sábado, 27 de janeiro de 2007


1989

A queda do muro de Berlim, em 1989, provocou o surgimento de novas correntes migratórias e o fim da guerra-fria. Anteriormente, tanto russos como americanos apoiavam ditaduras, vendiam armas, compravam petróleo e controlavam as cabeças dos fundamentalistas, orientando-os no mapa do ódio. Com a queda do muro os americanos impuseram-se no mundo. A América é atacada por aviões, repletos de passageiros, que são pilotados por suicidas instruídos em escolas de aviação americanas, caem as Torres Gémeas, o Pentágono foi atingido, o parlamento foi evacuado, Bush andou às voltas no ar até que o sinal vermelho fosse apagado. Nasce um novo mito: Bin Laden. Os americanos tinham um novo inimigo, os “terroristas”, que rezam por Alá e consideram a sociedade ocidental decadente. Bush provoca a guerra no Iraque a propósito de armas nucleares inexistentes, há terroristas que rezam pelo Papa e a Virgem Maria e que licenciam guerras para controlar o petróleo. Com o esvaziar da União Soviética o mundo não se compõe da mesma forma, se antes éramos divididos por ideologias, hoje separamo-nos por religiões, e não será está a ideologia das almas?

domingo, 14 de janeiro de 2007

K4


Os sintomas da minha vida estão inscritos em cada uma das minhas obras, foi com elas que perdi a pureza. Enalteço as cores dos corpos que são dedilhados nas cordas de um violoncelo semeado com sémen da minha palete. Estou distante da esquizofrenia do Picasso mas próximo dos traços físicos do Modigliani, com eles reduzo a realidade a uma escravidão geométrica que se movimenta por entre as minhas pinceladas. Recordo Paris e divido a solidão com a imaginação: retalho a cabeça de uma mulher e desmancho a minha virgindade. O rasto rasga os ventres das telas com espelhos de um bordel, queimo os espíritos beatos com cores azuis de Paris, onde espreitava o peito das Madames. Ensaio o ímpeto do meu braço fatigado das noites a pintar, abro as janelas azuis e vejo um céu de mofo e a inconstante tosse ressurge e impede-me de suster a mão firme, recorro à concentração para resolver a minha deficiência. Lavo as mãos num alguidar de sangue que escondo no sótão da nossa casa de Manhufe, retiro das unhas os restos de tinta, cuspo. Tropeço no livro dos desenhos de tinta-da-china à lupa das noites em que a Lucie adormecia sozinha. O remorso. Na tela resolvo o enigma: Aqui estou perante vós, testemunhas da minha existência, a transmutar-me em tempo.

D. Branca

Estudou no Técnico Química mas cedo, “decidi partir para Londres, mas o objectivo era Paris.” Porquê Paris? “Era o centro da Europa.” Paulo Branco veste blaiser castanho, camisa verde e gesticula como se estivesse a conversar num café datado de 1977 com o director dos Cahiers de Cinema, sobre a possibilidade de abrir uma sala de cinema nas imediações do coração de Paris. E o que fazia em Londres? “Lavava pratos”, mas, “nunca fui um exilado político, mantive a inscrição na faculdade e vinha aqui com frequência.” E porque mora em Paris? “Posso passear por Montparnasse e ver os sítios por onde passaram os artistas que marcaram uma época.” O que é um produtor? “É o que tem que procurar os meios financeiros para iniciar a obra, é a pessoa que se compromete a acabar o filme. Só que eu vou um pouco mais longe, porque também sou distribuidor.”. “Quem me incentivou a produzir foi Manoel de Oliveira, eu tinha 28 anos e o Manoel setenta. E produzi de seguida: “Oxalá”; “Francisca” e “Silvestre.” E como é dar-se com tantas pessoas diferentes: “No caso do César Monteiro existiram traições da sua parte e da minha também”, já, “com o Maoel tive a sorte que o “Francisa” fosse elogiado por dois ou três críticos, como uma obra excepcional.” E dá como exemplo: “um amigo comprou um DVD do filme na China. Aaha, mas eu sou pela livre circulação.” Não se importa com isso? “Não, sinceramente, não”. Destaca, veemente, que “já não estou presente durante as filmagens mas tenho gente que me informa.” Mas o seu papel é de procurar subsídios? Ai, não se pode usar esta palavra!?! “O produtor tem que procurar meios. Mas num país onde se dá subsídios para a indústria e agricultura, repare, só existem agricultores por causa dos fundos, caso contrário… porque é que não se há-de financiar o Cinema? A Maria João Pires já abandonou Portugal, a Paula Rego está em Londres e o Emanuel Nunes, que encontro em Paris. Este governo assinou um acordo com as televisões por mais quinze anos, e não incluiu qualquer apoio ao Cinema! O que eles gostam é de futebol. Eu já não digo que apoiem um filme português mas europeu!” Mas da Dois não tem queixa? “A Dois já passou mais cinema do que agora.” Ana Sousa Dias (“Por Outro Lado”) respira fundo; “sabe nos dias em que estava a preparar esta entrevista vi a que deu a Maria João Seixas, e onde realçaram esta sua característica: “vamos começar, depois logo se vê, é que dizem que tem muitas dividas?!?” Ela inclina-se na cadeira e aperta os intestinos, Paulo Branco estica as pontas dos bigodes e exibe os seus dentes amarelecidos pelo Gitanes, o seu risco ao lado, seboso, enquadra o seu rosto de três dias por barbear, enruga-se: “é natural que numa empresa com 25 anos tenham existido altos e baixos.” Os realizadores têm poder total na montagem? “Na América não, na Europa parcialmente.” E zanga-se muito quando as coisas não correm como espera? “Muito, até para evitar uma úlcera, ahahha!”

