domingo, 28 de maio de 2017

Pity and Terror Picasso’s Path to Guernica

A chave de sol é introduzida numa fechadura de um corpo que explode e os seus estilhaços formam um quadro de figuras que se mantêm estáticas sobre um fundo de meios-tons que representam enigmas dilacerantes por se intrometerem num universo onde reina a dor associada à irracionalidade; encontro-me no Salão Brazil em Coimbra à espera dos concertos de Canja Rave e dos Holy Fanda & The Reverendes têm como ponto central a Paula Nozzari, que desde chegou à Capital do Rock tocou bateria com os Subway Riders, The Walks, a jigsaw, The Jack Shits, The Parkinsons e com Mike Up ao qual administra musicoterapia; à esquerda da tela há uma criança de braços abertos que jaz inconsciente e em seu redor constam os braços da sua mãe e o seu pescoço expande-se verticalmente e abre a boca e sai um grito que se propaga mas não encontra reflexo na cabeça de um touro, que simboliza uma nação dividida por Franco o ditador do bombardeamento à Gernika em 1937; os primeiros a subirem ao palco são os Holy Fanda & The Reverendes que para além da Paula Nozzari são formados pelo cantor Holy Fanda que empunha uma guitarra e pelo baixista Nick Jennings, e o que representam é o rock da América rural da década cinquenta/sessenta do século XX e os géneros passam pelo country (pop), bluegrass, (rock), rockabilly, algo que é executado segundo parâmetros rígidos que os impedem de os recriar e consequentemente incutir-lhes novas e diversas perspectivas, a estas devem-se subtrair três canções que se destacaram pela sua pertinência, há a sublinhar o exotismo quando o cantor se expressa em checo e a codificação da sua poesia é de uma beleza estranha; sob o plano inferior um corpo divide-se num vácuo e os braços separam-se sem que vertam sangue e o seu rosto parece que estrebucha ao lançar um grito de grifo condenado ao silêncio soterrado sob escombros de alvenaria com paisanos, e ao centro há figuras que se transmutam sem que haja uma concretização da sua fisionomia que conduz o olhar para um braço que segura um archote que tem a chama numa redoma de vidro que não ilumina em seu redor, sobre as quais delineiam-se figuras que se anulam ou se acrescentam e são finalizadas pela cabeça de um homem transmutado num cavalo mutilado pela dor e à sua frente um pássaro de pescoço esticado com mandíbulas de uma forquilha afinca sobre o céu cinzento onde pende um olho que tem como pupila numa lâmpada; o dueto Canja Rave divide-se pela Paula Nozzari (bateria/voz/melódica) e por Chris Kochenborger (guitarra/voz), as canções têm inúmeros desvios estéticos que surgem como se fossem o subtexto e gramaticalmente remetem para diversos subgéneros que são apenas a raiz de uma estrutura reverberantemente rock, segundo um pendor lúdico que deriva de uma criatividade tão eficaz quanto por vezes desconcertante, entrecruzam o contemporâneo e o retro que equilibram majestosamente, há ainda a salientar a destreza com que as duas vozes ora se complementam ou simplesmente dialogam por vezes num romantismo kitsch; que é devidamente exemplificado quando convidam a Rita Joana a cantar em português com o Chris Kochenborger; quando este usa o inglês parece uma voz radiofónica que oferece às canções uma perspectiva sobre uma geografia que remete para bombas de gasolina desactivadas num deserto de filmes do John Wayne, por vezes no intervalo diz piadas como se estivesse a falar para uma audiência submissa à bandeira dos Estados Confederados dos EUA; na última canção convidam os dois membros dos Holy Fanda & The Reverendes e transcrevem uma massa que sintetiza um rock de uma urbanidade ficcional de tão transgressor; e na direita do quadro desloca-se curvada com os seios a penderem nus uma mulher grávida de uma bebé fecundada que arrasta os seus braços pesados tentando contrariar o tempo que a consome em pulsares de sangue com espinhos e olha em direcção a um céu insensível à sua desmesurada dor, seguidamente irrompe verticalmente uma figura que lança os seus braços e abre a boca e os seus olhos não filtram a realidade e parece que é esfaqueada por um vértice do qual se constrói um edifício com uma janela aberta e no topo umas barbatanas de tubarões rasgam o céu.

