quarta-feira, 31 de julho de 2019

Jazz-Off

The Legendary Tiger Man-- em tempos apresentava-se no formato one man band; mas rejeitou esta versão para se acompanhar por um saxofonista e uma secção rítmica e a dama que defendia a solo é similar a do quarteto é (a) o rock and roll (da estirpe clássica) caracterizado por uma constante delineação de riffs distorcidos da guitarra eléctrica do músico vestido angelicalmente de branco já os seus comparsas de preto que ocupam um papel secundário algo que torna o concerto monótono pois as soluções do guitarrista são de uma limitação técnica desmedida resumindo-se à distorção algo que é pobre rock and roll mas que é perceptível pelo proletariado e pela burguesia algo que deve ser caracterizado como um sucesso mas o que há ainda a revelar que isto dura uns quarenta e cinco minutos e é o espanto que ocorre quando a banda acompanha em playback uma cantora afro projectada no ecrã o que deve ser visto como anti-rock and roll e nessa medida destituído de irreverência antes e somente há o critério comercial e nisto lembra-se que o povo está alienado perante o seu fluxo de rock and roll e adjectiva-o de “manso” algo de uma ofensa atroz ainda disserta sobre uma aventura sexual com umas cadeiras no Convento São Francisco que associa ao sexo com animais isto são comentários de um adolescente infantil e prossegue sem que se preocupe em retirar o público da sua sonolência e não surte efeito a alternância entre a guitarra eléctrica e o saxofone e nem tão pouco o teatrinho em que entrega a guitarra a um roadie e sobe para o bombo onde canta e se atira e finaliza a canção com o microfone a embater no palco num clímax precoce; sobe o vapor da boca de uma chaminé que apita diversas vezes enquanto marca o céu com nuvens efémeras e se inscrevem no céu num fugaz que se mistura com o ar e desaparece e parece que o comboio percorre um deserto de cactos e palmeiras raquíticas que pontuam a paisagem onde serpenteia uma cascavel com a sua cauda estridente que levanta na expectativa que surja o rato que estava escondido numa gruta minúscula de onde pingam micro gotas de suor da terra que lentamente se liberta das monções e a vegetação num oásis de sol e de lua-de-mel refastela-se com o pântano que espelha o vazio do céu apesar da sua cor que lhe retira essa adjectivação que é adestra ao nada e se surgissem aves fugazes migratórias que se emancipariam num voo que iria cruzar o espaço no sentido de um outro imerso no vazio e formam-se círculos e triângulos que se sobrepõem num desajuste geométrico e por isso sem qualquer simetria que lhe consigne beleza e que provoca um desacerto entre aquilo que é visto e o que é daí pensado e entre estes há um interface que a filtra em algo idealmente belo e que se eterniza num instante que jamais se apagará da paisagem de onde somente se vê a traseira do comboio a