sexta-feira, 23 de julho de 2010

Money

Manzanera, Ferry, Mackay, ocupam o palco da esquerda para a direita, nos jardins do Palácio dos Marqueses de Pombal, espaço de uma elegância neo-classica, mergulhado na noite o seu perfil esvai-se. Roxy Music são acompanhados por coristas de vestido curto, bateria, teclados, uma segunda guitarra, há uma pianista de fato prateado, rabo-de-cavalo, que se remexe como se fosse uma serpente egípcia. As primeiras músicas do alinhamento, prevalece uma progressão constante com o saxofone a solar e a sobrepor-se ao todo, “While my Heart is still Beating” tem esse código genético. Bryan Ferry desloca-se para a direita do palco a bater palmas, repete o gesto na esquerda, é sinal que o líder dos Roxy Music quer-se divertir, apesar do frio de Verão. “More Than This” é sensual, e a sua lírica é uma suave simulação, recebida por parte do público de forma entusiasta. Mas as canções seguintes conduzem a multidão a um adormecimento ilusório, “Ladytron”, ou, “A song for Europe”; “but yesterday”; “these cities may change”, a voz por vezes não se faz ouvir. Estas duas canções, têm o sangue envenenado, surgem como se fossem banais e gradualmente transformam-se numa trip digna dos anos setenta, o ácido repercute-se pelas nossas almas. É o estabelecer de um psicadelismo neo-kitsh, que podem ser ouvidas num Casino, onde uns tipos vestem fato com camisa de seda, compradas em Oxford Street numa tarde de Verão, abafada, acompanhados, pelas namoradas, como a Jerry Hall. “My only sorrow”: “yeasterdaAY”; “jamais”. “There is no time for us!”, é contra o tempo, que o separa de manter o sentimento que o prendeu no instante em que o alvejou. O saxofone entrega a sua cor de elemento aglutinador, a partir do qual tudo se transforma num hino psico-progressista, dedicatória à Europa: “Song for Europe.” Bryan Ferry senta-se ao piano e ouvimo-lo a dedilhar, “only my”, “my only love”; “my oonly Love”, o solo da guitarra é executado por um jovem de cabelo louro, que nunca olha os portugueses de frente, numa timidez perturbante. “More than words can`t save us”; “there`s a river”; “only love” repete o coro de quatro mulheres, que raramente se faz ouvir. “Jealous Guy” é sublime, acrescenta ao original a voz ondulante de quem está a cantar para uma multidão de mulheres e não exclusivamente para a Yoko Ono. “I was dreaming about the past”; “I began to loose control”; “I didn´t mean to hurt you, I `m just a jealous guy”. “I Didn`t mean to hurt you, I sorry”; “I`m just jealous guy” o saxofone enrola-se na melodia, tão insuportavelmente kitsh quanto bela? Sim. A ponta final da canção é assobiada por Bryan Ferry como se fosse um pavão a passear por este jardim, com as asas a irradiar fantasia. "Thank you Lisboa!”. “Virginia Plain”, é honky tonk. “”Love is the Drug”, é uma droga com duplo sentido, “OOO”, “can you see?” “love is the drug for ME!”, snifamos cada nota como se fosse o último risco vertido sobre a mesa de tampo com vidro. “OOO”, “love is the drug, that I´m thinking of!”, “love is the drug”, “LOVE THE DRUG FOR ME”; “OOOO”, soul-pop. Quando os acordes de “Let´s stick Together”, soam, num ritmo onde se assegura uma country-psico-killer, inapropriada para show girls, perversa, suprema, “common, common, let´s stick together”, o sax despe as portuguesas, com o seu ritmo penetrante. Bryan dança, como Elvis, as ancas, os pés, o riso, o seu rosto de revista de negócios artísticos, fato escuro, com uma calça justa, e camisa branca. Quando se ouve a sua harmónica, a canção ganha um fraseado metálico, “common”, a ironia atinge o topo da sua realização numa obra de arte.

