sábado, 30 de maio de 2009

Arriba! Avanti?

“Grândola Vila Morena”, em registo de vídeo serve de suporte à entrada de uma trupe de comediantes: Homens da Luta, de Neto e Falâncio, a liderarem uma banda proeminentemente acústica. Neto é o comunista do Megafone que luta e assume os “problemas do povo”, é a solidariedade em formato de comício do PREC , a demagogia e o absurdo unem-se. “Vamos reviver o 25 de Abril! Isto não é a Rita Redshoes, só com canções de amor, pá!”. “Eles andam ai, a meter o nosso dinheiro ao bolso”, que está no cerne da, “luta camarada, a luta contra a reacção”, “os tambores lutam”, “é um prazer tê-los aqui hoje”, “luta, luta, camarada luta contra a reacção”. Falâncio é o agricultor ignorante que resume tudo a um vocabulário de dicionário unidimensional: “Reacção”. Neto: “Sejam bem-vindos ao espectáculo dos Homens Da Luta!”, a música é um resumo das angustias do povo, “a corrupção, pá! A recessão pá! Os comprimidos pá! E o povo pá?”, musical, “quer dinheiro para comprar um carro novo”, musical, “o povo também quer Ferraris!”, musical, “camarada da pesca? E o povo pá?”. Apresenta, os funcionários, “Lisnave”, “a nossa facção intelectual da luta a Quinta das Dores”, “no Bombo, o camarada Zé Pereira, uma salva de palmas! Não sejam tímidos, pá!”, “nesta ponta um homem que conduziu o Chaimite de Salgueiro Maia, uma salva de palmas para o soldado de Abril!”, musical, “e o povo, pá?”, musical, “na concertina, a Sesaltina da Concertina, é ela que mete o pêlo nos Homens da Luta”, musical, “na guitarra, o incontornável, kikikikikikirikirikiriki, o camarada Falâncio!”, musical: “E o povo pá?”. “Está Caro”, é “dedicado ao preço das coisas”, os tambores rugem, como numa arruada do PCP onde militam os verdadeiros comunistas. A rotina: “Vamos imaginar um jovem casal, que quer comprar casa. Lá vão eles ao BPN, Caixa, para comprar um T2s no Cacém!”. Resumo: “Lá se vai o ordenado!”, musical, “até ficarem endividados até aos cabelos, pá!”, musical, “lá se vai o ordenado! Isto está caro!”, refrão: “Isto está caro, camarada caro”, “o que faz falta é animar a malta, o que faz falta é dar de comer à malta, o que faz falta é libertar a malta”; “fazias jogo de conselheiro de Estado? O Sr. é acusado? Tá isento? Tem imunidade!”. A luta arrefece o ritmo, mas… “A reacção é só filhos da puta! Mas quando a tarde cai para a revolta, manda-se vir uma Jola e vai-se dar uma volta!”. Na seguinte, “vamos falar dos mártires da luta”, sobre o Tarrafal, “vamos falar dessa prisão que foi a Auschwitz da revolução!”, “eu, camaradas, estive no Tarrafal”, “a gritar feriado que é o meu objectivo”, “os melhores anos da minha vida passei-os no Tarrafal. Eu fui torturado no Tarrafal. A dura tortura do sono, onde nos obrigavam a dormir horas a fio!”. Os cabrões dos torturadores diziam ao Neto: “Seu comuna! Seu anarca! Só queres feriados? Dorme!”, a localização errada da prisão onde esteve Álvaro Cunhal, “na Ilha de Cabo Verde, onde sita o Tarrafal!”