sábado, 24 de fevereiro de 2018

Manual de Prestidigitação

Um autógrafo numa linha esquizofrénica joga um odor de bebé e na retaguarda um flick flack de um cão que diz “sim” “sim” aos que o seguem numa deformidade de vassalagem para com os doutores & engenheiros construtores de uma massa disforme que se confunde com o medo e a prenda é um céu lapislazzuli longitudinalmente a se expandir ciclicamente perante as tempestades num aquário com peixinhos sufocados numa tensão auto-erótica a cirandar as Cíclades que cerceiam Delos o belo se fosses eu és um ateu atado a Deus que ama o verso branco e as palavras negras que se multiplicam num dicionário com erros ortográficos incompreendidos por leitores de morse que tacteiam o vazio à procura de uma cómoda ou de um baú para esconder as quadras perfuradas por agulhas esqueléticas que se fazem às passerelles a envergar cabides de roupa com $ no umbigo botão em desuso em caso de emergência perante a iminência do período transpor os diques felpudos e depilados por brasas que sofrem a fortuna numa terra inóspita com uma filosofia estranha que quando se entranha é para sempre numa versão com diversas prisioneiras a debitarem o preço da maminha e da mamada do outro lado se existe há vozes comprometidas com as suas conjugues a adornar a lareira com hastes de veados que de sorrisos com dentaduras postiças sorriem de olhos congelados perpassados por uma carreira de formigas que se desfazem antes de encontrar o húmus de Arraiolos; Six Organs of Admittance corresponde a Ben Chasny que dedilha uma guitarra acústica que se divide por ritmos maioritariamente lentos que se repercutem em melodias intimistas e que ganham um teor de grandiloquência melancólica quando entrelaça a sua voz com uma parceira que numa canção toca guitarra eléctrica introduzindo uma angustia contida mas quando esta abandona o palco há um aprofundar de uma solidão que se revê em amores desfeitos depois de terem sido cuidadosamente regados com paixão ou quando narra o percurso de um outsider que recusa sucessivamente enquadrar-se na sociedade americana e esta cultura é inerente à origem do cantor mas acima de tudo é o espelho de um desencanto desmedido com os Estados Unidos que se dizem donos da liberdade; cruzada esdrúxula de tão redundante numa combinação pictórica de fusíveis a estalar em fragmentos místicos que se suspendem num intervalo em que Cronos corre lentamente à procura de um outro abrigo sobre uma falecida tridente que abocanha as mãos de um pianista que toca Debussy e é degustado pelo Mário Cesariny que entoa a melodia e derrama um poema intitulado “Tocata” e da telefonia oiço-o a declamar baixinho eventualmente tímido perante a sua genialidade maior do que a do Fernando Pessoa inclusive dos seus duplos com mapas astrais de donas de casa versadas em novelas de cordel fruto de uma sexualidade reprimida que nem Ofélia destravou e que emoldurou em cartas de amor no fundo de um caixão com pedra lapidada “Fernando Pessoa. Encarnou diversas personalidades— heterónimos —como Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos” que o acompanham para além da Taprobana para onde parte a saudade e regressa a saudade e perde-se na memória de homens e mulheres que promiscuamente choram por um desejado que indesejadamente se apropria das suas almas que se repetem num ostracismo que as castra e as prende à liberdade da não existência e os sossega numa miríade de instantes em que desvelam horizontes imaginários onde o sol se vem torridamente todos num ano possivelmente para se espelhar em Úrsula maior e MENOR pretexto para se incrementar um abjecionismo kitsch pendurado em cordéis ou em cabelos espigados que se misturam na minha língua ibérica uma dualidade composta por Cervantes e por Camões mas que é serva do Rui Reininho.

Six Organs of Admittance, 22 de Fevereiro, Salão Brazil.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Orpheu

