domingo, 18 de maio de 2008

Un Chien Andalou

A bateria e o baixo estão ensaiados para se equipararem a gémeos a lutar pela luz, e ter “Brainy”, com o pormenor do violino, e o guitarrista da direita a executar o solo na boca de cena do palco da Aula Magna, um anfiteatro ditatorial.“I think this place is full of spies, I think I'm ruined, Didn't anybody, didn't anybody tell you, Didn't anybody tell you, this river's full of lost sharks, I know you put in the hours to keep me in sunglasses, I know” and “I had a secret meeting in the basement of my brain, It went the dull and wicked ordinary way”, com o coro dos guitarristas congénitos, a arderem a canção com gritos, Matt Berninger aproxima-se do público, a suplicar à mesma mulher, ao espelho quando a gilette limpa o rosto da espuma de barbear, corta-se. A perdição é eterna em “surprise, surprise they wouldn’t wannna watch, another uninnocent elegant fall into the unmagnificent lives of adults”, com a voz introvertida no microfone nervoso, numa harmonia desconcertante, Matt Berninger mexe os braços e marca o ritmo com murros sobre a mão esquerda, auto-punitivamente, ao reviver o que se passou numa noite de Primavera, os acordes são dementes o ritmo complexo de tesão equivalente. “I'm so sorry for everything, Baby, come over, I need entertaining, I had a stilted, pretending day”, remete para a ondulação cortejada pelo mar, “freak out” , “all we have to do is”; “I'm so sorry for everything, I'm so sorry for everything, I'm so sorry for everything” ; “I pull off your jeans, and you spill jack and coke in my collar, I melt, like a witch and scream, I'm so sorry for everything” a poética que sintetiza a existência do amor, o violino de Padma Newsome sobre a muralha sonora delicada tecida por dois pares de gémeos e um outsider. “We are very happy of being in Portugal. Tree times these year.” E finaliza: “We feel like we are not been judged, do you now?”, Matt Berninger, apresenta The National, a transpirar, concentra-se na sua decadência que é aplaudida efusivamente. “Slow Show”, a introdução é fresca e suaviza-se com o decorrer da narrativa, ganha densidade infectada pelo pulsar do orgão, infinitamente, "twenty nine years”, melancólico. O ritmo marcial de “Squalor Victoria, squalor Victoria”, suplanta na sua visualização fílmica, caída, desmaiada, num espasmo cinético, cresce e deixa-se levar pelos acordes do piano e o rasgar do violino a contrapor com a voz grave. “Abel” rouca e submissa e as palmas e os murros no ar, as palmas ao ritmo de maracas, com o gémeo da guitarra esquerdina ao piano, a perturbação do psicadélico obsessivo, retro, distorcido. Berninger violenta a boca de cena desloca-se para a esquerda, a cantar, gritar e a remexer as veias, a eriçar a pele do microfone numa convulsão. “Your mind is racing like a pro, now, Oh my god it doesn’t mean a lot to you, One time you were a glowing young ruffian, Oh my god, it was a million years ago”, com arranjo sustenido da pandeireta, a incutir um ritmo delicado, num ricochete de perturbação. O cantor bebe de uma garrafa de vinho compulsivamente: “I fell like Collin Powelll”; “If you were Collin Powell I would kick your ass!”. “Ada” melodia sincopada que se submete a uma equação delineada por um colectivo embriagador, “Stand inside an empty tuxedo with grapes in my mouth waiting for Ada”, etérea “Ada”, por vezes “Ada” é insubmissa. "Apartament Story" a banda sonora do Chelsea Hotel, “alright”, com as guitarras a deflagarem sobre a melodia, a voz “la, la” ah, mimeticamente, e a secção rítmica a precisar o tempo médio do nascimento de um carácter uno, a invasão do presente. A sequência de “Fake Empire”: “Tiptoe through our shiny city with our diamond slippers on, Do our gay ballet on ice, bluebirds on our shoulders, we’re half-awake in a fake empire, we’re half-awake in a fake empire” e “Star a War” numa lógica de terrorismo poético, as peças que faltavam à nossa civilização para ceder à evidencia da perfeição. A última é um sortilégio de profusão contida, “star a war”, em qualquer canto da sala, do nosso organismo. “Mr. November”, irrompe da mesma casta dos Joy Division, o sangue é infecto-contagioso, “Mr. November! I won't fuck us over, I'm Mr. November! I'm Mr. November, I won't fuck us over!”, gritado em vertigem sobre os cadeirais da Aula Magna, Matt raspa com os lábios no microfone, segura-o, grita, canta, esperneia, eleva-se acima da gravidade.

