segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Paula Rego

As obras de Paula Rego que se encontram agrupadas no Centro de Arte Manuel de Brito. Estão inseridas nas décadas de sessenta, setenta, oitenta, noventa e dois mil. Nas colagens há uma sobreposição das imagens, onde a perspectiva era imperscrutável, subsequentemente há uma desagregação destes elementos que passam para uma flutuação, é de contraposições que a obra de Paula Rego cresce, recusa riscar sempre com o mesmo intuito. A nível da narrativa ou são lineares, com o principio meio e fim com possível leitura da esquerda para a direita, noutros casos este elemento é explorado verticalmente, sem que exista harmonia. Outra característica proeminentemente é a adequação do traço às cores e aos elementos que estão ser pintados. Mesmo nas telas grandes e de forte pendor cromático, há uma anarquia feliz, onde os bichos-do-mato, ganham comportamento humano. Algo que é uma constante é a contra-cena entre humanos e animais sem que seja perceptível a fronteira entre estes dois universos. As figuras têm uma grande carga de Goya, estas obras são de uma elegância extrema, belas dicotomias entre cão e dona, entre chefe e dona-de-casa, entre mestre e escravo, e entre nascimento e o aborto, o álcool num biberão na boca de um bebé, uma mulher que mata um macaco que não perscrutamos se é um boneco ou ser vivo. A nível literário responde com águas fortes do “Peter Pan”, “Perlimpinpin”, “Contos de Fadas”, “Maria Moíses”, “Para lá Para Cá”. Há os corpos cadáveres com dentes na vagina, mulheres levianas, anões fadistas, a morte é transversal à exposição, porque a fantasia suprema é aquela que desconhecemos se estamos vivos ou mortos.

Paula Rego, Centro de Arte Manuel de Brito (Algés), 16 de Novembro. Patente de 4 de Outubro a 18 de Janeiro.