. Onde o Neto teve uma experiência homossexual: “Fausto tá aqui alguma coisa entre nós?”, “aí percebi porque lhe chamavam o Anaconda!”, “e ali mesmo aliviei o Anaconda.” . “A luta, quando está calor, ninguém é obrigado a trabalhar!”, conclusão: “A luta assim não dá!”, tambores, “39 graus à sombra é um calor do Diabo”, “o povo calado será sempre enganado!”, “a luta assim não”, numa frequência africana, “kirikirikirikirikiriki”, “o povo calado será sempre enganado”, “a luta assim não dá”, “a luta assim nã dáaa”, Falâncio dança como se fosse membro de uma tribo afro. Desde o 25 de Abril, “muita coisa mudou: antes, havia presos políticos, hoje, temos os inocentes políticos!”, antes, “o povo queria votar e não podia, hoje pode votar e não quer. Antes usava-se muitas metáforas, hoje em dia as canções é só…”, Neto é censurado por Falâncio: “Piiii”. Neto arrisca a falta de decoro: “O meu amigo Ary dos Santos”, imita o Ary declamador de poesia lírica, mas que era dita como se o Ary estivesse a relatar uma epopeia, “eu sou o Ary dos Santos”, o espanto da poética, o Ary confessa a Neto, “tenho um problema que me está a preocupar”, e o que será? “Tenho tesão por ti! Não me chames paneleiro! Isso não!”, Neto constrange-se mas salva o Ary do desalinho: “És homossexual”, e interdita a excitação do poeta, “mas comigo não! Pá!”. “Vamos tocar a ´Tourada` do Ary”, apresentada em formato hip-hop: “pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá, pá.”. “Uma salva de palmas para o camarada Ary! O touro é o povo!”, “e depois há aquelas bichonas que querem que o toro vá ter com eles! A gente não mata o touro, metemos sal grosso nas feridas, que ele ainda tem que ir montar umas vacas gordas e dar bifes!”. O momento “Mudasti” é uma canção para o patrocinador da luta, que poderia ser tinto do garrafão ou cerveja, antes, é o chá da Nestea, “mudasti?”. Quanto ao desemprego, “é férias sem emprego”, “e o que se vê agora é só empresas a fechar”, “desemprego pá? Férias sem emprego, pá: E a Quiimonda, pá? E a Toyota, pá?”, flauta, “e a Samsung, pá?”, “e vocês todos, pá? E Portalegre, pá?”. Das melhores, “conquistas de Abril. Eu estou a falar das gajas que se engatavam em Abril!”, “no Galery, chega um gajo da bola e seca tudo. Quando aparece o Ronaldo com o seu amigo Zé, que é o amigo dele, mas não vamos falar de desgraças! Pá!”. “Quem faz um filho fá-lo por gosto!”, a conjugação verbal, “fá-lo”, é relacionado gestualmente por Neto com o seu falo. “Uma conquista de Abril”, o ritmo lento indica paixão, “estou muito sossegadinho e vejo uma rapariga a passar. Uma rapariga do campo”, Neto: “Olá, camarada!”, ela: “Hihihihi”, “olha que tens umas cooperativas muito desenvolvidas. Que tal irmos ali para baixo de um sobreiro? Sentei-a no colo e a minha revolução, já estava em pedra! Parecia a estátua do Cutileiro. Baixei-lhe as cuecas e meti o 25 de Abril, lá para dentro!”, “quem faz um filho fá-lo por gosto”, com predomínio da concertina e das percussões, o Neto mete o Megafone sobre o pénis: “por gosto.”. “Para homenagear esse povo que fez a revolução, dá-lhe Celsetina da Concertina”, a polka embebida em vodka, “aqueles que quiserem, subam ao palco para dançar esta música russa!”, sobem as mães da revolução e outros espontâneos. “A casa da luta é a rua! Vou desafiá-los para ir para a rua, a luta continua quando o povo sai à rua, pá!” Os Homens da Luta páram o trânsito da rua adjacente ao Cinema de São Jorge, apropriam-se de um largo junto a uma estátua, não há cravos, nem chaimites, nem sangue, é o povo a aprender a ser homem.

