sábado, 15 de dezembro de 2012

The Naked and the Dead

Os quatro músicos estão sentados, enquadrados no cenário natural do Salão Brazil, constituído por paredes iluminadas, poderiam ser escaladas por uma mente presa a um dogma ou ferida por uma obsessão. A guitarra acústica, é de teor dramático, a precursão infantil, a voz grave detém o poder da perseguição: “I`ll be back for you”. A soul surge como uma assombração e o violino encaminha-se para o country, “far from”, “I wonder you”, o violino passeia pelo campo urbano, diminuem a altura, “my sun”, o súbito 2x2 revela: “When you pass by” e o fim representa progressivamente em altura o todo: “I`ll be back for you”. Segundo tema: O piano serpenteia por uma caverna onde escorre veneno, a voz funda e grave escreve o seu diário de lamentações voyoristas: “She was dancing”, as teclas serpenteiam visceralmente, “asking”, “give me one last”. Surge o dois por dois a partir do qual o violino escurece a melodia, “trought the valleys”, violino, “for you”, violino, “go away”, violino, 2x2, “remember my hands”, “trought the valleys”, piano + bateria= “chance”. “Tinhamos 80 canções”, para integrar o último álbum dos A Jigsaw denominado "Drunken Sailors & Happy Pirates", mas apenas uma dúzia teve direito a ser editada. Terceiro tema: É um mergulho numa lama viscosa que inunda um quarto escuro, “do you remember the day?”; e a precursão infantil não é capaz de transformar uma piscina num aquário de crianças a brincar à cabra cega, “you came”, o 2x2 faz ferver o cloro e faze-las explodir. O violino assume-se tragicamente por contra posição à harmonica que lhe confere um sentido pop. Quarto tema. “Alegrias e desgostos”, “perguntavam os nativos”. A conjugação dos elementos sonoros, harmonica, guitarra acústica e por fim o violino, explorados numa vertente country, “of wine”, “close friend”. A tempestade levanta a areia do deserto e suja a Joshua Tree, “(bombo) go away”, “loose”, resposta da harmonica: “Don`t need”, 2x2, “hummmhummm”. Voz grave: “Oh! Man”, “dreams”. João Rui apresenta “o primeiro grande convidado da noite: Victor Torpedo!”. Palmas. O banjo introduz os acordes de “London Calling”, assinada pelos Clash, mas num ritmo substancialmente lento, “running”, “nuclear era”, e sem as diversas perspectivas permitida pelas dinâmicas do original. Mas eis que a bateria surge num ritmo marcial, de onde os soldados de chumbo marcam o passo para a morte que é a pátria suprema, “you can go”, “London calling”, “running”, “nuclear era”, a guitarra de Torpedo não sobrevive à devastação e o violino e a harmonica cortam os pulsos simultaneamente quando o ritmo se transfere para um eficaz dois por dois; regressa a marcha da tarola, pausa, banjo e “some of it was true”. A sexta “canção é mais animada”, entra em palco uma mulher de cabeleira farta preta, pele marmórea e lábios provocatoriamente rouges, tem os olhos rubis, a sereia que os piratas se enamoravam: Tracy Vandal. A Jigsaw ganham um estranho gingar rítmico como se fossem os preliminares entre o amante e a sua vítima, virgem, santa; a melodia é tão negra quanto a expressão do negro é concebível contemporaneamente. “You took me down to the valley”. Tracy Vandal: “Your only sister”. João Rui: “Return”. Teclado infantil sublinha a diferença de idades entre o homem, claramente mais velho, e a sua vítima, a dias de lhe vir o período pela primeira vez na vida. Tracy Vandal e João Rui: “Return to me”. Tracy Vandal: “(sedutoramente) He is my lover”, “took me down to the valley”, a sua língua sussurante: “OOOOOOOO”, solo de guitarra. João Rui: “(grave) To me”. A prece do amante: “My hands are up in the sky”. Ele: “Return”, a acompanhar um amenizar gradual do compasso. Ela: “Return”. Ele “Return”. Ela: “Return”. Tracy Vandal: “To