sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Les Crimes De L'Amour

Vestígios de cera sobre a toalha branca de papel jornal parecem lágrimas de Santa à qual sou fiel quanto o sou a qualquer prostituta pois não há amor mais demente do que aquele que se encarcera em masmorras e espera pelo fim da sentença que se insurge contra a solidão e se a dama é chinesa é tão tóxica quanto o vazio que me proporciona esta paisagem composta por uma imensidão de palavras que ondulam tais ondas congeladas em sacos de plástico sofro com a multiplicidade de segmentos de ar que me anulam a respiração e evito sufocar com excesso de oxigenação se emito SOS é porque algo está a implodir e não sei se sou eu ou a minha querida lasciva que dorme num espaço adjacente onde se assegura à vida mesmo que esta seja pobre de tão miserável à mercê dos marinheiros sedentos da sua carne malhada de fresco e uma luz é o meu ego que acaricio para o fazer brotar por entre os juncos deste riacho seco onde tento nadar acompanhado de golfinhos filhos de pais incógnitos e ao longe os heróis lutam pelas suas heroínas em dose sucinta para se misturarem com o sangue que os irriga propulsionado e bombeado pelo coração excitado imiscuem-se pombas de asas cortadas que em vão sucumbem à escuridão e revejo-me distante das pessoas que circulam na rotina de um dia como os outros esquecidos entre tristezas e alegrias por vezes tento verbalizar mas a minha mudez é castraria e alternadamente sinto o teu toque na minha pele de leopardo albino que me excita a querer-te rasgar a carne e saciar a minha fome faminta por mais fome num circuito que me obriga a ancorar os pés no fundo do fundo do Inferno onde corro sobre brasas que não conseguem anular a pureza que me contamina com uma felicidade naturalmente efémera não acredito que esteja vivo ou seja o espelho daqueles que se julgam despertos em relação aos sinais exteriores que os obrigam a perseguir a procissão das velas não lamento a minha figura diáfana como a de um fantasma; Spectrum tem como representante Sonic Boom que se divide pela guitarra e voz e teclado e maquinaria digital e tem consigo um tipo na guitarra eléctrica que tal como ele se encontra sentado e não lhe incomoda que a sala esteja praticamente vazia e aliás o que o perturba é começar com sete minutos de atraso e as três primeiras canções têm como referência uma vertente fúnebre algo que é deveras incomodativo porém há aqui uma determinação por parte do emissor que é exigir do espectador a entrega e essa tem que ser total e nestas há guitarras e a electrónica é quase um apontamento que serve como paralelo e ou campos de fuga à voz falada/cantada que não se molda à melodia assegurando distanciamento ao ouvinte e dessa maneira obriga-lo a prestar atenção ao que é cantado e o que domina é a dor e as suas inúmeras vertentes seja a provocada pela solidão pelo desamor e para cortar esta linha de desalento instrui um blues visceral onde são exibidas as entranhas do mal e posteriormente há uma dupla de canções em que a electrónica ganha um domínio que as torna sedutoras de tal é a sua envolvência negra e o no epílogo há um beat que é como uma redenção a quem por mero capricho seduziu a morte; antes de perseguir a nudez de cada uma das palavras que me perseguem para me sucumbirem à sua beleza superficial risco o meu nome desta pedra tumular para ser finito e se não é permitido reavaliar esta condição em que me reduzo ao nada e a partir do qual estou imortalizado num outro tempo onde os sedentos se rebelam contra a sua condição de escravos do aquém e pergunto a que horas é que a paranóia se subjuga à sua porção de cristais que me inspiram a perseguir um poente enevoado onde me limitam a um furacão que se repete segundo após segundo aniquilando sumariamente a minha personalidade que numa bandeja é servida num alguidar que não pinga lágrimas e não sei é o meu o sangue ou o do teu vaginal esse hemisfério sul gretado que se derrete às minhas carícias que te parecem infinitas labaredas e confesso que a ilusão institui uma distancia entre a realidade que é deveras fugaz como as ocorrências que são esquecidas pela memória que as associa conforme o seu grau de familiaridade por vezes tenho a tentação de as reviver para dessa forma experienciar uma liberdade que seja eternamente satisfatória mas tal é tão utópico quanto amar a utopia e os satélites emitem sucessivamente imagens de um episódio em que a coligação de forças se divide em duas frentes que vagarosamente abandonam o teatro onde os mortos são cobertos com lençóis de linho e alguém corre o pano que os encobre e atrás do qual ressuscitam e nesse mundo são alistados para enfrentar o inverno que sopra uma gélido brisa neste verão que se perde em cada instante e o fim está a palpitar neste segundo em que te escrevo e cada termo é um retrato abstracto desse ponto no escuro que segrega os mistérios que te consubstanciam numa mulher que vagarosamente endeuso.