Homens da Luta, Cinema S. Jorge, 27 de Maio.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

One Night Stand

A noite está cálida, as luzes de Aveiro iluminam a ria que é uma piscina de canais de corpo de serpente, a maresia estagna-se no ar e em cada rua há um cartaz: Rui Reininho & A Companhia das Índias. É a estrela do Norte que ilumina o centro do palco do Teatro Aveirense, veste prateado e sapatos pretos de baile de finalistas, a melena cinzenta e o rosto magro e sem rugas não contam nenhuma novela do Paulo Coelho ou de outro farsista qualquer, é a luz, é o Rei. “Ryders on the Storm” dos Doors, surge em regime de síncope circular com os instrumentos a mimetizarem o original, não numa de monge copista, antes de chacota soturna e envolvente, a tensão instala-se, e onde era L.A, agora é Ribeira. “Tank you very mouch”, “pobre flor no terramoto”, é reposto tepidamente ao ritmo de uma frequência breve, “peito aberto”, do naturalismo a lírica é transposta para a metáfora, que nos esconde a eminência da interrupção, “sem ninguém”, “S”, “O”, “S”, o suspiro que é um alerta que não obterá resposta. “Eu um homem de AVeiro, eu um homem de MAtosinhos. É assim que se fala na capital do Império, não sei se sabiam?”. O hino punk, “Anarcky in the U.K”, é mutilado na essência, uma bala para os ouvidos das burguesas que enchem a sala, “my name is anarchy”, ao ritmo de um metrónomo electrónico, com solo de teclado, Sex Pistols num transatlântico construído para voar embriagado. “Socorremo-nos de um clássico como ´Morremos a Rir´”, a canção pró-imigração, que enobrece a ironia e retira as fronteiras que nos separam de mulheres exóticas: “Vamos todos a Paris se o esperma o permitir”. O blues electrónico do “Caso Estranho do Amante Preguiçoso”, que nos convida a conhecer a capital, “cheiras bem? Então vem, então vem, vem até Lisboa”, “Cheiras bem? Ganhas mal? Então vem até Lisboa”, Reininho revela (pontualmente) desconcentração e algum desacerto. “Estamos perto de Fátima, tanta gente com as velas…”, sussurra num assomo de respeito, mas em simultâneo enaltece o ridículo da celebração, que tem esta madrugada o seu clímax. “Faz parte do meu show meu amooor, amooor”, é o tropicalismo que já pontuava o Psicopátria, assinado pelo famigerado Cazuza, e com arranjo de sax que o Reininho imita, “meu amor”, sax-voz, “meu amor”, sax-voz, “meu amor”, “meu amor”. Relembra os dias de saudade “da Vagueira” uma praia que serve Aveiro no Verão, e ao Rei falha a memória: “ Esta música chama-se…”, “o John Lennon, ahhaha”. O minimalismo de “Yoko Mono” é delineado perfeitamente pela banda de quatro músicos, mas o criador e artista, perde metade do andamento e quando segura a Yoko, não é tarde de mais, mas já é tardiamente, “há um médico na sala?”. As palmas acompanham o tema das arábias, que transpira a deserto riscado por tuaregues enrolados em lençóis de cetim e hálito de haxixe mascado “fakir, aqui e mais além”, Reininho pontua-a com campainhas que tilintam compassadamente, criando um vácuo por onde desaparece o Emir para se deitar com o seu sequito de cativas. “Bem Bom” das Doce é massajado pelo cravo, mas para além deste apontamento, não é melhor ou pior que o original, “não sei se repararam mas depois vieram os Abba e copiaram, ahhahah”. “Esta música é tão difícil, tentei toca-la quando era pequenino e não consegui”, pausa, “vou precisar da vossa ajuda nos lá, lá, lá, lás”, pausa, “I Will Rock You”, a banda inicia os míticos acordes de “Space Oddity” de David Bowie e o Rei “goza” como diriam as brasileiras: “Enganei-me!”. “Do you really make the Play?”, numa toada fadista, “stars, are very diferent today”, com solo de teclado a sujar os acordes crescentes que transpõe a primeira parte da canção para a segunda quando a nave de Major Tom se despede ciberneticamente da mulher e os reactores afirmam “she nows”, na canção há dois narradores um é o Major Tom o outro clama por Major Tom: “Can you hear me Major Tom?, Can you Hear me Major Tom?”, a resposta é um vácuo onde cada um deve preencher com imaginação, abstraindo-se da angustia da interpretação de Reininho. “Dr. Optimista” é apresentado sem mácula, “então vá!”, “Sável da treta!”, “até pelos olhos!”. “Heart Break Hotel”, cantado à capella, e apoiado subsequentemente pelo baixo, de seguida juntam-se as teclas e por fim a bateria, compõe o resto do retrato, “I feel so lonely, I could die”, “I could die”, é o slow do Rei, abafado num ritmo ao qual lhe retiraram a ansiedade do original e colocaram uma mascara trip-pop. “Esta é uma música que nos acompanha desde a primeira hora”, “Sympathy for the Devil” de Jagger/Richards, é uma bomba de um erotismo sublime, de tão equilibrada, ao se acercar de uma vertente disco-sound que lhe parecia alérgica, mesmo assim é perfeita, “do You Now my name?”, com o jogo de luzes vermelhas, “Who killed the Kennedys?”, “Pleased to meet you”, geme, “UooUUooUUUooUU”, “ I guess you know my name?” UoouuUUooUUUooUU. Os Clash irrompem numa frequência neo-kitsch, “all my corazon”, “all my corazon”, “te quiero all my corazon”, a música versa sobre a guerra civil espanhola na qual venceram os que destruíram La Guernica.

Rui Reininho & A Companhia das Índias, 12 de Março, Teatro Aveirense.