sábado, 22 de novembro de 2008

Fernando Pessoa

A exposição literária abarca essencialmente o século XX, sendo que “Os Lusíadas” são o outsider, desta colectiva poética encabeçada por Fernando Pessoa. “Sr. Pessoa, precisei de sair, está o jantar pronto, é só sentar à mesa, tirar do lume e comer. Adelaide.” Com este bilhete entramos na intelectualidade portuguesa, numa instalação que envolve filmes, fotografias, telas, manuscritos, de colunas saem poemas, o labirinto é translúcido e percorre uma alma única: Saudade.
Do “Livro do Desassossego” estampado a letra preta sobre o branco: “A grande dificuldade do orgulho para mim oferece a contemplação das paisagens, é a dolorosa circunstância de já as haver com certeza contemplado alguém com um intuito igual (…)”.
“Os Lusíadas”, “Vês aqui a grande máquina do Mundo; etérea e elementar, que fabricada; assim foi do saber alto e profundo; que é seu princípio e meta limitada; quem cerca em derredor este rotundo; globo e sua superfície tão limada; é Deus, mas o que é Deus? Ninguém o entende; que a tanto o engenho humano não se entende (canto X, 80)”.
Paralelamente colocaram a “Mensagem” (“O dos Cotovelos”), de Fernando Pessoa e “Os Lusíadas”, (canto 3, 52-54), irmanei-os: “A Europa jaz, nos cotovelos: cabeças pelo campo saltando; de Oriente a Ocidente jaz, fitando; braços, pernas, sem dono e sem sentido; e toldam-lhe românticos cabelos; e doutros as estranhas palpitando; olhos gregos, lembrando; pálida cor, o gesto adormecido; o cotovelo esquerdo é recuado; já perde o campo o exercito nefando; o direito é em ângulo disposto; correm rios do sangue disparzido; aquele diz Inglaterra onde, afastado com quem também do campo a cor se perde; a mão sustenta, em que se apoia o rosto; tornado de carmesi, de branco e verde; fita, com o olhar esfíngico e fatal; já fica vencedor o Lusitano; o Ocidente, futuro do passado; recolhendo os troféus e presa rica; o rosto com que fita é Portugal; desbaratado o rosto o Mauro Hispano (…)”.
Está em exposição “Histoire du Portugal par Couer” de José Almada Negreiros, publicado pela primeira vez em 1922 na “Contemporânea”. Uma colagem do Cesariny, com acrílico e esferográfica sobre madeira. Álvaro de Campos: “as figuras de amadas, que aliás não existem como figuras”. E mais inscrições de António Botto, Walter Pater, Robert H. Shepard, Óscar Wilde, o óleo sobre tela de “O rapaz das Cerejas” de Edouard Manet. “Vivi, estudei, amei; e até cri; e hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu”; “Cá morreu o meu amigo; o que surrealista migo; na escurana da manhã; cá morreu o meu amigo; por todolo bem que fez consigo; vou por outro Dolviran”.
Teixeira de Pascoaes: “O que ele quer é o deserto, onde não lhe impeçam os mortos nem os vivos. Mas é difícil evitar os vivos e ainda mais os mortos, não há portas fechadas para estes”. Camilo Pessanha, “eu vi a luz em um país perdido; a minha alma é lânguida e inerme; oh! Quem pudesse desligar sem ruído; no chão unir-se, como faz um verme. (in Clesydra, 1920)”.
Mário de Sá Carneiro, “ah, que me metam entre cobertores; e não me façam mais nada; que a porta do meu quarto fique para sempre fechada; que não se abra mesmo para ti se tu lá fores! (in, “´Os Últimos Poemas de Mário de Sá-Carneiro`”, Athena 2, 1924). Constam as cartas deste poeta a Fernando Pessoa, mas não se encontram as respostas deste ao seu contemporâneo. Fernando Pessoa sobrevoa a exposição patente na Fundação Calouste Gulbenkian, com esta reflexão: “Nunca supus que isto que chamam morte; tivesse qualquer espécie de sentido; cada um de nós, aqui aparecido; onde anda a lei certa e a falsa sorte”. Mário de Cessary vai, “hoje, dia de todos os demónios; irei ao cemitério onde repousa Sá-Carneiro; a gente às vezes esquece a dor dos outros; o trabalho dos outros; o coval dos outros”. Os auto-retratos de Almada Negreiros testemunham a passagem de dois grupos de alunos que ouvem os guias com atenção.
“De quando em quando junto as recordações para morrer; não gosto de andar sem nada”, filosofa Vitorino Nemésio em 1940. “De Rembrandt a Van Gogh a tinta és tu; em rosa de bateira e sol de vinho; o tempo fez-se-me fome; mas levantas os braços--e é o moinho. (Vitorino Nemésio em “´Andamento Holandês`”).
“Faze de ti um duplo ser guardado; e que ninguém, que veja e fite, possa saber mais que um jardim de quem tu és--Um jardim ostensivo e reservado; por trás do qual a flor nativa roça; a erva tão pobre que nem tu a vês...” é a pluma do poeta Fernando Pessoa o corpo são as suas palavras, a alma o português. “E a propósito, ocorre-me que numa ocasião, entrando num eléctrico (recordo-me bem, era da carreira da Estrela), deparo com Fernando Pessoa que me pergunta num chofre: ´Já notou um coisa, ó Pascoaes? Há escritores de que ninguém fala e ninguém lê, e outros de quem ninguém fala e toda a gente lê. E desta duas espécies, qual em seu entender, tem mais valor?` Respondi que aqueles de que toda a gente fala e ninguém lê, e Fernando Pessoa rematou: ´É também a minha opinião`”.