“Boxer”, The National, Aula de Magna (Lisboa), 11 de Maio.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Uma Revolução Imagética

O ponto de partida para esta exposição colectiva, que tem como suporte a pintura, assemblage, instalação, filmes, é a distorção da realidade de uma forma consciente: “Revolução Cinética”. Reunidas por Emmanuel Guigón, director do Musée dês Beaux-Arts et Archéologique de Besançon, no Museu do Chiado. O conceito desta exposição alicerça numa ilusão: o artista cria objectos com mecanismos que redireccionam a luz que incide sobre as cores, recorrendo a espelhos, alterando e proporcionando movimento às mesmas. O nosso olho é incapaz de descodificar o que é real da fantasia, cinético. Nas salas onde a luz é “clara” as partículas movem-se diluídas no colorido, tela com quadrados que se “mexem” gradualmente provocando o efeito de ilusão, uma sala com néons policromáticos pintam o compartimento branco. O objectivo é transportar o espectador para a ilusão inconscientemente, assim, não sofre qualquer resistência aos jogos de luzes. O cinetismo perturba na sua beleza esquemática, do familiar para o improvável, do real para a fantasia, o brinquedo que é uma alegoria do infinito. “Revolução Cinética” faz um resumo do movimento cinético que surgiu na Europa entre 1955/75 e que incluiu os nomes de Marcel Duchamp e Francisco Sobrino, Joël Stein, Gregorio Vardanega, Victor Vasarely e Jean-Pierre Yvaral, entre outros. Duchamp apresenta um filme de sete minutos, nonsense visual, a preto e branco. Esta obra encontra-se numa sala escura onde nos é proporcionado usufruir com mais nitidez dos mecanismos da fantasia. O paradoxo e o desconcerto predominam, como se as artes plásticas procurassem ocupar de forma irónica o espaço criado pelo cinema, desconstruindo a sua estrutura, anulando o carácter narrativo e ater-se somente às cores e ao seu reflexo quando lhes é incutido o movimento. A visão perturba-se e seduz-se, ao ser retirada da rotina diária, onde prevalece a lógica como normativa dominante. Nota negativa para os vigilantes que parecem turistas desorientados, e o porteiro que prima pela antipatia monocórdica, para além de não existir outra forma de pagar a entrada ou comprar o catálogo senão com dinheiro.

"Revolução Cinética" Museu Nacional de Arte Contemporânea, Museu do Chiado (Lisboa), 11 de Maio, patente de 14 de Março a 16 de Junho.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Joel-Peter Witkin

