sábado, 20 de outubro de 2012

Pussy Riot

“Venham cá mais para à frente! Não tenham medo!”. A voz de comando é de Afonso Pinto de tronco nu tatuado. Tem à sua frente uma plateia sequiosa por um tumulto que os liberte da rotina das estações do ano e das ressacas provocadas pelo consumo de polén. O ritmo da bateria martelada por Kalo, transforma “people” em “fat men”, o público transporta com as palmas das mãos Afonso Pinto que percorre a sala do States Club incendiando-a, não canta, e os seus colegas homens bomba: Victor Torpedo, Kalo e Pedro Chau, pouco se importam do paradeiro do cantor de voz de carraça da febre amarela. “Pessoal! Aqui mais perto! Caralho! Venham aqui para à frente! Estamos cá nós para tocar o último álbum!”, ironicamente denominado de “Back to Life”. A guitarra espuma raiva e o baixo e a bateria suportam o embate de um solo explosivo como a reencarnação de Keith Richards. O público rapta Afonso Pinto. E a guitarra de Torpedo revela-se a espalhar um mar de arame farpado onde se crucificam os amantes do pecado original. Um jovem sobe ao palco, e substitui Afonso Pinto mas somente é uma representação animalesca. O cantor/performer é entregue no palco onde pinga o sangue e o suor de: “Human bodies”, o break de Kalo marca o início de uma subida da altura e do ritmo e a progressão obriga a um encurtamento dos acordes de Torpedo, “All cities”, “are boring”. “Ninguém tem colhões para se chegar à frente! Caralho!”. “Rock and Roll”, suportado por um baixo gingão, que a impregna de um ritmo sub-repticiamente neo-funk-punk com a devida resposta da guitarra e da bateria, “big cities”. E Kalo impõe-se através da marcação do bombo e as baquetas sobre os pratos explodem como limalhas a arder, Pedro Chau pontua-a com a mesma elegância e segurança de uma fantástica bipolaridade pop-punk. “Big cities”, “Wall”. “Já toquei em melhores concertos! Pessoal não tem mal nenhum em se divertirem! À minha frente não está ninguém! Venham aqui para à frente caralho! Voçês não têm colhões!”. E impõe-se através do absurdo provocatório: “A minha mão está aqui!”, exibe-a. A profundidade estilística e rapidez com que a quinta canção é executada transmite dois minutos de um precipício punk que é de tal forma encantatório quanto um suicídio assistido pela romântica Coimbra atolada na saudade da despedida. “Boring”, “boring”, “boring”. “Bodies”. Kalo através de bombos grandiosos, propicia um início auspicioso para o sexto tema: “I want to go away”, pausa, “you”, baixo, “face”, “I want to go away”. “One more toy”, “you”, “you”. “Isto é a Queima das Fitas?” A ironia letal: “Queria tanto que isto fosse a Queima das Fitas!!”. A próxima canção é uma artimanha power-punk, em que o ritmo é tão violento quanto os rifs da guitarra. “So sick”. “Away”, finalizada por um solo de Torpedo tão minimal quanto progressivo. Palmas. A estranheza de uma crescente rugosidade funk é a proposta do oitavo tema “baby”, “baby”, surge o 2x2 a equilibrar a equação, palmas, o 2x2 dá lugar a uma frequência rítmica aceleradíssima que a encerra epicamente. A métrica funk-punk é ainda explorada “lies”, “sick of lies”, cuspidas pela boca de Afonso Pinto sendo a verdade é ainda mais perniciosa, “no more lies”. À décima canção surge “she is a punk girl”, “she is a punk girl”, sobre um ritmo tão primário quanto violento, palmas, e a guitarra de Torpedo deflagra na boca da “punk girl” e vem-se abundantemente. Palmas. “Obrigado!”. “Esta é que é punk!”. “1-2-3-4”, o ritmo edifica uma estrutura em que o baixo se revela Rock and Roll, Afonso Pinto fuma, e a sua voz parece abafada pela toxicidade. A progressão é subitamente coberta por uma angustia doentia ou o vácuo provocado pela ansiedade, fonte para suicidas estagiários num escritório de deputados corruptos. Afonso Pinto coloca a mão sob o queixo e medita sobre a voz radiofónica que invade a States, põe o cabo do microfone entre os dentes, enrola-o ao pescoço, puja-o. “Caralho! É a ultima dança! Pró caralho!” . Afonso Pinto atira-se sobre o público e “I`m so lonely now”, Parkinsons esmigalham cada acorde numa contínua vertente niilista, pausa, solo de Torpedo numa perspectiva de continua desconstrução, suportada pela secção rítmica. Afonso nas mãos do público: “I`m so lonely, I´m so happy now.” As palmas ecoam pela sala enquanto os músicos abandonam o palco, quando regressam são recebidos por uma ovação. Baixo= “you are leaving your world”. As tonalidades da primeira canção do encore é a vermelha proporcionada pela guitarra de Torpedo e negra pela ferida aberta pelo baixo/bateria: “You are leaving your dreams”, “Whatever”, “nothing”. Alteram a dinâmica rítmica para as altas pressões, “do”, “caralho!”, a guitarra é subsequentemente perseguida pelos breaks de Kalo. “Outside my brain”; “You leave your dreams”, “Whatever”; “nothing”. “Boa noite Wembley!” A guitarra de Torpedo em contínua distorção em crescendo paralela à batida nos pratos e ao bombo descompassado produzem o nascimento de um aborto: “O (falseto)”; “O (falseto)”; “O (falseto)”; “O (falseto)”. A implosão dá-se sobre um contínuo dois por dois, solo de Torpedo, “you are so poor”, a ironia gritada/cantada em tensão: “Just another new wave”, “just another new wave OOOO”, solo continuo de Torpedo, “just another new wave”.

“Back to Life Tour”, The Parkinsons, 19 de Outubro, Sates @ Coimbra.