Paulo Branco em "Por Outro Lado"

sábado, 6 de janeiro de 2007


No Beauty Without Danger

No "Beauty Without Danger" da autoria de Max Dax e Robert Defcon é a biografia dos Einsturzende Neubauten (E.N) onde é revista a carreira da banda de Blixa Bargeld. A sua estrutura é composta na totalidade pelo discurso directo, logo não existe qualquer tipo de reflexão exterior a banda, sobre o seu percurso ao longo destes vinte e cinco anos. Exceptuando o posfácio assinado por Arto Lindsay que se assume como «amigo» da banda e redige um texto comprometido. "No Danger Without Beauty" é uma boa fotografia da vida artística dos E.N: o início marcado pela anarquia, que eles apelidam de "improviso", isto é, não existiam ensaios de qualquer tipo, tocavam quase sem destino. Compreender o que eles entendem por "som" que é acima de tudo o ruído e o seu domínio, a procura de materiais em sucatas para construir “instrumentos”. A introdução de dois instrumentos convencionais: a guitarra— que no início já existia pela mão de Blixa— e do baixo. E entrar em contacto com os métodos de trabalho, os mais produtivos e os inconsequentes que por vezes provocavam bloqueios artísticos, muitas vezes resolvidos à custa de speeds, que era a droga mais consumida. Para além deste panorama extraordinário, há uma outra que os une a outros projectos convencionais, os desentendimentos criativos com FM Einheit e o seu consequente distanciamento. Para além, da discórdia relativamente aos direitos de autor, que levou a formação que tocou na Voz do Operário, no início da década de noventa na promoção de “Tabula Rasa”, o fim: Mark Jung é hoje um quadro superior de uma multinacional, e F.M Einheit — que entrou para os E.N com apenas dezasseis anos— é compositor de música para peças de teatro. Os E.N apesar da auréola de niilistas e de terem conseguido vingar uma ideia artística marcadamente utópica, são hoje um colectivo que compõe por contraposição ao passado: o silêncio. «Eu não posso continuar a partir coisas em palco, como quando tinha vinte e cinco anos, hoje tenho quarenta e cinco, o espírito é diferente» é a constatação de Blixa Bargeld, que vive entre Shangai e San Francisco e apenas vem a Europa para trabalhar com os E.N, já que abandonou recentemente os Bad Seeds. Os Einsturzende Neubauten são uma paixão da adolescência, que perdura apesar de todas as idiossincrasias, paradoxos e outras questões que fazem parte da natureza humana. Eles fizeram-me ouvir de outra forma os sons produzidos pela sociedade herdeira da revolução industrial, devo-lhes isso, tento ouvi-los com a curiosidade que por vezes ilumina os espíritos sequiosos por outras realidades.