"Weltliteratur—Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o Mundo!", Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), 14 de Novembro. Patente de 30 de Setembro até dia 4 de Janeiro.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Julião Sarmento

O artista plástico, Julião Sarmento apresentou-se no foyer do Teatro Académico Gil Vicente, a convite do Instituto de História de Arte da Universidade de Coimbra. Durante a palestra foram projectadas as obras de Julião Sarmento, acompanhado por Delfim Sardo e António Filipe Pimentel. A introdução foi realizada por Delfim Sardo, “começou em 1972, e o Julião tem repartido a sua obra por vários suportes: Super 8, 16 milímetros, escultura, duplicação mecânica. As tónicas, têm sido a ligação ao cinema e à literatura”. Julião Sarmento, é um homem de grande porte, tem a barba de vários dias, óculos, e um timbre de voz sedutor, “isto está cheio! Pareço um artista de rock (risos)”. “Não costumo olhar para o passado, somente olho para construir o futuro. Eu não sei falar sobre o meu trabalho, se eu não fizesse o meu trabalho, apenas falava. Eu sou um artista proeminentemente visual. É importante olhar para o meu trabalho, mas não há muito mais a acrescentar ao meu trabalho. Se eu fosse escritor, eu seria do género que escreve sempre o mesmo livro, tenho meia dúzia de obsessões, eu não sou um artista que não está habituado certezas. Não interessa fazer um trabalho absolutamente redondo, estão quase bem, mas o que me interessa é o quase”. A luz do foyer apaga-se, e Julião ironiza, “ eu gosto de ser voyeur, mas é a outros níveis, não é a falar às escuras para uma plateia”. “ O que me interessa nestas questões é chegar ao fim e ver que não consegui, e ter uma desculpa para trabalhar no dia seguinte. Esse sentido da memória, o traço é visível, está lá! As questões genéricas ao cinema e à literatura, e ao desejo, estão lá.” Quanto ao “surrealismo, não sei o que a minha obra tem haver sobre o surrealismo”. “O meu trabalho é seriado: é uma espécie de mote, os meus trabalhos estão agrupados em grupos”. No início “pus de lado a pintura e o desenho” e concentrou-se na “fotografia e no Super 8”, “aqui já se percebe a relação com o cinema”, “eu pertenço à velha guarda, as fotografias eram performativas e não existiam como ícone, eram representações da realidade. Trabalhava muito com polaróides, há motivos recorrentes que são mulheres, não sei porque (ahahha)”, “na altura tive um incêndio no atelier e arderam todos os filmes, na altura não dava para fazer cópias, tinham que ir à França e custavam caríssimo”. “Na altura ninguém fazia filmes, claro que fazia o Andy Warhol. As projecções eram feitas em casa dos amigos, e eram projectados em cima de naprons, por outro lado tinham muita mais graça porque eram muito mais violentas”. Julião Sarmento sublinha que na “altura tínhamos uma ideia vaga das coisas, eram descobertas gradualmente. Hoje, os artistas atacam com tudo o que têm, nós entravamos no limbo”. Para enfrentar e romper com este estado colocou-se dentro da “jaula do tigre, a fingir que era um tigre durante uma hora, roçava nas paredes, levava uma máquina e fotografava o que o tigre via e por outro lado tinha um comparsa no exterior que fotografava sobre os espectadores que me viam dentro da jaula (ahahha)”. “Eu já nesta altura era poupadinho e o dinheiro que eu tinha era para a paródia, para se ser pintor não era preciso muito dinheiro. Pintava em papel de embrulhar bacalhau, que era utilizado para embrulhar as postas de bacalhau”. “ Dou tanta importância ao texto quanto à imagem, são duas realidades que se complementam, como são o caso dos textos da Virginia Wolf”. A instalação que realizou “era uma caixa que tinha um segredo”, este, “era revelado através da caixa, mas esta estava de tal forma iluminada que ninguém via o segredo (ahahah).” Julião