Abre-se uma porta do lado esquerdo do palco e entra a sombra do Nosferatu, flutua e senta-se num piano de cauda e teclado preto. Quando coloca as suas unhas sobre o instrumento, um arrepio percorre-o como se fosse uma tempestade vermelha, no lusco-fusco de um dia de Verão. O indutor é a voz de Diamanda Galás, que percorre as escalas que separam o agudo e o grave, numa projecção do belo e do grotesco: de onde pendem morcegos de narinas aguçadas, o sangue corre-lhes o corpo de baixo para cima, as asas de cartilagens grossas equilibra-nos no tecto da sala Suggia, de olhos fechados ouvimos a sua voz electromagnética, que nos faz esvoaçar e guinchar para instituir a dor. “Do you want to Kill me?”, o discurso é de uma Madonna de cabelos negros até a cintura, nariz aquilino e sobrancelhas carregadas, lábios ruborizados emanam o timbre alcoólico no balcão de um bar nova-iorquino. A mão esquerda domina a melodia e marca o ritmo, com mestria, que se mantém quando a direita a acompanha, por entre ambas a voz, “jamais vous cherchez, le rendez-vous”, numa indução violenta de tão delicada e agressiva por ser uma fatalidade. A quarta canção divide-se em três partes: o vibrato, encurta as frases e retalha-as sobre o ritmo binário, e por fim o grito de doze mil virgens, com os flashes a rasgarem as cores azuis e negras. “Ohh yeahhhhhhh, ohh yeahhhhhhh,” a voz auto-mutila-se e fere os tímpanos de pedra da sala rectangular, que se estende como uma ondulação estática. “Mil fois, je t’ai pris, mon amour”, ah oui, “je t`aime encore”, a força de uma soprano percorre a melodia soul perversamente, a confrontação de um canto antagónico no timbre, mas suportada pela melodia do piano. Nos intervalos Diamanda Galás, sorri e exibe um rosto cálido iluminado por um nevoeiro permanente, que nos conduz para a perdição do prazer utópico. “Yes Baby”, gritos, “Yes Baby”, gritos, e assim minimalmente num suicídio colectivo de uma seita com fins comerciais. Mergulha de “empty hearts, to empty hands”, suave e sereno, profundo, contido, sóbrio, humano, “no more tears to cry, no more tears to cry”. Levanta-se do banco e desaparece para a esquerda, para o panteão, ressuscita e aproxima-se da boca de cena e vemos o seu vestido de seda negra, decote semi-circular a evidenciar o seu colo que nunca bronzeou, com uma pregadeira a segurar lacinhos, que também pendiam das mangas rasgadas, sorri, e vocaliza “obrigado” numa encenação que nos permite espreitar para o interior da sua alma.

“Guilty Guilty Guilty”, Diamanda Galás, Casa da Música (Porto), Sala Suggia, 08 de Maio.

domingo, 4 de maio de 2008

Der Spiegel

No centro de uma fonte hexagonal está colocada uma estátua de uma criança de caracóis entrelaçados, a urinar, Cupido feriu-a de morte, o futuro vai ser a conceptualização do holocausto sonoro. A sua personificação é Blixa Bargeld cabeça de cartaz do ruído tornado realidade, reproduzido para perturbação da sociedade que valoriza o silêncio. O excesso representava a revolução industrial, quando as maquinas passaram a alimentar as famílias, que por sua vez produziam para outras regiões do país. A carburação assume-se como o motor desse novo paradigma e com ela o advento de outros sons incapazes de serem produzidos pela natureza, estranhos, perturbadores, artificias. Bargeld o vanguardista-perfomer-screamer de cabeleira electrocutada, que no fim da década de setenta e durante a de oitenta, alimentava-se a speeds, alienava positivamente as pessoas ao proporcionar-lhes um readymade, entre quatro paredes, traduzido por instrumentos que simbolizavam a modelação do metal, através de rebarbadoras, ou, o estrilho da roda do carril a travar a posteridade. A perturbação dos parafusos a caírem sobre areia a arder, ferramentas a baterem em placas de aço, os martelos pneumáticos a demolirem o Muro de Berlim, o grito de um demente em fuga do manicómio a empunhar um megafone a anunciar a sua evasão aos carcereiros. A sucata era controlada pelo percussionista F.M. Einheit e por Mark Chung, hoje ausentes dos Einstürzende Neubauten (E.N). Na Casa da Música, sala Clubbing com acesso de escadas rolantes, assessorado por um bar com vidros ondulados, de onde se avista uma parcela da Avenida da Boavista. O sexteto alemão reduziu-se a um agrupamento maioritariamente digital, com um aparato de pratos de bateria carcomidos, aspecto rude mas não agressivo, a componente imagética é induzida através de um fundo sonoro onírico, com micro-sons a crescerem ao longo das canções, pontuadas por um hiato de descontinuidade como único património do passado: a voz apenas se agudiza teatralmente, o baixo não partiu uma única corda, caíram pregos como de uma cascata da “Lagoa Azul”. “At first this concert it was propose at three o `clock and I said, no I `m already a man, with almost fifty years”. “The problem with `Silence is Sexy` is that we are all, very smoky”, Blixa abre os olhos para memória futura.

"Alles Wieder Offen" Einstürzende Neubauten, Casa da Música (Porto), Sala Clubbing, 03 de Maio