Canja Rave + Holy Fanda & The Reverendes, 25 de Maio, Salão Brazil

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Eu Falo em Chamas

Observo um quadro que regista o tempo numa paisagem árida e questiono a sua relação com a noite de cobalto que cobre um homem que se transmuta em animal do qual fogem diversos crentes que mergulham num mar de seda negra e se relegam para as trevas onde prevalecem indefinidamente, de um alçapão surgem sereias que no areal deitadas abanam as suas barbatanas para inspirar os poetas a escreverem poesia Dada para que transformem perpetuamente os dias em noites numa declaração judicial de pena de morte ao Sol, da esquerda para a direita da tela passeia um pajem que guia o seu amo cego que apenas sente a intensidade do calor que o cobre de dourado que lhe confere um perfil de estátua andante que persegue um horizonte onde se sacrificará em nome de Alá; interrompo a sequência desta imagem porque ecoam no Sítio das Artes na Figueira da Foz os acordes de um trio com a designação de Daltonic Zebra, que transcrevem fielmente as bandas denominadas de power trio que surgiram na década de sessenta do século passado tanto na América quanto no Reino Unido, as soluções que apresentam já dobram os cinquenta anos e consequentemente há um escassa dose de originalidade antes remetem para um exercício de estilos; há a acrescentar que a secção rítmica é excelente em especial o baixista, mas quem denota inúmeras limitações é o guitarrista-vocalista algo que os fere de morte porque historicamente eram estes que tinham um papel predominante seja a cantar e ou a debitar riffs majestosos; há uma canção que se chama “Nobody Wants to Die”, o vocalista traduzia: “Ninguém quer morrer”, como se fosse uma declaração de guerra à mortalidade ou um slogan para prevenir os suicidas de idealizarem a sua morte; numa outra tela um homem sentado iluminado por uma lua bicéfala e o seu corpo é da cintura às pernas um livro dobrado onde inscreve com um aparo um poema em hebraico, surge uma carruagem com cavalos com as crinas a arder de onde espreita um cadáver esquisito filho de diversos pais incógnitos que nasceram a uma Sexta-feira 13 e jamais a uma Quinta-feira 12; esta corresponde à designação de cinco rapazes deveras profissionais no domínio da electrónica misturada com as guitarras eléctricas, porém quando estas ganham em predominância à synth perdem o fulgor estilístico que se agrava com as diversas limitações do cantor em expressar-se emocionalmente em português, e das letras há a condenar as que redundam num romantismo que vai de encontro à excitação do público e em especial das mulheres, o palco é pequeno para os Quinta-feira 12 que demonstram a ambição pop de conquistar Portugal; um objecto configura uma trompete da sua trompa sai um pêlo sedoso e sobre esta encontram-se colados uns óculos do século XXI através dos quais me intrometo num cosmos que espectralmente me circunda e recorro ao poder do infinito para personificar uma estrela.

Woodrock In Town VI, 20 de Maio, Quinta Feira 12+Daltonic Zebra, Sítio das Artes-Figueira da Foz

In loving memory of Chris Cornell

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Narco Periodismo. La prensa en medio del crimen y la denuncia