Numa anthologia não descodifica o epigrama de poesia sepulcral na folha petrificada e voga sobre falos bagos de pérolas feridas de uma sombra viva que se intromete num orifício demagogo e se expulsa num esguicho sobre um monte bicéfalo hidrocéfalo dissecado com a máscara da paz içada num nariz que inspira a vertigem ilegal e se inverte no espelho de pregos e parafusos enferrujados que pingam sobre os ombros de uma corcunda saltitante reveste de um ritmo fúnebre o transvio do sossego que transcorre as rotundas movediças que jogam motores a carburar a saudade à deriva numa colónia de macacos com medo de que o ditador lhes azedume o açúcar em triângulo com os catetos opostos à hipotenusa que crescem num fluxo desmedidamente imperfeito num vácuo de fumo preso a um grito branco num irromper de uma tragédia redigida em cascata de fancaria para o mar doce amargo de sargaço que ondula lentamente num baloiço fresco entediante de rosas com glóbulos brancos e vermelhos sobre uma cama de dossel proxeneta onde velam a arder de paixão pelo ódio quanto mais melhor se for num dia um beijo adeus que se confunde com a partida de uma carcaça para um outro foro onde se destaca o negrume e irradiam heterónimos proscritos por defuntos anónimos que se envolvem em pessoas em pessoa e em si ser viúvo de si La Ti Do dá dó oooh ooh; um dos responsáveis pelo Salão Brazil sobe ao palco e anuncia que Fred Frith tem como “única data” a que se está a iniciar e o músico esta a se deslocar timidamente para uma cadeira e segura uma guitarra eléctrica que é manipulada segundo o critério rítmico sobre as cordas e nestas coloca duas circunferências em metal que manuseia que se sonoriza numa tempestade e com um arco dissipa-se no interior de algo este principio é revelador que Fred Frith apresenta uma suite que versa sobre diversas estruturas que quando são compostas de seguida encontram o seu oposto ou algo similar que posteriormente se transformam numa antropomorfia que se insurge contra os pressupostos dominados pela razão que tem como objectivo dinamitar e os géneros musicais emoldurados na vanguarda europeia de década de setenta são meras citações do rock da pop do jazz do flamenco da música clássica e da música celta (entre outros) que são revistas num critério ora de ostensiva perversidade; pintura que berra um besouro indiano milita no sossego da hipnose de férias numa coutada de javalis perseguidos por focos assassinos repatriados de universidades de pobreza onde o currículo disciplinar inclui no último ponto o seu consumo obrigatório que analisado com atenção é uma nuvem de ossos a entaipar o Sol e o Do L.A SIDA; ora de uma ironia dilacerante em que o narrador constrói uma ficção em que as partes se encaixam paradoxalmente evidenciando dessa forma o absurdo um reflexo que absorve os sons e os recria numa sucessão de acasos incidentais que eliminam a rotina dos ruídos e silêncios utópicos e este aparentemente se instala e algo se ouve a se movimentar na cozinha um remate de som concreto de um compositor naive e surge na esquerda uma jovem com um bolo de aniversário e a plateia que se encontrava em pé a aplaudir canta os parabéns a Fred Firth…; injectada em freiras serenas que minguam a cauda e as escamas escamadas misturam-se no salitre da pomada para as rugas velhas sedentárias castradas numa procissão em um nome provavelmente Orpheu ou desejadamente uma virose de substrato de bacalhau em sopas de sangue humano retinto que ferve o estômago numa gravidez imaginaria e a luz frígida invade uma intermitência e se dilui no espaço rectangular de cérebro condicionado aos pressupostos de uma máquina de choque que choca a ovulação de parteiras de gravata e batina que os servem aos viajantes embriagados pela paternidade de um mostruário de feiticeiros com armas de água a atirar indiscriminadamente sobre os rebeldes obreiros de um porto com ameias onde um triste titan resiste às vagas numa preguiça incontinente nos ombros perpétuas marcas defecadas por filhas do mar uma abstracção pontilhista de um pierro alfacinha a dançar num círculo circense perante crianças e alguns adúlteros que batem palmas displicentemente e o elefante levanta uma vassoura e sob um saxofone de varas ébrio jaz nesta pedra tumular James Dunn.

Fred Frith, 17 de Fevereiro, Salão Brazil.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Contribución al conocimiento de las psicosis tóxicas. Experimentos y descubrimientos del poeta Henri Michaux