me”. João Rui: “To me”. Tracy Vandal recolhe risos do público, através da sua falsa lamuria: “I don`t understand why we never finish at same time”. As palmas marcam o ritmo da sétima canção, e o orgão serve-a como um tapete voador por onde surfam as almas cansadas da vida, a correnteza de um leito: “I hear something down to the river”, que corresponde a uma encosta empreendida pelo banjo que é dilacerado pelo violino, as palmas marcam o pulsar de um corpo em vias de estrebuchar. João Rui e Tracy Vandal: “From me”. Palmas. Tracy Vandal (no imperativo mascarado de sedução): “Come Back”. Coros: “To me”. Os bombos acompanham as palmas e o violino responde: “Turn the sting away from me”. A entrada em cena de Kalo e Calhau, “Bunnyranch”, transformam o oitavo tema numa distinta métrica Rock and Roll, a prova são os violentos breaks da bateria e a contenção e elegância do baixo, que o transfere para os outros instrumentos, maioritariamente acústicos, colonizando-os. O nono tema, corresponde estruturalmente ao anterior, com a harmónica a consignar-lhe uma perspectiva rural, mas comparativamente com o precedente, é executado de forma contida, como um corpo em vias de vomitar mas incapaz de libertar-se da massa fermentada pelo estômago durante uma overdose de heroína. João Rui: “(fundo/grave) I have been hidden from the Devil”. No décimo tema, o narrador dramaticamente encaminha o público para as “darkness”, onde é possível “collecting dreams”. A Jigsaw sublinham a ténue fronteira entre a vida e a morte, pausa, a guitarra acústica desalinha da soturnidade exposta, (2x2), “yes you are right to be afraid”, “darkness”, “alone”, a tarola acompanha-a, “eyes”, “me”, “black”, “dying”. À décima primeira canção, é o banjo que é o construtor da melodia, com a tarola a manchar a sua destreza metálica, quando o bombo ecoa é um “dream”, mas o banjo mantém a sua pulsão sanguinária: “from the butcher”. A voz do além ou para o além: “run”, “to the house”, “to the hills”, surge a interferência do violino, que lhe confere uma falsa leveza pop-country. “Trees”. “Behind the old trees”. A Jigsaw estão a realizar no Salão Brazil, na baixa de Coimbra, “a festa dos treze anos”. João Rui chama ao palco: “Uma das minhas influências”, o guitarrista Augusto Cardoso. Os seus acordes metricamente dedilhados perturbam o órgão fúnebre, o primeiro é o precipício de um desfiladeiro constituído por lâminas de barbear, o orgão a presença impune de Deus. Os bombos são os sinos a dobrar das torres das igrejas. “The devils are in my trail”. “Oh my! The devils is my trail”. Ovação. No décimo terceiro tema, a melodia é potencialmente pop “OOOOO”, mas a versar sobre aqueles “you kow it’s right”, que se precipitam “this`s the end of a tender pain”. Acompanhado pelas palmas do público, “right”. No décimo quarto tema intervém a guitarra como elemento agregador de toda a corrente estilística, “long”, “waiting”, “I can`t”, com a precursão a polvilha-la com obrigatória mortalidade, “enough of this life”, “yes”, com as guitarras a ressoarem com raiva contra um muro que provoca ricochete. A harmonica transpõe o ouvinte para um espaço onde soa um piano mergulhado em Whiskey, e as mulheres com decotes proeminentes seguram a saia rodada, dançam com velhos a feder a suor colado à pele castanha. “Beatiful saloon”. Pausa. “Back to the day”. Se entra pela porta a aragem de um deserto denominado Coimbra, não é somente imaginação, “play the Guitar”, “sad, sad history”, “last time we spoke”, o tempo é marcado pelo 2x2 tétrico, “train” e as escovas sobre a tarola acompanham a harmonica e violino agudo, “back to the day”.

“Drunken Sailors & Happy Pirates”, Ajigsaw, 14 de Dezembro, Salão Brazil @ Coimbra (Dedicado a Filipe Ribeiro; Sergio Cardoso; Victor Torpedo; Tracy Vandal).