Oeiras Sounds, Roxy Music, 22 de Julho @ Jardins do Palácio dos Marqueses de Pombal.

terça-feira, 20 de julho de 2010

The Unabomber Weekend

À entrada do recinto do Festival Super Bock, Super Rock no Meco, sou impedido de entrar com canetas, que um policia descobre na minha mochila, ele alega que são como armas brancas. Percorro o recinto à procura do Multibanco, deparo-me com o palco EDP, estão a tocar os Godmen, um power-trio com um vocalista expedito, e uma secção rítmica segura, são a primeira e única surpresa sónica portuguesa. Estão trinta cinco graus, e sempre que dou um passo levanto pó, que me entra pelas narinas que são limpas pela Super Bock, a dois euros o copo. Jamie Lidell, está no palco principal, é rodeado por músicos de uma destreza eléctica, o Jamie é branco mas a sua voz é negra, assim como o funk que produzem, com um beat boy genial. Jamie é de uma simpatia extrema, e faz uso da sua ironia: “I feel Good! Do you feel Good?” St. Vincent, é um trio de uma pobreza geral, liderado por uma voz inexpressiva. Já Mayer Hawthorne & The County, são o oposto do Jamie Lidell, americano branco a ser um monge copista de escrita soul, o Jamie seria o mais indicado para abrir para sua Majestade Prince. Encontro, ocasionalmente rostos conhecidos, um dueto como os Beach House, em palco têm um baterista, falam devagar para a multidão os compreender, a cantora dedilha o teclado alinhada com os seus colegas, mas se ela estivesse na linha da frente, as canções seriam muito melhores. A noite, há pouco se estabeleceu como denominador comum, escurece os pinheiros e os corpos perdem os rostos. Cut Copy são um agrupamento soft-pop-electronico, eficazes e muito cantaroláveis. Uma mulher, dá-me um beijo, ela mete a mão sobre a objectiva da minha máquina fotográfica, “eu estava a brincar”, ri. Keane, tão básico quanto elementar, ouvem-se os hits da rádio e tudo o resto é vazio, por muito que se empenhem em lutar contra a mediocridade, é-lhes impossível. Pandemonium é o nome da tournée dos Pet Shop Boys, uma dupla acompanhada por cinco bailarinos com diversos figurinos, como por exemplo: rectângulos que encaixam na totalidade sobre a cabeça, reproduzindo uma movimentação robotizada. Neil Tenant e Chris Lowe, transformam o recinto numa disco em Ibiza com modelos a oferecer Cristal à beira de uma piscina turqueza. “Go West” derruba o muro que se encontra atrás da dupla, é o hino gay do século XX, assim como, “New York City Boy”, uma coisa é certa: “Always in my mind” é uma travessia tecno-pop. A relação imagem som é interactiva, com o Chris Lowe a emitir toda a base sonora do seu teclado. “Suburbia”, “What have I done to deserve this?”, são recordações emitidas numa alegria contagiante. O Brasil diz-nos: “Se a vida é”, com o ritmo das escolas de carnaval brasileiras com mulheres bronzeadas a dançar despidas pelo Sambodromo. Para cantar “Viva la Vida”, dos Coldplay, Neal tem na cabeça uma coroa, enquanto no ecrã passeia com um guarda-chuva pelos parques londrinos. “Being Boring” é tocado com uma sobriedade notória, “creo que voy a chorar”, emocionada, beijo-a.

Escondo, antes de entrar no recinto, a caneta na sapatilha, revistam-me a mochila descobrem uns comprimidos, refiro que são inofensivos, mas não me livro do véu da desconfiança, posso matar-me? Tiago Bettencourt é de uma boçalidade arrepiante, pauta cada nota com uma palavra, como se tivesse horror do vazio, avisa: “Amanhã também estou desse lado para ver Prince.” O Julian Casablancas entra em palco no lusco-fusco, nervoso, vestido de Thriller, com sapatilhas brancas e uma t-shirt de cavas de uma equipa de basquetebol americana. A sua voz é constantemente sequenciada e colocada numa frequência inferior aos restantes músicos, que se dividem entre o rock e a tecnologia, o resultado é uma massa sonora sem qualquer pigmentação. Dou-lhe a minha mão e recebo um copo de cerveja, tem o corpo efervescente, tão quente que se derrete na minha boca e as línguas enrolam-se formando um nó cego. Hot Chip, são uma companhia de músicos que se dividem entre a electrónica e as guitarras, uma mistura perfeita de Happy Mondays com New Order, incendeiam a sala principal do Super Rock, a nuvem de areia sobe para ser inspirada por nós. Encontro uma loura esculpida em raios solares, sigo-a, e dou-me conta que estou no palco EDP a ouvir a Rita Redshoes, a chamar uma ex-estrela do folclore, que desempenha as funções de roadie: “Jorge Buco apanha a palheta”, o ex-Sitiados entra em palco e recolhe o utensílio que se encontra nos pés da Redshoes. É este pormenor que faz um artista em alguém mesquinho e medíocre, que ignora o ridículo do seu acto, e faz jus a um poder exibicionista. Vampire Weekend tocam perfeitamente cada uma das canções, uma tem dois minutos e durante esse tempo vamos estar todos conectados, é o desejo de Ezra Koenig, as músicas mais interessantes são as que constam do último “Contra”, se no futuro se decidirem entrar no território dos Talking Heads, os Vampire serão eternos.