desaparecer lentamente para além do horizonte e o silêncio é entrecortado pelo vento seco e quente que movimenta os ramos de uma árvore solitária e rafeira por não pertencer ao ecossistema mas por isso mais delicada e vulnerável às mudanças radicais de temperatura do dia para a noite e desta para o dia a sua folhagem parcialmente seca deixa cair mais uma folha que se sobrepõe a outras tantas que se encontravam a seus pés de raízes sobressalientes à terra húmida e num centro distante num crescente de perspectiva sobre um ponto que é inexacto na sua forma mas que se aparenta com um conjunto de ilhas que são meros tufos verdejantes rodeados pela terra em secura angustiante que se consome a si mesma sem que este pleonasmo a torne de facto ferida de existência e inverte-se o fluxo de luz e o que era passa para uma obscuridade que somente o jogo de estrelas é capaz de marcar o terreno num pontilhismo que é absorvido pela luz estonteante da lua-de-mel inscrita no rochedo que se sustém num declive e nessa vertigem indica o olhar sobre o abismo que é mais negro do que a noite das noites mesmo as mil e uma e as dois mil e uma e se não é suficiente que se descreva um outro perfil de sobreposição de pedras gigantes que aparenta o de um homem sem nacionalidade ou língua ou qualquer obstrução ou sanção do ego ou outro pernicioso preconceito é somente uma potencial representação de um utopismo e por isso condenado ao ostracismo e o silêncio é tão perene quanto o ar que circula por entre as figuras que se abraçam com picos nos braços e o amor fá-los sangrar e quando se consubstanciam numa volúpia voodoo rasgam-se as cartas com destinatário inserto que versam sobre a rotina das estações do ano e o desacerto com o espírito de cada uma delas que por vezes raiavam a esquizofrenia que se assemelha a um excesso de energia eléctrica num ritmo epiléptico e nessas páginas escritas em tempos passados que se comparam a séculos de vida a contemplar o vão dissipa-se o ser vegetal; The Stranglers são uma constante propulsão de um som contido uma tensão que tem poder de hipnotizar porque há uma aparente possibilidade de exorbitar mas tal predominantemente não sucede e nesse continuo enquadram-se canções que não se inscrevem na pop mas que têm uma estima pelo punk e pelo rock e nesta mistura dá a we wave que fora popular na década de setenta no Reino Unido disto isto o concerto é de uma sobriedade atroz seja na forma como o exímio baixista toca (este um pouco mais extrovertido a movimentar uma das pernas enquanto tocava; assim como mais visceral quando cantou) e o guitarrista e cantor e a sua voz ora falada/cantada é de facto angustiante que se impõe como se fosse uma justiça verdadeiramente cega surda e muda e essas ordens são de quem se entende imerso num negrume que o distancia do ilusório e é essa a narrativa que é o centro das suas canções.