A noite está estranhamente sossegada algo que lhe incute uma presença monocromática, se o vento estivesse a vociferar em consonância com as ondas do mar estaria acompanhado por uma sonoridade familiar e naturalmente sentir-me-ia apaixonado pela mãe natureza, a sua inerente expectativa consigna-lhe o poder de outorgar-me um desprendimento momentâneo da realidade e ferir-me com um automatismo que institui um absurdo que é habitado por almas que rejeitaram a moldura de ossos que as aprisionava e as submetia à rotina de adormecer e despertar de sonhos erráticos; e nem a lua me absolve de ser um crónico pecador que foge para umas docas que fedem a gasóleo vertido por motores de traineiras carcomidas pelo salitre que parecem carcaças atoladas na areia de um deserto luminoso, símbolo do poder do homem sobre a demência de Neptuno do qual descendo e que me tornou o missionário de pés descalços que é um pedinte à luz do dia e à noite uma sombra que seduz as correntes marítimas a criarem a tempestade como uma obra de arte efémera que fustiga as rochas que estoicamente resistem ao atrito; e por cada passo percorro um desfiladeiro de armazéns e entro numa caverna de pé direito considerável que é socialmente conhecida como Direito de Resposta - Associação Cultural (DRAC) e que perfaz nove anos de actividade e durante os quais tem trazido inúmeras bandas ao seu palco; hoje estão anunciados os Grandfather`s House e Twin Transistors; estes correspondem a um guitarrista/voz e a um outro guitarrista, há um baixista e baterista e teclista/voz/pandeiretas, debitam uma distorção controlada mas repetitiva e por isso impenetrável, algo que coloca o espectador constantemente do lado de fora da sua narrativa cantada em inglês com sotaque americano mas que é inexpressiva incorrendo numa monotonia deveras entediante; as canções que se distinguem são as que têm direito a solo de guitarra e nas que subtraem parcialmente o garrote do stone rock e ou do desert rock mas estas são tão escassas que a recordação do concerto é o retrato de uma(s) estética(s) à qual não querem ou não conseguem polvilhar com novidade. Os Grandfather`s House são um trio que se divide por uma guitarra eléctrica/voz, bateria e teclado/voz, e revelam uma vontade de conquistar o público com as suas canções pop/rock que são delineadas segundo uma lógica em que impera o épico aspergido de uma tonalidade kitsch gótico, isto, é responsabilidade da cantora com um domínio considerável da sua voz e quando larga o Korg revela-se numa performer sublime; pena que algumas das canções estejam manchadas por um excesso de solos histéricos da guitarra eléctrica que as anulam e as ferem ao ponto de as alienar.

DRAC B`Day Party, 13 de Maio, Gala-Figueira da Foz.

Em memória de Javier Valdez.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Towards the Forest. Knausgård on Munch