A temperatura ambiente está ao rubro, a sombra pesa como se fosse um outro corpo, e o pó é um companheiro fiel, cada passo uma snifadela. Jorge Palma apresenta-se com o seu Gang: Kalu, Alexandre Cortez, Flack, Zé Pedro, que revisitam os clássicos do bardo português distorcidamente e com ritmo mais acelerado. Palma arrasta as palavras, como se estivesse a lê-las naquele instante, mas começa sempre adiantado e acaba cada verso atrasado. A cerveja é bebida como se fosse o único elemento que mata a fome, o espaço é composto por um conjunto não estipulado de stands que vendem, ou, oferecem viagens e preservativos, ou, bilhetes pela Santa Casa da Misericórdia para o Festival Sudoeste. Enquanto a escuridão vai ganhando à luz, a lua discretamente ensimesma-se, os Stereophonics apresentam o seu rock incaracterístico, nos discos é mais comercial, live é rude. Nada a declarar sobre os Spoon, apenas que estão colocados no alinhamento erradamente, após a banda de Kelly Jones. “Hight Violet”, é o novo álbum dos National, que mais os representa mas em simultâneo os separa, é uma encruzilhada, que apenas fortalece a perspectiva: The National, gostam de viver na vertigem de se colocarem constantemente em questão. Mas Matt Beringer não se encontra motivado para cantar os seus devaneios existências, não descobre inimigos no público, nem se consegue revoltar contra si mesmo, os seus companheiros seguem imperturbáveis, mas também não se excedem para além do que está pré-estabelecido. Colocam em palco os instrumentos do séquito de Prince, que surge e exibe o seu rosto imberbe, vestido de branco, sem salto alto. A histeria apodera-se do público, que delira com a presença do mais distinto representante de Litle Richards e James Brown, funk, “1999” é acelerado como se estivéssemos atrasados para a passagem de ano em Mineapolis, estabelece-se uma ligação de loucura entre Prince e os portugueses. “Little Red Corvete”, é um gingar funk viciante, o condutor é dono e senhor do nosso corpo. “I love you Portugal!”, “let´s go!”, resposta: “Yeah”. “Nothing Compares to U”, é uma balada púrpura, com Prince a dividir a canção com uma cantora vestida de verde, gorda, careca, as vozes dos portugueses percorrem o refrão cor-de-rosa: “COS NOTHING COMPARES TO U.” “Cream” é apresentado com o beat a suar lascívia, Prince pertence ao universo dos que devoram solos, ou, se enlouquece com a entrega de pó por parte do público quando, “U Got The Look” é arrasado com tufões de energia rítmica e com os acordes a saírem pungentemente da guitarra do génio, lado a lado com o pirómano Jimy Hendrix. “What´s my name?“, resposta: “PRINCE” berram os pulmões extasiados, estamos perante um mito. “My name is Prince and I ´m your Dj tonight.” “It´s time time to get funcky”, a extensão de delírio que projecta sobre o Meco é incomensurável. Pausa. Prince veste calça preta e casaco amarelo-torrado, mune-se da guitarra. Chama o “irmão” de “Ana Moura”, ele toca piano ela é a fadista preferida dos Rolling Stones, Prince dedilha a guitarra eléctrica, como se fosse uma guitarra portuguesa psicadélica ondulante, Prince personifica a nossa natureza. “Oh POTUGAL! OH PORTUGAL”, e desfere um “kiss” de delírio absoluto desafiando a loucura que pode prevalecer entre a perfeição e a perfeição. “COS I ONLY WANT YOUR EXTRA TIME OF YOUR KISS”, ooooyh yeah! “Do you love ME?”, “I LOVE YOU PORTUGAL!”, “DO YOU LOVE GOD?” YEAH! As músicas são partilhadas em regime de soundsystem, com TODOS os instrumentos, seja harmónica, ou, a bateria a seguirem milimetricamente a dança de Prince, a gritar: “TURN ON THE LIGHTS”, é olhos nos olhos que se transmite “love”, “Do you love me!”. Atira-se ao chão numa farsa ensaiada, entram os roadies e os músicos não param de tocar, é o êxtase, a afirmação de que Prince é a encarnação de uma alucinação extravagante, Prince desmaia perante a massa que lhe responde com laivos de incontornável demência. O símbolo, nasceu antes do mito? Prince.

Festival Super Bock, Super Rock, 17, 18, 19 de Julho @ Meco.