido pasto a carros durante diversas décadas, das suas veias ainda jorra o óleo que é acesso e propagado pelos demoníacos Parkinsons, força bruta de Brutus de guitarra dilacerantemente distorcida, o Minotauro tem o tronco esquálido nu, “caralho”, vocifera para o microfone ordens de combate contra os amores frustrados, mas sob uma perspectiva irónica de quem está habituado a ser um looser, à sua esquerda está um homem de bigode de chulo da revolução dos cravos que executa o baixo com uma pulsão rock, a sua companheira é Jackie la Feline que bate nos pratos e no bombo como se estivesse a impor o coma a um psiquiatra, por fim uma figura de óculos como lupas, barba, e mãos sensíveis que teclam poeticamente inscrevendo na barbárie uma harmonia negra, negra, negra. Os Parkinsons são um colectivo de psiconautas que escarram uma violência incomensuravelmente desmedida que durante uma hora impôs um estremecimento aos dias em que a rotina cega os corpos e lhes impõe uma insensibilidade para com o passeio para a morte, essa sombra que é o negativo da vida. A garagem fervilha de entusiasmo revelando rapazes gordos e magros depilados a dançarem no palco e atirando-se sobre o público; um dos quais mede forças com o Minotauro e esfregam os peitos suados e separam-se antes de se engalfinharem publicamente; o público recebe com redobrado entusiasmo as investidas do Minotauro que carinhosamente estende a mão a uma criança de vestido de noiva cor-de-rosa, assim como as deambulações épicas de Brutus com a sua guitarra que por vezes deflagra das chamas do Jimi Hendrix ou é snifada pela de Keith Richards. A apoteose é perfeita pois coloca os Parkinsons no pedestal dos hereges supremos veiculadores do punk. As pranchas de surf que me separaram do palco são as mesmas que me impedem de ver pormenorizadamente Los Black Jews, há uma belíssima long board de que são fãs os tubarões que têm como fetiche bocanhar umas pernas cobertas por fatos da Billabong, para matar a rotina de dias a sondar a presença de corpos e de preferência que seja o de um black jew, que beija com submissão a fotografia de Netanyahu. Este quinteto tem uma jovem na guitarra que “faz” coros, os restantes rapazes dividem-se por um teclado, bateria, guitarra eléctrica/voz e baixo, a música que promovem é quente e ritmadamente dolente, como se fossem raios de sol a incidir sobre a Califórnia da década sessenta do século XX em que a América transformou a praia e o surf numa indústria em que os jovens usavam melenas wax e elas defendiam a virgindade da investida das ondas que espargiam esperma. A maioria das canções são um tónico que nos remete constantemente para um universo sonoro ao qual não acrescentam soluções inolvidáveis, verdade, que quando impuseram um ritmo acelerado a uma das canções esta ganhou contornos psicadélicos deveras entusiasmante já que nesse instante conseguiram transformar o palco numa ilha do pacífico com um mar revolto em topázio sob um céu rupestre. As vozes que me acompanham dão as mãos para comunicar através da energia produzida pelo corpo humano, ditado pelo imortal coração que desconhece o véu que o impede de rever-se no seu espelho, Super Nova foi ontem e marcou o passeio do passado, como deves estar entendido através das notícias nos jornais, e é certo que as gaivotas são riscos brancos que riscam a noite como se fossem aviões à jacto, o cheiro a madressilva desapareceu e impera o odor fresco dos ciprestes que anunciam o fim do mês do Agosto quando somos invadidos por emigrantes. Se houvesse justiça no mundo a carta teria sido respondida selada com um beijo com Báton, mas ela jamais foi entregue pelo carteiro do Pablo Neruda. Hoje não há os mistérios extravagantes da lua nem tão pouco a sombra sobrevive, o silêncio não é mais do que a ausência de som, um é a solidão o outro a companhia. Sobre o palco encontra-se um marinheiro a ler uns nomes imperfectíveis, é uma figura que poderia figurar no elenco do “Love Boat”, estou certo que Michael Jackson o levaria para a sua “Never Land”, os D3Ö estão pacientemente à espera que o marinheiro cesse o seu discurso. A violência que implementam é contínua e constante num revirar de páginas de um diário escrito por uma mãe suicida, um bloco sonoro a espaços dilacerado pelas guitarras que são tão incandescentes quanto um tiro solar; quando sobe ao palco um homem que enverga um baixo eléctrico embrulhado no jornal “O Crime” as canções são salteadas numa visceralidade incorruptível; se por instantes surge um gigante dos teclados o compromisso é o da delicadeza e equilíbrio melódico; a harmónica imprime um blues que é gradualmente estilhaçado nas malhas distorcidas do rock, com direito a um spoken word demoníaco. Há invasões constantes do palco e o caos é gerido por uma caveira que é naturalmente demente e se deixa levar em braços por entre o público, uma óbvia encenação orientada por um Deus que não é imune ao Rock and Roll.

