domingo, 26 de setembro de 2021

Book of Longing

Encontro-me numa fila à espera de entrar no festival Gliding Barnacles, porém não tenho bilhete apenas o convite oral de um amigo que está a cumprimentar-me e a dar-me ânimo para que espere que a questão do bilhete é de somenos, (será?): que me encontro em lista de espera para entrar num centro recreativo e diversão do long board, porque há inúmeros rostos conhecidos de edições anteriores e que fazem do festival um ponto de encontro apesar de estar actualmente agendado no Outono, mas isto pouco importa aos estrangeiros que andam de chinelos ou às surfistas que exibem as longas pernas como se estivesse um dia radiante de Agosto, oiço ao longe uma banda a tocar uma versão dos Nirvana e uma outra dos Rolling Stones: que infelizmente perderam o Charlie Watts que os acompanhava há quase seis décadas e estão por estes dias a enfrentar a primeira digressão americana sem ele na bateria, parece que não há nada que pare os Stones, talvez quando tiverem cem anos cada um estarão a rockar em holograma e nessa altura até o espírito do Brian Jones poderá ser reintegrado na banda; e ouve-se Nirvana ou o tiro fatal do Kurt Cobain, tal foi o embate da bala no meu cérebro que morri mas contrariamente ao Kurt Cobain ressuscitei, isto é, enterrei o grunge e libertei-me do seu jugo estético; o que sobrevém das colunas são os Artic Monkeys ou melhor uma banda que faz covers dos músicos ingleses, e o que aparenta serem originais não são muito originais porque remetem para a banda do Alex Turner, não deixa de ser uma boa surpresa encontrar-me sentado num sofá com os amigos e a ouvir uma banda tão cobiçada, para além de que o que tocam por norma é complexo e estes rapazes tocam com a mesma ou maior complexidade, os meus parabéns; para encerrar a noite de sexta-feira alinham os Wipeout Beat que se apresentam segundo a regra mais simples e por acaso a mais complexa retirar de uns míseros teclados matéria suficiente para que a multidão entre em delírio e isso passa pela mosh intensa, há quem se pendure a um barrote no tecto e faça o papel do fã surfista enlouquecido, mas o delírio é incontrolável assim como a fonética kraut rock trans pop que incute aos surfistas que estão perante uma onda de tubo perfeito; mais simples e rápida a minha entrada no segundo dia de festival, mas menos diversificada a nível de bandas a que se encontra no palco toca António Variações misturado com originais em inglês, há pouca coesão apesar da tentativa de anular esse senão algo que é pontualmente conseguido; alguém acende um misto de cigarro com THC que rodopia de boca em boca sem medo do Covid que tem condicionado a vida deste país e de tantos outros, sinto-me orgulhoso com o acto tresloucado dos fumadores que diria que se tivessem um coração tão benigno que não fosse capaz de infectar com um vírus potencialmente fatal; parece que é a vez de um tal Narciso que tem maquinaria suficiente para apresentar num conjunto de instrumentais destituídos de qualquer sentido estético, que torna o seu desempenho em algo entediante; Victor Torpedo and the Pop Kids apresentam a sua ementa onde constam pratos partidos pelo punk mas que nunca é totalmente deixado ao seu livre arbítrio e os Pop Kids seguem o líder seja quando deambula pelo lo-fi ou se transfere para a dança desalinhada com a realidade, é determinante que se esclareça que a ambiguidade pop/rock apenas joga em favor do Victor Torpedo porque questiona o ouvinte sobre a sua capacidade em se integrar nos diversos e divertidos géneros musicais e nesse plano é didáctica.    

Gliding Barnacles, 24 e 25 de Setembro, Praia do Cabedelo, Figueira da Foz.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

The Favourite Game

A viagem até à Ilha foi quase um episódio trágico caso não tivesse curvado quando era suposto curvar, estaria ainda encarcerado no meu carro que é tão velho quanto eu, decerto que tive sorte e pode-se acrescentar que foi mera suposição da minha parte dada a má visibilidade apesar do sol raiar e o tempo se aproximar das dezoito, à hora que estão escalonados os Cariño Muerto (excelente nome) na Ilha de baixo ou de cima (não sei em qual)-- o que sei é que fica algures no fim desta estrada sinuosa e verdejante— ; que felizmente surgem atrasados no palco do “Isto não é um Arraial de Verão”, um festival organizado pelos Arcups também responsáveis pelo festival “Ti Milha”, quanto à dupla há a destacar as programações com origem no início da década de oitenta que sintetizam a new wave de Madrid ou de Valência e esta geografia prende-se com o facto da vocalista cantar em castelhano algo que oferece um exotismo decadente às canções que são sublinhadas pelos acordes do guitarrista, é certo que arriscam o inglês e o português mas não são tão sedutoras, também é verdade que há que ganhar um maior dinamismo conjugado com uma melhor estruturação das canções, e sobre este casal luso-mexicano não há mais nada a acrescentar.

Luz Clandestina é a designação de um trio que tem por missão dizer poesia popular ou de cariz sentimental-- aparentemente memórias da adolescência já que dois dos seus membros apresentam uma calvície tão precoce quanto pronunciada-- um dos quais canta umas cantiguinhas à guitarra acústica, um outro faz apologia do Salazarismo para pôr “ordem” nos políticos corruptos (palmas do público, cúmplice nesta idiotice) e a jovem de cabelo avermelhado e de vestido preto é a que se pronúncia eroticamente sobre alguém que conhece fisicamente à lupa.

Left são dois músicos um dos quais canta e toca guitarra ao estilo digital r&b e o colega tem os samples e tudo o resto que é preciso para a recriar esse género, são tão eficazes quanto profissionais, o problema é que a identidade é similar a outros produtos norte americanos que pululam nas rádios portuguesas.

10000 Russos são um trio explosivo dada a mistura entre o stone rock e o psicadelismo que são complementados com uns teclados decadentes, aliás o centro nevrálgico desta banda é equilibrar esses dois géneros musicais e recoloca-los na década de setenta, inflamando-os com texturas diversas tão atraentes quanto repulsivas, e é neste paradoxo que se estruturam as canções, e há que adicionar uma voz monótona mas que é fantasmagórica e que os coloca num âmbito estético simultaneamente ficcional quanto real.

Segundo Dia

Labaq corresponde a uma loura que canta com o violão amores e desamores num brasileiro doce, que poderia tocar para além do tempo que lhe está destinado que seria maravilhoso, somente m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o. 

O Rapaz Improvisado faz-se acompanhar com um contrabaixista e passeiam por uma Lisboa mestiça do fado vadio ou por exemplo pelo nacional cançonetismo, numa abordagem não de minimização mas de recorrer a essas memórias e recria-las de forma a oferecer-lhe uma contemporaneidade retro.

The Miami Flu (excelente nome) reverberam diversas tonalidades mas a que domina é o funk psicadélico executado de forma eficaz e que lhes permite arriscar pela soul ou ainda pelo blues estes géneros são ora compostos ora decompostos de forma abrasiva e sintética que é difícil exercer a destrinça, supremos nessa heterogenia mesclada por pontuações kitsch.    

Isto Não É Um Arraial de Verão, 11 e 12 de Setembro, Ilha, Pombal.