sexta-feira, 18 de abril de 2014

Memoria de mis Putas Tristes

A noite embrenha-se nas trevas com a trágica notícia: “Morreu Gabriel García Márquez, o maior escritor do nosso tempo, infelizmente é o fim de uma era em que imperou a imaginação e mestria do escritor Colombiano, em sua memória todos os escritores se irão transformar em Ghost Writers”. O palco do Salão Brazil, o club do Rock and Roll de Coimbra, é ocupado por um quarteto denominado de Motel Pantanal, previa-se que o som que praticassem fosse algo exótico como por exemplo “Ana Lee” dos GNR. Mas esta suspeição é aniquilada à partida por um grupo de rapazes liderados por um jovem calvo de t-shirt branca, o seu canto em português é raramente perceptível, suponho que por defeito do técnico de som, algo inusitado para uma sala com capacidade máxima de duzentas pessoas. O guitarrista solo, rege-se por princípios em que emana a pop dominada pela obra assinada por Johnny Marr, porém foram raras as vezes em que estabeleceu elos de ligação com os restantes elementos ficando por erigir melodias pungentes. É verdade que houve segundos sublimes em que os Motel Pantanal revelaram uma poportuguesa destinada a adolescentes que leram o “Psicopátria” dos GNR, obra incontornável porque é única e inultrapassável. Se pudesse recomendava-lhes o campo, para olhar as estrelas que parecem florir como piri lampos que conduzem o olhar para fora da Terra. Estariam instalados próximos de um bordel, disfarçado de casa de alterne, onde fosse possível beber umas minis com as meninas e se estas se mostrassem seduzidas pelas canções dos Motel Pantanal, a terapia ocupacional teria resultado. Porque o encanto da música pop reside na potencialidade de cativar o ouvinte em três minutos e permitir-lhe através de narrativas, que ou são déjà vu, ou a iniciação na idade em que a pureza do corpo se esvai em cada aniversário, alimentar o pensamento formal. Aparentemente os Motel Pantanal estão divididos em inúmeras encruzilhadas estéticas, que não irei detalhar, mas há um facto incontornável: têm domínio dos instrumentos mas ainda não conseguiram retirar-lhes uma consistente forma de expressão.
The Jack Shits é uma personagem composta por três músicos: duas guitarras e a bateria de Jackeline la Feline; isto é Paula Nozzari na versão de dominadora das duas feras que saltitam à sua frente e que reverberam as guitarras com uma potencia estilística que se resume a um apoteótico Rock and Roll. The Jack Shits têm uma encenação em que está inerente uma overdose de risco, como se fosse uma chinesa em constante corrupio sobre a prata. Quando as feras despem as t-shirts o Salão Brazil é uma selva de onde irrompeu Macondo, uma parábola ao Mundo, e às eternas vicissitudes que o poder, a ganância, o sacrifício, o absurdo, e onde a utopia domina a realidade. Jackeline la Feline, veste macacão de calções negro, e a cabeleira negra faz realçar o seu rosto de tez clara, e os seus breaks são murros do Muhammad Ali que fazem explodir a arquitetura garage rock de The Jack Shits. O laboratório onde desenvolveram a sua teoria de desenvolvimento, procura através do caos instaurar no espectador a possibilidade de se libertar dos sonhos povoados por putas que sussurram sibilantemente ao ouvido premonições de um encantamento doentio que nos conduz para as trevas, esse intervalo entre a beleza e o grotesco. “Para” , “Glória” do espiritual Van Morrison, convidam o “grande” Victor Torpedo, o génio da guitarra, que rescindiu há muito o seu pacto com Deus e substituiu-se-Lhe na mestria em incendiar uma guitarra eléctrica. “Glória” é matematicamente decepada e quando exangue incorrem-na numa canção que prognostica uma inesperada celebração pagã. Há um corpo por terra a cantar para o microfone, a bateria controla a escalada tensa e pontual, as guitarras estão na espectativa e quando se revelam, a melodia é tão agreste quanto um dia fúnebre em Macondo.

The Jack Shits + Motel Pantanal, 17 de Abril, Salão Brazil @ Coimbra

Em memória de Gabriel García Márquez.