Spectrum, 19 de Setembro, Salão Brazil, Coimbra.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Livro De Memórias

Há anos que procuro do outro lado da estrada por um mapa que se aproxime da realidade que contorna os tecidos à minha volta e há restos de cinza sobre os meus pés marmóreos a meditação é um refúgio onde declaro através do silêncio morte ao sol é a ignição para os fogos nas minhas mãos de gigante que onde tocam declaram-se numa auto-combustão por amor sob a chuva outonal em pingos quentes de sémen disposto a lutar por uma caverna em que tatuam o pó que se vem num gemido prolongado e sentido num coral de absurdo prazer e talvez os anjos estejam atentos à volatilidade do tempo e com as suas forças tentam detê-lo e em vão assumem-se heróis de uma vitória frustrada soam as trombetas de Falópio e o fogo preso assinala que é nesse instante que se consubstancia nos subúrbios da cidade invicta o nascimento de uma flor raquítica em redor de uma teia de onde saltam palhaços para uma piscina propriedade de crianças órfãs da felicidade e recuo a fita magnética e as imagens sequenciam-se numa lógica absurda e não sei se assim é a vida ou talvez a sua representação que é uma muralha de prata onde dança uma lágrima negra de um elefante mutilado para subir ao pódio dos sem abrigo em vias de extinção na Ilha de Páscoa onde as cabeças esperam há séculos por ninguém somente do sol e da lua e de raios advindos da conjugação de opostos elimino-os do meu coração de ouro que se reúne em redor da solidão dos que lutam a favor da desordem que contrariadamente jamais se estabelece como denominador comum e ao longe há uma resistência à duplicação das palavras que me espelham com a pontuação invisível e fecho os olhos para me intrometer numa memória em que fugazmente se encadeiam figuras familiares disformes; o festival Lux Interior que irá decorrer no proximamente no Convento São Francisco e no Salão Brazil está previsto um preludio dessa noite com os Luna e Birds are Indie que se apresentam com um convidado de luxo alcunhado de Jorri no baixo eléctrico e as canções versam a pop com ramificações a Londres e a Manchester da segunda metade do século passado e se seguem esses cânones é porque lhes reinscrevem outras tonalidades que cativam sem que tal seja notado por parte do ouvinte e ainda deve-se sublinhar algo central no seu discurso e que de facto é essencial para os discriminar positivamente que é o ludismo pop que remete para uma cinematografia em que domina o humor ou a ironia e que afunila sobre questões amorosas e ainda reinscreve a utopia de um instante perfeito; Luna são um quarteto americano que explana inicialmente um psicadelismo que gradualmente ganha uma forma com uma acuidade perversa por ser de uma intensidade similar a um sonho em que as coisas flutuam e lentamente desaparecem para serem substituídas por figuras que correm sem que se movimentem no espaço e ouvem a voz de um narrador que ora fala ora canta equiparando-se a uma poética memorialística acompanhado por uma secção rítmica que é de tal forma perfeita que se assemelha a uma máquina por inventar e ainda a guitarra solo em delay a suplantar sonicamente muitas das estrelas adeptas deste efeito sonoro numa palavra os Luna são únicos; colo-os à parede do céu para que por oposição reconheçam o Inferno e na imensidão da hipótese esteja alicerçada um supremo devir e a pausa intervala como uma fossa aos pés de dólmenes numa floresta inóspita onde se recusam abandonar os entes em pó e num ponto que se subdivide em outros que se reúnem em círculos egocêntricos de onde sobressai a ignorância obcecada com a ganância e o resultado é a fome que os alimenta diariamente desligam-se as fragrâncias etéreas e surge a apetência por algo que se distancia em cada movimento ocular mesmo que seja o vómito seco e a mão ensanguentada a segurar um aparo espetado no meu coração sepulto numa caixa de ressonância que emite um som nulo que paradoxalmente me confere uma existência ficcionada e nesse canto negro objecto de culto dos meliantes que traficam a droga do tempo num arrebate de loucura que promiscuamente se imiscui na eventualidade de o regresso ser objecto de estudo por parte de académicos habituados a determinarem o sentido da audição e num encontro atrás de um biombo transparente onde circulam serpentes a salivarem veneno que impregnam as palavras movediças que identificam a origem do primordial pecado se há a possibilidade de hibernarem durante o Inverno e florirem durante o Verão talvez sejam verdadeiras pois constituídas por matéria imortal mas a fúria com que cavalgam os templários é em nome de uma ficção escrita por um escritor fantasma que se concentra na sua musa de peitos nus com uma coroa de uvas que é debicada por um grifo recém-nascido num tempo fronteiro no qual habitam os poetas que se imiscuem na relação entre o cérebro e a alma e cativam um repertório de teses que tentam contrariar o sentido da vida ofertando a quem passa a dimensão de um outro sujeito que enaltece e consubstancia o prazer do nascimento de uma luz que percorre os campos e os irriga de uma tonalidade diferente do dia anterior em que o sol se sepultou às mãos da lua.