Fogo estóico acende-se numa fogueira e o seu fumo é uma barragem intransponível, iluminada por uma lua diáfana que teima em se distanciar da Terra, os campos parecem vazios de qualquer encanto emergidos numa solidão ditada pela noite, as estradas são calcorreadas por peregrinos cativos de uma fé que lhes cega o sofrimento que procuro não atropelar, sigo em sentido contrário porque na adolescência fiz a promessa de amar o Rock and Roll até morrer num dia luminoso de Setembro, e em cinzas a boiar no Atlântico perseguirei o horizonte como se fosse a minha eterna musa. Estaciono o carro nas imediações do Clube União Vilanovense fundado em 1947 em Vila Nova freguesia de Cantanhede, a sala tem um chão em madeira amarela e o palco é pequeno mas tem tecnologia de ponta (very lights, tela para projectar imagens, e colunas que aparentam ser adequadas para o espaço). Os primeiros a subirem ao palco são os Sacaplástica que é um trio que canção após canção demonstra que são incapazes de serem homogéneos-- e para acentuar o desequilíbrio os géneros que abordam não estão devidamente sintetizados-- e tudo soa a versões rockeiras inconsequentes, mesmo que o guitarrista e líder diga algo assim: “A crítica que nos fizeram; é que isto é uma música um pouco esquizofrénica”; a canção mais conseguida é um tema original brasileiro, já a versão do Serge Gainsbourg é sofrível. Os Iguana são uma dupla composta por bateria e guitarra e as suas variações promovem diversas texturas e consequentemente é o elemento que domina, associada a inúmeros universos sónicos transformam as composições em algo complexo e o que daí resulta é da natureza do épico. Os Desert Mammooth decorrem de uma bateria e de um guitarrista e o género musical de praticam é o rock com hard algo que é na essência entediante por ser convencional, as melhores canções são as que remetem para uma estratosfera core-noise e que é de facto sublime. The Black Wizardz é quarteto de músicos (bateria, guitarra/voz, guitarra eléctrica e baixo eléctrico) e são exímios a verter o hard rock datado da década de setenta advindo da América do norte, mas são de tal forma “académicos” que nada pode ser ouvido numa perspectiva da originalidade; nota: a guitarrista-voz canta como se fosse uma vodoo drogada que dedilha a guitarra como se estivesse a degolar o Charles Manson. No exterior num pátio situa-se o palco Efervescente onde está a dupla Cabra cor de rosa, e sobre a música rock oiço que o concerto versa, “uma epopeia gandareza”, acrescenta, “a história ficcional da história da gandara”, e, “quando tu ainda não eras nada”, continua, “conto coisas da memória”, a música prog rock não tem relação com o orador e nem tão pouco com o vídeo que é projectado atrás dos dois músicos, “e entramos na ditadura”, mas a canção não reflecte esta mudança histórica, algo que sucede quando mudam de continente, “ilha de Moçambique”, para uma melodia africana; e regressa a visão de um tempo que ainda não se cumpriu, “bem-vindos à gandara do futuro”; tudo isto é de tal forma sofrível que parece má ficção. O Bode era em tempos a personagem do Cisco Francisco que se apresentava sozinho à guitarra eléctrica com um Mac, hoje surge acompanhado com outro membro do clã e este ocupa a bateria algo que confere ao seu espectáculo sónico uma visibilidade que engrandece as canções terror-rock. No segundo dia não tive oportunidade de ver os Alice; mas os seus sucessores são os Dalla Marta um quarteto de adolescentes liderados por uma jovem alegre e saltitante que ainda tem que desenvolver a sua voz para que esta seja devidamente potenciada, o género em que habitam é o nu metal porém não lhe acrescentam nada de novo, antes aprofundam os seus contornos rítmicos e melódicos; a melhor canção é a versão de “Amor Combate” dos Linda Martini. Os Esfera são um quinteto de rapazes muito bem-intencionados na procura de uma originalidade pop-rock, mas não dissertam convincentemente para que nesta se encontre um instantâneo em que tal suceda, e por vezes perdem-se numa distorção que não as valoriza; e o inglês que usam é sem duvida melhor do que o português; e é inaceitável que o cantor-guitarrista faça a seguinte confissão: “Começamos agora o trabalho de cantar em português, por isso tenham lá calma”, calma? Quem é que se iria insurgir contra as canções cantadas na língua do Fernando Pessoa? Por serem más? Ou por não encaixarem devidamente na métrica que instituem? Nota: se abandonarem a lógica progressiva e instituírem diversas dinâmicas poderão ganhar com a mudança, entretanto mantenham a calma. O Sr. Doutor é um fidalgo que usa uma guitarra eléctrica e as suas letras versam sobre romances com origem no Bairro Alto e são deveras apelativas; mas quando passa para a guitarra acústica e os temas são maioritariamente políticos tudo se desvanece e nem com a pareceria de uma flauta de bizel as salva do lodçal da vulgaridade; há a destacar o convite do Sr. Doutor a Victor Torpedo para que o acompanhe na guitarra eléctrica e essa canção em particular deve ser adjectivada com elogios.Victor torpedo é o crooner dos loosers dos que amaram num tempo em que o kitsch dominava as mulheres que desafiavam safaris em topless à procura de uma fera que apenas haviam conhecido num Zoológico; as canções são debitadas por um Mac e são acompanhadas por vídeos absurdos com as letras respectivas; o cantor decide abandonar o palco e enfrentar o público espalhando uma energia que domina as pessoas que o acompanham hipnoticamente no seu Karaoke; se os portugueses inventaram a saudade, Victor Torpedo dá corpo a uma performance que enobrece o nonsense criado pelos ingleses. O Eduardo Martins dedilha a sua guitarra acústica no palco Efervescente mas o pátio está repleto de convivas que o ignoram e que ao falarem abafam-no; do que oiço parece-me meras deambulações estilísticas e na sua maioria inconsequentes. A dupla Ghost Hunt apresenta um composto químico synth em que moldam o psicadelismo, estilhaçam e enaltecem diversas facetas rítmicas que transformam a sala numa rave incontrolável, não é que os corpos estejam anarquicamente a dominar o espaço, antes, são as mentes que a partir das canções se libertam do jugo da rotina mascarada de realidade e a sua deambulação permitem-lhes a potenciação do pensamento formal, são dominados e paradoxalmente desejam dominar num espaço abstracto onde se relacionam exclusivamente com os Ghost Hunt.

13º Rock Of—Mostra de Música Moderna, 5 e 6 de Maio, Vila Nova