Expofacic (The Stranglers + The Legendary Tiger Man), 30 de Julho, Cantanhede.

terça-feira, 23 de julho de 2019

Cities of the Red Night

No palco do festival Ti Milha os Bananana! (existiram no Reino Unido as Bananarama e pelo Porto os Bananas que se transformaram em Ban e tentaram surrealizar a pop—em vão) são de uma pobreza estilística que arrepia seja no blues ou no funk pois somente os concretizam através de decalques que são por isso nulos a isto soma-se quase positivamente o virtuosismo do guitarrista mas que infelizmente é de uma falta de soluções criativas limitando-se a solos estereotipados; The Twist Connection preconizam o rock and roll de forma estridente e com uma vibração que pretende prolongar-lhe a veia para uma outra ordem onde emerge uma urgência violenta quase sufocante de tão abrasiva e dessas cores somente salpica o negro e o vermelho como se fossem o sangue arterial e o venoso em simultâneo dessa combustão resulta algo épico e que subliminarmente detentor de uma austeridade estilística rude e atroz que é vilipendiada pela guitarra eléctrica do Samuel Silva e ainda há a destacar a voz sublime da elegantíssima Raquel Ralha e a performance mecânica do Carlos Mendes; a sua figura é de uma altivez de montanha manchada no pico por neve e neblina e exerce um poder silencioso sobre quem o contempla que se imagina nesse topo cerebralmente vivo de endorfina que lhe relaxa os membros e o liberta da rotina de vender loiças da China num clube de parasitas do ócio que fazem da procrastina a sua lei de vida que os torna na preguiça esse mamífero que se pendura em bananeiras ou coqueiros como o fez o rei dos Cavacos e nisto o gigante limpa o vidro humedecido e surge o seu rosto entrecortado e parece que se esquartejou para ver para fora da sua carapaça de plástico que o defende de quem o adula diariamente com flores e bolos de chocolate e risadinhas secretas sobre o seu comportamento de ser que odeia o abjecionismo sublinha com as suas garras os troncos das árvores consumidas pelo fogo e nesse trilho surge algo que se aparenta com o renascimento das cinzas e tenta tirar-lhes a tensão para medir o estado do seu coração carcomido pelas chamas e este palpita como o de um feto no útero de uma Santa e sorri perante o seu poder que aparentemente ressuscita o período das estações do ano e sossega perante a sua sombra que é mais medonha do que o seu corpo de aço e mármore a sua cabeça é circular com uma crina de raios de sol que irradiam ondas de reconhecimento do espaço invisível e assegura que esse centro se encontrava transformado numa conferência de energias que se vilipendiam fugazmente e tem medo de ficar eternamente a transformar a realidade por si só e essa sentença paira sobre ele como uma espada de um Deus vil e insensível que lhe deu uma imagem de morte mas que exerce sobre os outros rasgos da mais pura das vidas este paradoxo torna-o de uma beleza sideral que não tem qualquer discípulo ou tratado que lhe dê uma consistência de líder das massas que olimpicamente o ignoram para o remeterem ostensivamente à marginalidade de um Messias que jamais será amado pelos cegos e ou pelas prostitutas ou indigentes mas isso não o deixava circunspecto nem relegado a um esquecimento que o iria sepultar ao isolamento antes percorre o declive e surpreende-se com o seu passo pesado de elefante que marca a areia com carimbos circulares que provocam uma vibração subterrânea à sua passagem e tudo se molda ou se torce à sua vontade de substituir a luz e reduzir o mundo a restos no universo não compreende de onde lhe veio tal divagação destruidora se a sua nave o deixara com a responsabilidade de se limitar a transformar o bem num outro mais profundo quase religioso e contraria a força irracional que reintroduz num vaso onde tem um cofre onde esconde o negrume e irradia uma satisfação que lhe ilumina os raios de sol que se projectam ao seu redor como se fossem a luz de uma soldadura de chumbo e restringe a combustão e procura reduzi-la a um ponto que circularmente se movimenta diante dos seus olhos verdes que gradualmente a anulam até atingir o ponto em que principia o vazio esse espaço inócuo onde cabem os pensamentos de quem nada conhece esses estão a seus pés sem que tenham noção da sua presença oferece-lhes ouro e mirra que invisivelmente os decora com felicidade e por fim ergue os braços e as suas sombras são vincos de luz que o transportam para um tempo em que será eterno; Chalo Correia apresenta-se com um percussionista e um baixista e um guitarrista de guitarra eléctrica a acústica é empunhada pelo cantor de Angola mais exactamente de Luanda e as suas canções cantadas em francês ou em português e em quimbundu são uma eloquência que provém do semba e do rebita ou da kazucuta numa referência à cultura popular angolana especificamente Luandense (referente à cidade de Luanda) que têm como centro uma festividade contagiante que se patenteia numa exorbitância que expele felicidade; Farra Fanfarra são uma banda de metais que reporta às originárias nos Balcãs isto é a repercussão dos metais que de graves e agudos se vão alternado com uma frequência rítmica circense a esta pode-se associar à loura de tranças e de macacão azul que se limita a falar como se fosse uma MC que nada tem para dizer senão “raf raf” (na primeira canção) ou numa outra “Boa noite somos os Farra Fanfarra” e dança como um boneco tonto de tanta alegria.

