domingo, 7 de novembro de 2021

The Flame

HHY & The Macumbas apresentam-se sob diferentes prismas: a música ora se decompõe em estruturas tribais ora se compõe num hipnotismo que resulta numa ode operática que coloca o ouvinte em contacto com o divino e com o profano como se fosse a mistura num copo de vinho amargo que transmutaria os peregrinos em seres cornudos e outros em anjos dançantes em redor do fogo profano as almas sumptuosamente divagam entrecruzando-se e se digladiam ou se transmutam numa só peça de escultura erguida para que seja adorada ao som das variações rítmicas umas vezes profundas e hereges e outras celestiais; parece que o que domina no contexto sonoro dos HHY & The Macumbas são bifurcações que se encontram num mesmo leito de rio de sangue fruto de um sacrifício e este ponto é fundamental para que a música corra sem que seja questionada a sua origem; se fossem recolocados num terreno inóspito seriam reveladores de maravilhas de diamantes ou brilhantes de sangue porque se existe progresso isso deve-se à exploração da matéria prima que enriquece os países pobres, tal como a música que advém do palco que é rica (não no sentido literal do termo) porque tem origem nesses tais países africanos e onde se encontra o berço castrado dominado por elefantes moribundos e rinocerontes em fuga dos seus carrascos; o concerto que dura uma hora não há qualquer pausa o contínuo é revelador de que a relação do pensamento tem inúmeros níveis de entendimento que se entrecruzam e são potenciadores de atar um outro estado de espírito ao ouvinte que tem que ter confiança na narrativa sonora deixar-se levar de olhos vendados por uma floresta ou pela savana e não ter medo que qualquer ser estranho possa aparecer de repente de forma a que seja suficientemente forte para instalar a anarquia e a demência porque é esse estado de transe quase demencial que se situa a tragédia dos HHY& The Macumbas se há esperança é apenas no limiar da mesma se há felicidade é porque os corpos podem transpirar e libertar o mal que por si só é o primórdio daquilo que se pretende exorcizar e somente o mal para que daqui em diante seja o bem como advir de um outro universo mais amplo e belo que recusa as trevas e faz delas cinzas somente destas é possível que algo seja eterno e que desmontado o cenário seja o bem a dominar os corpos cegos perante a montra do escuro ou obscurecido que relata o pormenor e transformam em algo maior o que não é domesticável; os ecos de uma nova civilização estão proscritos em cada acorde porque é quase do tempo em que as ligações entre os seres vivos eram composta exclusivamente por sons que gradualmente simbolizaram a coisa em si e que sustentou uma nova forma de comunicar; a música é o seu elemento mais revelador que de outra forma seria impossível transmitir HHY & The Macumbas que são um manancial que despertam os sentidos para um outro mundo que inconscientemente é reconhecível para quem se presta a ouvi-los com atenção e dessa forma possa perspectivar quiçá algo similar ao que Picasso descobriu com a arte africana o cubismo é nessa perspectiva de transposição do sagrado para um nível de contexto contemporâneo que estes músicos se enquadram haja felicidade por uma hora sonora deslumbrante.

HHY& The Macumbas, 6 de Novembro, Teatro José Lúcio da Silva, Leiria.