Gliding Barnacles, 27, 28, 29 de Agosto, Garagem Auto-Peninsular @ Figueira da Foz

sábado, 15 de agosto de 2015

On the Road

Há uma composição de igreja ateada por jovens do Ku Klux Klan que marca a entrada em palco dessa força armada denominada de GNR—Rui Reininho (voz); Jorge Romão (baixo eléctrico); Tóli César Machado (guitarras, teclado, acordeão) aos quais se juntam Samuel Palitos (bateria), Andy Torrence (guitarra eléctrica) e Paulo Borges (Hammond e afins). Para os mais distraídos-- e que são muitos neste este país onde graça o engano e a má língua-- os trinta e quatro anos percorridos pelos GNR, não foram em vão ou gratuitos; ou tendo como fim único o lucro; ou terem vivido de feitos históricos para todo o sempre: e por tudo isto e muito mais, o trio sediado na cidade do Porto, terão um lugar cativo num panteão Pop. Há uma alegria contida mas desmedida por parte dos GNR em apresentarem ao povo as canções do último albúm “Caixa Negra” com a excelente produção de Mário Barreiros. Mas antes, tocaram de forma irrepreensível: “Telephone Pecca”; “Popless”; “Vídeo Maria”; “Efectivamente”; “Tirana”; perderam o fôlego? Todas dignas de figurarem no manual escolar de como escrever canções Pop sublimes, para serem recordadas para todo o sempre; e se Deus fosse crente seria fã dos GNR mesmo que estes tenham pecado ao libertar a virgem Maria da sua virgindade-- como que um cinto de castidade orgânico imposto por anjos castrati. O tema que dá título ao décimo segundo álbum de originais “Caixa Negra” tem todas as qualidades melodicas para apresentar um passado revigorado e consequentemente é actualmente um composto Pop kitsch; liricamente está mergulhada numa ambiguidade desarmante que ao ouvinte ecoa como um jogo de espelhos onde se reflectem cegos. “Triste Titan” é uma bomba de inexcedível delicadeza sumptuosamente agridoce, se fosse um relógio seria de sol, se fosse amor seria uma eterna paixão; e se não tivesse sido composta pelo Tóli César Machado jamais alguém teria tal talento. Rui Reininho redigiu/canta um poema que é uma declaração de amor a Portugal, quem mais vai a “banhos, a milhares de anos”? Maravilhoso. A temperatura aumenta com “Cais” que é vilipendiada pela fúnebre “Morte ao Sol” e electrocutada por “Las Vagas” e por fim “Ana Lee” exorciza o seu exotismo erótico. “MacAbro” parece que foi composta por um músico no convés de um navio onde os ratos são pessoas, que oram para que a neblina fantasmagórica não seja do teor das suas almas; o coro composto por Jorge Romão e por duas silhuetas masculinas são iluminados por um sangue que pinga das luzes da ribalta, que identificam a incapacidade de nos libertar da fatalidade que a vida impõe. “LáLáLáLáLá”. “Asas”; “Pronúncia do Norte” e “Sete Naves” deveriam constar como estrelas num firmamento embriagado perseguido por um poeta em busca da sua musa para que lhe permita redigir uma ode à sua beleza. “Cadeira Eléctrica” é digna de uma beleza Pop acelerada para além dos limites que perpetuam uma redundância existencial, não há promessas na lírica do Rui Reininho, o paraíso é uma montanha de notas de crédito artificiais. “Sangue Oculto” é dominada por um Rock and Roll em duas vozes: uma castelhana a outra lusa, asseguradas exclusivamente por Rui Reininho. “Dunas” tem uma cadência da década de sessenta em que a ingenuidade foi anulada pela beat generation que transformou a América num lugar sombrio e marginal onde as flores são de alcatrão que rasgam os desertos e transportam os passageiros para estâncias alucinogénicas. Stop. “Sub 16” e “Mais vale Nunca”, a primeira é uma canção Pop que sentencia os “Djs” ao enforcamento, por instituírem o vazio e a futilidade como cultura dominante; a segunda é a canção preferida do Peter Pan nascido na Terra do Nunca vizinho dos GNR. Viva o “Inferno”, que se fosse o de Dante estaria em constante combustão, mas como é o do Roberto Carlos essa múmia residente do ié brasileiro, é violentada pelos GNR!

Caixa Negra, GNR, 14 de Agosto, Festival do Bacalhau @ Gafanha da Nazaré