Festival Lux Interior, 4 de Setembro, Salão Brazil, Coimbra.

Em memória do Conway Savage.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Siddhartha

O festival Gliding Barnacles para além de inúmeras actividades recreativas tem como centro a pratica do long board que decorre no Cabedelo e a garagem Auto Peninsular situada no Bairro Novo é escolhida para uma colectiva de artes plásticas e provas de vinhos e gastronomia e o palco é ocupado pelos Slushy um quarteto composto pelos mesmos músicos dos No Bunny que encerrarão a noite e esta surpresa (já que não se encontravam no programa previamente divulgado) é uma oferta de rock de características retro que remonta a Nova Iorque da década de setenta e se é delineado com precisão falta-lhe a eloquência necessária para se destacar de bandas similares e expressar traços de alguma vitalidade; os Vaiaparaia E As Rainhas do Baile têm como princípio quase invariavelmente acordes dos Nirvana que posteriormente sofrem diversas alterações rítmicas que resultam em algo entusiasmante porém isto deteriora-se por as soluções serem quase sempre as mesmas algo que é deveras entediante já a voz do cantor/performer tem uma amplitude apreciável mas paradoxalmente em diversas canções é impossível perceber o que canta em português; No Bunny vestem de coelho e há cenouras coladas aos tripés algo que confere aos americanos de Chicago (e não da Califórnia como foram apresentados) uma imagem de músicos que não têm a pretensão de verter canções que tenham um cunho austero ou melancólico antes estão dispostos à diversão seja através das letras absurdas ou das canções que se encontram muito próximas às dos Ramones que poderá ser catalogado de pastiche mas isto são meras considerações que devem ser esquecidas dada a fluência e violência técnica com que são implementadas jogando com um público que tem de implorar por mais uma canção ou suster o vocalista que se atira da coluna num último acto de demência; (praia do Cabedelo) The Rooms é um quinteto de Leiria liderado pelo André Castela e as suas canções são um compêndio de Rock and Roll que se divide em diversos centros seja o de L.A na década de sessenta ou o rock progressivo londrino e se por norma excedem os seis minutos (a última tem doze) deve-se à capacidade artística de conduzir o espectador a diversas paisagens sonoras seja o deserto ou a cidade e nessa medida cada um dos temas cumprem essa premissa cantados por uma voz potente que é catalisadora ao detonar um outro mundo ao qual é-nos proposto que lhe confie uma pátria imaginária; Cow Caos são um colectivo de rapazes com uma dançaria que grita ou diz algo sem sentido e a sua performance impregna-os de um kitsch desconcertante e musicalmente divagam por inúmeras paragens exóticas que são apresentadas numa perspectiva quase jazzistica de uma elegância abrasiva; (garagem Auto Peninsular) Kaliscut são um quinteto que têm no cantor um melómano dado o facto de ter ao pescoço um 45 rotações sobre a camisa branca que de cantor tem pouco ou quase nada sendo um ponto de ruído e o resto são rascunhos de estereótipos do reggea e do rock com mais de trinta e cinco anos; Time For Tea começam com uma pop contida num meio tempo elegante com a conivência de uma voz sedutora de tão melodiosa porém quando as complexificam ganham uma lógica que não as favorecem e as relegam para a banalidade; Fugly são sublimes ao injectarem no rock inúmeras variantes que são de tal forma aplicadas que é difícil perceber em que parte se encontram as canções e isto a um ritmo estonteante com origem no trash como se estivessem a executar um número no qual domina a surpresa e o espanto e o público está à altura deste desafio deixando-se deglutir pelos Fugly; Pinela é o convidado para Dj na praia do Cabedelo e este ex-Capitão Fantasma roda clássicos da música americana com preponderância para as décadas de cinquenta e sessenta; Drunks On The Moon são um dueto que apresenta um conjunto de canções que primam por uma elegância atroz atribuir-lhes a designação pop poderá ser erróneo porque as estruturam de forma diversificada e em que prima uma melancolia que a espaços ganha outras fronteiras e estas ramificam-se em diversas memórias sónicas sem que seja perceptível a sua origem e como tal são surpreendentes; (garagem Auto Peninsular) Marc Valentine apresenta as