Não quero que as suas mãos de lagarta toquem o sino nem que se aproxime do retábulo testemunha de Jeová ou reze para que seja feliz e se tivesse ouvido as badaladas do badalo em ouro que pende do seu pescoço teria-me escondido sob o colchão de palha e apesar de Julho tenho calafrios só de pensar que me irá beijar e agradecer o estarmos juntos na pobreza dos sentimentos que ainda julgava que eram os mesmos de quando a conheci sob a sombra intermitente de um castanheiro a salpicar a sua pele dando-lhe uma heterogenia padronizada e movimentava o braço e colocava a boquilha da cigarreira na boca e expirava languidamente sobre”Y” de quem estava a deliberar sobre o seu futuro e serei ”$” mesmo que “Y” não queira e bebia angustiado o chá verde e com o leque apontava para a ervanária e sorria perante o medo que me envenenava num processo em que o seu tamanho se multiplicava sem jamais plasmar o tamanho original e gargalhava displicentemente uma louca que desdenhava os que lutaram pela vida numa teia de aranha ou se atropelaram por uma côdea de pão e foram projectados raios dos olhos em prisma sobre os “YY” e a sua energia malévola anulava o “Y” para passar a ser “&”; o palco do Salão Brazil é conquistado pelos Moon Duo um trio dividido pela guitarra eléctrica uma bateria e teclados e a visita versa um psicadelismo que é transversal à todas as canções algumas das quais ultrapassam os dez minutos de trip um vector que é continuamente modelado num exercício em que domina a repetição e a sua constante intercalação em diversos fluxos como o rock e o prog e a pop de teor abstracto e estas sublimam-se em diversas e efusivas cores projectadas sobre um monotónico da bateria que é monocromático e corresponde a um fundo agressivo dada a sua proximidade a um ritmo robótico que remete para os tribais das tribos de África onde se ritualiza a alma há ainda a destacar a guitarra eléctrica que é de uma sobriedade desarmante e as vozes que são meros elementos decorativos para nos lembrar de que um dia fomos humanos; pedia-a em casamento e num silêncio remoto abanava a cabeça e sustinha uma pedra e colocava-a ao nível do seu rosto e imiscuía-se no seu interior a adocicar o ego que não lhe batia no peito e induzia um bem-estar excessivo e perante o sepulcro a angustia e salivava na esperança que estava predisposta a aceitar-me mas mirava enigmaticamente em seu redor como se “&” não existisse para além deste corpo com múltiplas articulações que estalavam ao passear junto ao rio onde os cisnes boiavam e abria lentamente a sombrinha e segurava-lhe a cauda para que não roçasse na terra seca e murmurava que era a soberana mais querida do seu reino que comandava com gestos desordenados e se ouvia um silvo distante falseava a morte do apóstolo e nos juncos ignorava os veraneantes de papo inchado e cheirava as árvores de fruto onde se pudesse saciar e se fingia o orgasmo era porque se sentia receosa de que fosse o seu infiel escravo e tentava contrariar esta predisposição se talvez chorasse perceberia que estava determinado a ama-la mesmo que isso custasse o emprego na fábrica de merda com distribuição no continente e ilhéus e capturaria as sombras invernosas mas milagrosamente não parava para tropeçar na declaração de “&”.

Moon Duo, 10 de Fevereiro, Salão Brazil, Coimbra.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Ideograms in China

Nuns olhos opacos navegam cinzas que escorrem sobre a terra vulcânica seguindo um rumo desordenado imposto pela ventania que se erguem para um ponto negro que se dilata e se contrai sucessivamente num compasso que desenha uma circunferência onde estão delimitados os desejos infames e desfaz-se um pano de cozinha em migalhas que constituem um país de esfomeados que se regem pelo cálculo e pela espada de sete cabeças que projecta fogo sobre os infiéis que oram em vão e num vão de escada dormita um caloiro que sonha em matar o seu pai e a sua mãe e a irmã e envenenar a cadela com o período que lhe assedia a memória e lhe dá vulnerabilidade e o enfraquece e ensaia duas voltas no caixão como se estivesse à espera de uma mão que o resgate da digressão; o festival Clap Your Hands And Say F3st! convida para esta noite gélida os Obaa Sima e os Ermo e os de Leiria são uma dupla que se apropria de um teclado e de uma mesa de mistura e estabelecem um jogo sónico em que domina a antítese-- como se estivesse a decorrer um diálogo entre duas pessoas com perspectivas diversas e diferentes sobre inúmeros temas-- mas há um ponto em que as máquinas se interseccionam e é aqui que há uma irradiação de algo tão imperceptível quanto belo advindas de texturas de sons concretos ou da sobreposição de ritmos e até compressores e outros artifícios que oferecem â música electrónica uma qualidade invejável e ainda há a salientar que há a pretensão em citar a vanguarda em que está envolvido por exemplo o Ryuichi Sakamoto entre outros génios; que se desloca das altas para as baixas pressões e se dilui num intervalo eterno e no seu decorrer imiscui-se uma plêiade de figuras que de noite correm por entre árvores radioactivas que as contaminam com um bem-estar desmedido e os obriga a acelerar o ritmo e se empurram para lá das linhas que delimitam a felicidade numa satisfação aguda que estoira numa miríade de cores artificiais e se solidificam em estruturas de metal amputadas dos seus membros superiores e inferiores que sitiam estrelas espelhadas em charcos pérfidos que exalam uma podridão de vala comum que provoca o vómito a viúvas divorciadas do recanto da vida que dia após dia se consome numa rotina em que se multiplicam em noites soturnas que impõem a cegueira a um sonâmbulo siamês que deita papéis para o chão e mija para a esquina do seu calabouço comprado com um empréstimo feito pelo Diabo; os Ermo são uma dupla de mascarados ao redor de dois teclados e as canções indubitavelmente são acompanhadas por strobs que impedem que a fotografia resulte e a viagem que encetam passa maioritariamente pelo dub (entre outros subgéneros) e pela pop acrescida pelas vozes cantadas em real time e se as estruturas estão devidamente identificadas ainda lhes acrescentam improvisos que nem sempre se coadunam e nessa medida são redundantes e quando aprofundam a pop esta é transcrita segundo parâmetros em que domina uma perniciosa kitsch; e do outro lado voltam-se devagar esferas de peluche reflexo de uma entidade inócua oferecida a um espectáculo em que se põe de gatas como uma gata remelenta que seduz indiscriminadamente quem se recusa a lhe matar a fome promíscua que lhe corrói o espírito numa paranóia de cólera sadomasoquista e a sofreguidão da sua máscara é um torpor assassinado por um óbito e um martelo martela o vento e expele faíscas num fogo de artificio que vibra fantasmagoricamente como um tremelin que se dissipa na tempestade divina de camaleões a copularem em Março maduro Maio e o milagre é um espelho a derreter-se em lágrimas de mercúrio que borbulham num rosto de um adolescente que as espreme para o telemóvel e se ensurdece com música tão acéfala quanto os seus pais.