Festival Ti Milha, 20 de Julho, Ilha, Pombal.

domingo, 21 de julho de 2019

The Story of the Vivian Girls

Acção determinada por uma continuidade de quatro planos sobre o seu rosto que vertiginosamente se aparenta com algo inexplicável mas que o espectador identifica como um antro de dor que lhe distorce o rosto e o torna animalesco e a câmara ao desligar-se torna o ecrã negro com listas brancas e cinzentas a decorrerem verticalmente de um lado para o outro como se fosse uma frequência misteriosa que se eterniza num estado de minimalismo absurdo e se alguém tivesse a coragem de desliga-la da corrente eléctrica e o seu silêncio relaxa-se os gatos que dormem absortos numa vaga satisfação se tal sucedesse seria uma ficção ou talvez estivesse de facto o animal ao espelho a pentear os bigodes de rato e a reinscrever-se no mundo através da sua língua ditatorial a vomitar-se gramaticalmente em diversos idiomas antigos e se limita-se a reconhecer a sua maldade que é de tal forma cega que lhe medica o ego e fá-lo incha-lo talvez soem sirenes algures neste mundo vil de tão cruel mas essas calaram-se à passagem da sua figura de fato de esgoto e bengala para fazer desaparecer o tempo real há uma identificação de costumes redundantes de tão circulares que se abstêm de seguir assume-se como um bicho livre castrador que investe na lei do mais pobre porque é felicidade intestinal e relaxa a fumar um cigarro das pazes com o seu destino de solitário relegado ao ostracismo pela sua família de ratazanas esfomeadas não sei quem são mas por vezes julgo que a vejo a passar à minha porta de casa com roupas sujas e amarrotadas de mão dada a caminho da missa ele parece que abana a cauda para atrair o olhar dos predadores de boné de basebol e sapatilhas Nike e ela com t-shirt cor-de-rosa com a tacada de um taco de basebol assentada sobre o seu peito que retém o leite para amamentar o recém-nascido; Vaginas Convulsivas são um caso de exorbitância digital que dada a sua vertente hipnótica se torna de facto viciante e por isso inesquecível a propagação da cadencia é por vezes corrompida por uma guitarra eléctrica que lhes oferece uma urgência inexplicável e se há uma voz é somente umas vogais que ecoam num eco que remete para algo negro não há antídoto que seja potente para abafar ou anular este chamamento eficaz na sua natureza de progressões que mistura o jazz de vanguarda com o kraut rock e a isto soma-se o tempo mínimo de dez minutos por viagem pouco muito pouco para quem está disposto a dar-lhes às mãos sem medo de buracos negros e por fim o papel de guitarrista é confiscado pela lenda Victor Torpedo e os conimbricenses presenciam a penúltima noite no mítico ODD que tinha como stripper não oficial o Paulo Eno e a canção derradeira é uma jam psicanalítica que exorciza o que de mal corre nas veias e de outra forma somente seria anulado por uma sangria de sanguessugas; que haviam deixado ao cuidado da avó que conta com diversos AVCs no currículo onde sobressai uma carreira de sucesso na prostituição era engatada por triciclos e trotinetes e ainda foi mais feliz quando os sites e os telemóveis revolucionaram o seu negócio de vaquinha velha e consumida por caldos de heroína mas o diabo era o seu chulo que vertia paranóia alicerçada na possibilidade de ela o enganar com as contas e ter investido parte do lucro no seu vício e aí a pancadaria era uma possibilidade e abstinha-se de tal fechando-se na sua casa ao lado da sopa dos pobres ambicionava ter mais uma no mercado dos semáforos e esquinas ruins mas estavam todas tomadas e a tecnologia havia provocado o êxodo das putas para apartamentos distantes das suas garras de negreiro acrescento que aparentava que a solidão não lhe era percepcionável porque havia sempre alguém disposto a se submeter às suas histórias dos tempos da guerra de Angola onde iniciou o seu gosto pela prostituição mas tinha a agravante de somente se relacionar com uma e uma só e incorria na possibilidade de se apaixonar algo que sucedia e o abandonava numa continua depressão que colmatava ao carregar no gatilho da G3 e descobria um prazer perturbador em matar algo que no seu regresso à pátria feria-o de saudades da vibração da arma nas suas mãos e de ouvir um grito que se calava com a sua rajada de balas e inconscientemente catalogou os seus actos como algo que não poderia repetir num país onde a lei o levaria a anos de aprisionamento pensou seguir carreira na PSP mas não tinha o rácio de inteligência exigido isto é era deveras inteligente para autuar ou fiscalizar o trânsito relegou-se à condição de pedreiro onde exercia a sua força e acrescentava cimento às paredes de cavernas de luxo mas a sua paranóia fê-lo um homem triste e continuamente em conflito com a sua puta que amava secretamente para não sofrer com as suas boleias para o mato.

Vaginas Convulsivas, 19 de Julho, ODD, Coimbra.