revela o que o motivou “a ser artista, para engatar, à conta de ser artista, as coisas que eu fiz! Mas dá resultado! (aaahha)”. “Perdi tudo o que fiz, três vezes: a primeira vez foi no 25 de Abril. Tinha um atelier por cima da Assirio&Alvim, onde tinha uma cama, livros, discos, e trabalhos que tinha realizado em conjunto com o Fernando Calhau. A quatro de Abril acabo a tropa e não tinha dinheiro para pagar o atelier, dá-se o caso que o senhorio que morava no Porto, mas que tinha uma gaja sempre à porta a cobrar a dívida. Eu era um gajo muito tímido e desapareci. Voltei doze anos depois ao atelier, foi-me aberta a porta por um casal. Não revi nada dessa altura, desapareceu tudo, os discos, livros”. A saga passa por um segundo atelier, “eu trabalhava numa galeria em Belém”, espaço, “que tinha ficado remanescente do Mundo Português de 1940. Eu arranjei um cantinho para o meu atelier. A 21 de Julho de 1978 ardeu tudo! Menos o que estava na casa da minha primeira mulher, que residia no Chiado. Em 1988 houve um incêndio no Chiado e ardeu tudo (ahahhah)!”. “Sempre fui visualmente violento, e utilizei uma palete muito reduzida de cores”, “se tiver um quadro branco com um ponto vermelho, o olhar vai de encontro a esse ponto”, “os títulos são em inglês porque as obras têm destinatários estrangeiros”, “para mim o título tem uma importância paralela à obra, é um bocado da obra”. “Em 1992 fui convidado pelo instituto alemão a ir à Amazónia com mais dezasseis artistas, durante a qual cada um de nós iria fazer uma obra, que seria exibida na Eco 92”, “construi uma casa igual às do Lula, mas ao contrário, com esta cor, verde-água. Eu quando comecei a fazer as pinturas brancas, o branco é neutro, no Ocidente a neutralidade é essa. O branco na Amazónia não é neutro. Dentro da casa há 15 cm de terra vermelha, que não podem ver, e nas paredes há grafites, que não foram feitas por mim, mas por um local, eu disse-lhe: faz uma faca, uma mulher, só podem ser vistas através das frestas.” Exibe o tronco de uma árvore que tem sintomas de “ambiguidade que me interessa, as ramagens passam a ser braços, o que permite uma multiplicidade de leituras”, “ não se percebe se é um homem ou se é uma mulher”. “Até 1997 ninguém passava cartão à Bienal, Portugal não tinha um pavilhão, na Bienal de Veneza. A Islândia tinha um pavilhão muito bonito do Alvar Alto, e como tinham poucos artistas, emprestou o pavilhão a Salazar e a Caetano. Nesse espaço chegaram a ser apresentados dezasseis artistas. Em 1997 é a primeira vez que Portugal é representado com alguma dignidade!”, “estão a divertir-se ou quê?”. Em 2001 para a exposição internacional colaborou com “Anton Egoyan, num filme em que entre o espectador e o filme é um corredor de sessenta centímetros de largo, o espectador só vê um fragmento do ecrã, o som ouve-se vindo do chão. Foi muito interessante, porque foi a primeira vez que tive a noção do que eram os budgets, eu tive uma reunião com o Anton em Paris, depois em Veneza, porque ele era um dos membros do júri”. “Porque é que eu não ponho caras, nas mulheres? Eu tive problemas sérios, por não pôr cabeças, em 1988, fiz uma exposição em Nova Iorque. Onde normalmente há três inaugurações, na primeira noite surgiu uma comissão de mulheres ofendidas, levei-as para um anfiteatro, coloquei-me no púlpito e disse-lhes que não era um macho, que não tinha ódio às mulheres, não têm cabeça porque são representações genéricas de mulheres!”, “desde que se ponha uma pestana num rosto passa a ser um retrato!”. Em 2002 “comecei uma nova série de trabalhos de silhuetas, fotografo, projecto-as e são pintadas ao detalhe, todas são altamente pornográficas, vocês nem sabem o que se passa aqui dentro (ahahh)!”


Julião Sarmento, Instituto de História de Arte da Universidade de Letras, Foyer do Teatro Académico de Gil Vicente (Coimbra), 12 de Novembro.