Clap Your Hands And Say F3st! (Ermo+ Obaa Sima), 9 de Fevereiro, Teatro Miguel Franco, Leiria.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Misérable miracle

Há uma beleza rebelde no ar que plana como uma pomba branca que pinga sangue sobre os vidros de carros estacionados em redor de árvores vadias e ouve-se o grasnar de uma cegonha grávida de nove meses que procura um poste de alta tensão para ter o filho e num beco aglomeram-se seringas de botox que são pontapeadas por cavalos que defecam para deixar um rastro de dever cumprido e uma bandeira azul com ossos cruzados numa caveira é içada por uma delicia do mar e simultaneamente o hino nacional irrompe de bocas disléxicas que trocam os “vs” pelos “bs” e omitem os “rs” num nexo causal que prima pelo desafino e algures há um cruzamento de informação de cabeça para cabeça num “bip” bipolar descoordenado num dia noite no outro dia menos um para a eternidade e talvez num quarteirão se passeiam ratos de esgoto como prostitutas à procura do céu tingido pela esperança de que as estrelas brilhem por elas e no cimo de uma vertigem agreste surgem espectros que se dissociam da realidade numa sobreposição intermitente como os versos intercalados de um soneto assinado por um antónimo e o “ZZZ” de um eclipse num vitral cerceia a córnea e a fere numa mancha negra de soldadura que une nus artísticos filmados por uma câmara de vídeo amador que uiva de prazer e transmite para a fita magnética que se enrola num círculo negro a acção censurada por um “X” de um canal de TV generalista; encontro-me em Coimbra no Teatrão a propósito da estreia em Portugal dos Soft Grid um trio que opera através da voz (de duas das cantoras) de dois teclados e do baixo e a guitarra eléctrica um violino e uma bateria e as seis canções que na sua maioria ultrapassam os sete minutos são dominadas por estruturas que partem de um principio synth ou rock que com o decorrer do tempo se transmutam em algo mais complexo pois intercalam as diferentes partes promovendo a divagação ao ouvinte que tem o papel de construi-las segundo as suas capacidades cognitivas e é isto que torna o concerto em algo tão precioso quanto fundamental porém há que sublinhar a ausência de mais efectivos na plateia que devem ter ficado em casa à volta de uma fogueira de ócio; depois de antes e subsequentemente limitam-se as linhas de um jogo em que perdura a sobriedade e a vitória é para os perdedores que licitam epopeias com a convicção suprema de que representam o seu imaginário numa fuga calculada ao lugar-comum que aborrece o espírito e o torna tão miserável quanto invertido numa prática típica de um colectivo suicida registado num sindicato com um símbolo excêntrico e de uma bola de espelhos são reflectidas as cores de um very light que indefinidamente decoram a caverna de um físico a experimentar cálculos durante o Verão e nos intervalos abastem-se em comparecer à parada dos seus contemporâneos que se regem por leis que dinamitam a Terra e num semáforo está um esqueleto a acenar adeus a quem passa sob a chuva e lhe respondem efusivamente uma primeira e última vez uma e outra vez e no topo de um prédio há um foco de um tronco em auto-combustão que incendeia o quarto crescente da lua de papel do candeeiro do tecto com fronteiras em estuque e num parque infantil elimina-se a solidão pois um cão de crómio cheira o pó como se fosse cocaína e se afasta rapidamente a fungar como um fugitivo e insurge-se um tempo que se encontra suspenso e que congela ilustres em metal corroídos pelas chuvas ácidas e acrescento que num estábulo há uma luta de galos que se rebelam contra o poder da abelha rainha à qual o carteiro entrega uma carta com remetente anónimo.

Soft Grid, 6 de Fevereiro, Teatrão, Coimbra.