sábado, 13 de julho de 2019

Rita Lee - Uma Autobiografia

A minha carreira de carteirista é a prova de que não valeu a pena ter estudado numa escola comercial a aprender a costurar tapetes de Arraiolos ou direi antes coser sim de facto parece-me mais apropriado ao que fazia durante as aulas em que escolhia o desenho a partir de outros tapetes de sangue azul e adorava estar a estudar o movimento dos mosquitos em redor de um cadáver mas estou numa de costurar as palavras às folhas de alface desde que nasci vindo de um outro tempo em que os humanos eram canibais nessa altura a minha felicidade dependia de alguém que tivesse sido engordado a bolota e destinado ao espeto para as festividades da nossa vila de cavernas herméticas e cubatas com prostitutas oriundas de galeões perdidos no oceano e o ritual obrigava a consumir o seu sangue para nos apropriarmos da sua alma ou da sua força interior já que a alma é uma invenção posterior e da qual me nutro hoje nesta terra difusa de cores modernas e pós-modernas que são de uma fraqueza displicente carregada de tantos ecrãs quanto olhos que adormecem para reinventar o sonho pontuado por crocodilos que choram por se aproximar mais uma tempestade de ossos esvoaçantes cuspidos por outros tempos se fossem novos e hirtos seriam jovens a saltitar por entre girassóis humanos há fogos diversos que libertam um fumo negro como o do meu cachimbo de água envenenada colho dois versos de uma planta carnívora e tento tanger a minha lira às mulheres que passam nuas mas segundo uma perspectiva romântica em que as partes intimas são de uma delicadeza que as torna em pontos de uma subtil beleza suave e prontas a se erguerem perante as disfunções de uns garimpeiros que lhes escavam a pele à procura de gelo; nos claustros do Museu Machado de Castro em Coimbra—que recentemente foi integrado na área classificada pela UNESCO como Património Mundial da Universidade de Coimbra, Alta Universitária e Rua de Sofia— decorre a feira de troca de roupa usada dominada por mulheres de diversas gerações algumas com os seus filhos que saltitam como pequenos sapinhos de corda e a proposta musical deste evento recaiu no colectivo de três rapazes (Carlos Dias, Miguel Padilha, Pedro Antunes) que se denominam de Seam Beat Experience (estes músicos apresentam a sua terceira mutação em quatro anos) acompanhados pela Agente Costura e os seus Dedais Cósmicos e a sequência sonora que se prolonga durante uma hora é a de um som minimalista que se revela de forma progressiva poderá ser uma desconstrução do trip hop mas segundo os ditames do Brian Eno por ser lenta e nessa medida processar um tempo abstracto que se insinua através de um negrume quase psicadélico e tal seria possível se não estivesse um céu tão abertamente luminoso que parece de luz suspensa no ar antes se fosse raivoso e estivéssemos próximos da meia noite seria perfeito quanto à Agente Costura manipula diversos utensílios associados à costura e que ora corta ou cose e até corta as costas de um vestido negro de uma estranha com uma tesoura ligada a pedais e a outras divagações da ordem do doméstico-- veja-se o exemplo da Paula Rego que pinta mulheres a coser mas isto representa uma penetração e como tal estão a pensar em sexo-- e acrescenta sons similarmente concretos que correm de uma máquina de costura ponto por ponto as divagações negras dos três marginais; para se saciarem de uma eterna loucura cantam algo parecido com um coro de eunucos gordos e defeituosos pelas ruas da minha cidade esse aglomerado de betão que se dissipa no nevoeiro e ganha um contorno de fantasma adormecido das suas portas e janelas somente o silêncio tenebroso e nem as garagens mugem como carros e motas desgovernadas oiço um piano de cauda de leopardo a tocar nas teclas subtilmente a emoldurar a noite mergulhada no abismo de um monocromatismo branco do qual estou proibido de fugir por ter uma pulseira electrónica bilhete do festival numa prisão sobrelotada onde cantavam os papagaios do costume a dissertarem sobre um universo enervantemente novelístico como se fossem leis do espírito inverto o painel de autores desacreditados por serem vítimas de uma guerra entre os cidadãos vermelhos contra os descoloridos que lutam contra a cultura que oblitera uma língua para estofar o português jogam pelo seguro para instituir uma nova ordem oral mas secretamente castrada dos seus impulsos mais primários onde dominavam o p e o c e o 1 mais menos 3 numa perpétua hostilização da cultura simplificando a sua natureza a uma outra sem futuro revejo os satélites que emitem para o interior do planeta mensagens de amor e de maldizer tento a combustão do meu corpo disperso em diferentes momentos da minha vida passada mas ao realizar a junção das peças falta-me o motor a gasóleo peço a um estranho electricidade e esta reaviva-me para lá desta corporalidade desconexa relanço as estribeiras sobre o solo aguado que raramente solidifica e me erige tal figura monstruosamente bela que dá a sua mão de chave de fendas a uma divagação efectivamente tão bela quanto longínqua de tão próxima.

Economias Alternativas—Troca de Roupa (Seam Beat Experience com Agente Costura e os seus Dedais Cósmicos), 11 de Julho, Museu Machado Castro, Coimbra.