origens do rockabilly e fá-lo de uma forma assertiva sem a pretensão de lhes incutir outros géneros algo que para um purista seria delapidar um género que deu origem ao Rock and Roll; Ruby Ann tal como Marc Valentine tem como centro o rockabilly mas tem menos preconceitos que ele já que arrisca a pop e a sua actuação foi tão precisa e elegante quanto seria exigível a alguém que representa Portugal no espectáculo “Viva Las Vegas” em Las Vegas; (praia do Cabedelo) Maxime é um one man band que usa o loop como instrumento primordial mas a questão principal é a seguinte há lógica na inserção da voz ou da guitarra acústica e a resposta é que há mas o que prima é um desequilíbrio que as transforma numa divagação primária e ainda há a censurar os seus comentários (tradução livre do inglês): “não vou tirar os óculos escuros porque fico muito bonito e eu quero é que prestem atenção às canções” ou “esta canção é sobre nudez e eu vou-me despir para aquele homem bonito porque é especial” salva-se a versão “Sympathy For The Devil” dos Rolling Stones; os Ganso têm como eixo transatlântico Portugal e o Brasil do primeiro delineiam o ye-yé e do segundo as melodias quentes e kitschs ao que se deve somar um psicadelismo exótico e ainda acrescentam citações dos Beach Boys e dos Beatles isto estruturado segundo uma métrica em que se fundeia o português de uma voz roufenha (a seguir com muita atenção); (garagem Auto Peninsular) Bad Pig são um trio que tem um som excessivamente alto como se este fosse mais importante do que as canções punk/trash/hardcore que primam por uma unidimensionalidade que as aniquila e ainda há a censurar o comportamento do baterista que na plateia destrui o tripé e o prato de choque sobre o palco não creio que a destruição seja do que for seja política deste festival que advoga a inclusão social e a defesa do meio ambiente; Scúru Fitchadu a partir do funaná têm o talento de associa-lo a outros géneros como o hardcore e se aparentemente esta relação é paradoxal não há vestígios de tal antes criam um universo em que domina um abjecionismo sónico que é desconcertante; Bad Pelicans alimentam-se de duas bandas os Nirvana e os Smahing Pumpkins e esta mistura resulta às primeiras canções porque posteriormente o grunge domina e ainda há a surpresa negativa de uma versão dos Dzert é certo que são eficazes e mantêm uma relação intensa com o público muito por culpa das movimentações esquizofrénicas do guitarrista e estou certo que se por acidente o Kurt Cobain estivesse presente seria fã deste trio; (praia do Cabedelo) sobre os Nooj pouco ou nada há a reparar à sua linguagem pop/rock que executam e por vezes há umas que são mais pop e outras mais rock com letras em português que são meros slogans e deve-se esquecer a que versa sobre o sexo anal; Huggs um trio que versa uma melancolia em que a guitarra semi-distorcida predomina e surpreendem ao evocarem a solidão associada às grandes cidades que nem a internet é capaz de alterar e a voz é a de um narrador que vê uma realidade que o fere por reverter para uma rotina em que impera o vazio; (garagem Auto Peninsular) YGGL é o segundo one man band mas distante da inabilidade do Maxime já que a partir de um muro de guitarras distorcidas pré-gravadas insere uma outra em tempo real e erige um quadro sonoro de uma beleza atroz; Iguana Garcia encerra o capítulo dos one man band e o seu som tem por norma um ritmo festivo que poderia ser usado por um Dj em Ibiza que é prolongado para além do aceitável posteriormente insere uma alteração ora com a voz ou com a guitarra e regressa o ritmo e como tal qual será a nota a dar ao Iguana Garcia uma negativa; The Parkinsons têm a honra de encerrar a quinta edição do festival e fazem-no através de um punk visceral de tão primata mas não é somente de agressividade que se nutrem há a melodia que se estabelece como uma moldura que cumpre o papel de lhes impregnar uma memória e se é quase banal afirmar que são como uma speed bowl que abre brechas no presente cavando um outro tempo em que predomina uma demência que é correspondida por parte do público que segura uma prancha surfada por Alzheimer numa homenagem acidental a todos os que amam as ondas do Cabedelo.

Gliding Barnacles, 28, 29, 30, 31 de Agosto e 1, 2, de Setembro, Praia do Cabedelo e garagem Auto Peninsular, Figueira da Foz.