segunda-feira, 19 de março de 2018

Lírica Come On & Anas

A vírgula é virgem do ponto vista de interrogação uma cadeia de reticências que se repercutem por entre o tempo que rivaliza com o seu semelhante numa ordem de figuras da paz num acto de actor que se mune do x-acto para cortar as veias que irrigam os campos Xau Xau snifados por cães que devoram gatos e ratas de sangue azul convictos que se multiplicam em especialistas em propagar a hipocrisia versus a demagogia do medo depósito de gasóleo a arder as estrelas efémeras que se fazem ao mar num curso com cabos e correntes que lhes são enigmáticos; os madrilenos The Government são os primeiros convidados da décima terceira edição do Ceira Rock Fest e versam sobre um rock que mesclam com o funk e por vezes polvilham as canções de um blues consignados a uma constante aceleração que os reverte para um sentido estético em que predomina uma rispidez que é determinada pelo guitarrista & voz que sobressai de uma supra secção rítmica e neste enquadramento sobrevém um composto que é tão eficaz quanto delirantemente vicioso; os escravizam à ousadia da coragem uma ficção que é alma de um polvo com braços de povo e focinho de toupeira viciadas em túneis com mulheres penduradas dos cabelos palha-de-aço filhas da miséria intemporal notas de rodapé nas tábuas sagradas inspiradas em sete andamentos meros esqueletos divagantes em prosas de monges copistas erro de cálculo de folha Excel frutos de uma convergência versátil que se multiplica segundo traços de uma moral castrante versada em aniquilar a diferença e censurar os espadachins filhos de acidentes cardiovasculares instigados pela incidência de um isolamento em ilhas de cimento com varandas para varandas e paredes de aço que se dilatam no Verão e minguam no Inverno numa meditação; Dr. Frankenstein domina o rockabilly mas que vinculam ao surfabilly e se esta relação encontra-se nos tramites da legalidade não deixando de ser executada com consistência e inteligência há a destacar as canções que exiladas em métricas progressivas mas marcadamente distorcidas em que perspectivam uma marginalidade de salutar; que as torna donas de jardim-escola com velhos unicórnios a jogar à lepra e a beber vinho de barrigas de aluguer soma-se o resto de algo que tem lugar na lixeira numa sobreposição de dejectos que se retratam e os seus donos numa colagem do abjecto adormece um debate sobre a saúde do vento cinzento cérebro intoxicado por emissões gástricas de máquinas que fabricam merda que promovem raciocínios musculados segundo o tramite da lógica boçal em que não destrinçam entre sentir e o pensar enigma que os electrocuta entre a infelicidade e a felicidade e nessa terra inóspita vertem lágrimas ignorantes fingidores amantes do inócuo o contexto é um signo maldito a luta de classes uma desclassificação da condição humana processo de sobreposição de opostos que se alternam decadentemente e a violência nunca se desfaz em sangue somente nas festas em que o bovino sofre e após é morto às escondidas do público fruto de figura do passado em que a tradição não se reflecte num acto de barbárie medieval; Portuguese Pedro é uma personagem que tem a garganta inflamada e o microfone em constante feedback mas tais não o perturbam e congrega ao seu redor uma pianista um contra-baixista um músico que se divide pelo violino e pela bateria e um trombonista de varas e a sua proposta se intercala entre o rockabilly e o hillbilly e o rock and roll mas estes encontram uma fronteira temporal (a de 1950) e sobressai um conservadorismo que se espelha numa reverencia à pureza desses géneros e se isto poderia ser algo negativo é absolutamente o oposto porque as canções são dominadas por uma elegância que as tolhem com uma eloquência e as infectam de uma ousada contemporaneidade retro inevitavelmente uma beleza desarmante; acresce que um avião de cortiça parte para um destino em que se espera que haja um retorno à eternidade fogo de um fiasco que se repercute em ondas sonoras de três metros que se exasperam numa divagação neo-clássica o vínculo que vinca uma carta com sabor a vísceras tem como destinatário; Dapunksportif são um quarteto rock que muitas vezes o imiscuem ao hard comparativamente com o primeiro são menos interessantes porém há eficácia e por vezes alguns momentos épicos que anulam o excesso de lugares comuns que são redundantes mas não se duvide que não têm por ambição exceder as regras de outros mestres mas injecta-las com uma urgência inexcedível e esta dureza é correspondida pelo público em fúria na recta final do concerto que institui a mosh; uma outra figura temporal ainda por ser descoberta entre os entes inqueridos que sorriem para o vazio de estruturas ossificadas que por vezes se fazem ao adeus da fuga e se revelam incomensuravelmente belas lutas de auroras soturnas são promessas vãs de um amor encantador que se tão vital quando o ódio é fisicamente explorado violentamente e transversalmente num diagnóstico de morse que tilinta em copos espumados de raiva de hálito de aftershave que unilateralmente se emula numa sequência de figurões descalços a pontapear o há devir confusamente relacionado com cenários naturalistas que não se destacam da fotografia ou são somente suspiros que o passado não teve a coragem de desmentir e se de um outro espaço se aproximar a nudez de uma pedra preciosa de pele ressequida e podre é fugir para uma suposta liberdade onde cantam e falam os animais que ingenuamente se julgam seres humanos.

13º Ceira Rock Fest (Dapunksportif + Portuguese Pedro + Dr. Frankenstein + The Government), 17 de Março, Ceira, Coimbra.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Um Auto Para Jerusalém

Talvez em Israel é possível mas não é provável que tal ou outro seja conhecido do eco do “Um Auto Para Jerusalém” a saudade por esse ombro amputado mordisca-me o queixo não me chames isso não vale um chavo se calhar é posterior a ontem ou para o mês que se amanhã a cabrita fugaz sussurra o vento uma santinha a trincheira de merda abre-se o hemisfério sul e migram as paisagens do Verão passado a ferro a trespassar a floresta de escuteiros que rabeiam brasas inertes e saltitam em esferas de cor cinzenta e essa é a ficção ficcionada de e sobre o nada meu lindo quem sabe se minha linda talvez a sua mãe e o meu pai numa nuvem de azoto cruzados enamorados pelas ondas cónicas guilhotinas em movimento canibal elegância de sangue recém-nascido sacrificado por Jesus Cristo memória esquecida da inexistência do passado do passado convicta que divide para amar o indesejado no salitre da saliva horripilante eternamente abraçado pelo elixir da infelicidade nós invisuais estacionados numa cadeira com esporas dejectos de Mercúrio distorcido o sonho de redundar edifícios que se erguem promiscuamente ao céu anil sintético de Apollo na Brasileira a emular ideogramas travestidos de eu e do fim em Si menor a receber uma SMS para o Dó maior perder tudo a derrama e ser invadido por uma secura de um puzzle provindo da fome congestionada por um shot de Coca-Cola com absinto automatismo alimentado a carvão fossilizado somente com o nome de outrem talvez o meu e o nosso pela manhã durante o dia ganham vida de virtualidade institucionalizada uma és a virtude na seguinte cobra gelatinosa; os Plastic Man são um quarteto de italianos que estilisticamente se enquadram na pop da década de sessenta com origem em Liverpool e que consiste na apropriação de uma métrica desconstrutivista em que os acordes são apresentados num sentido e seguidamente em sentido oposto revelando uma ironia que provoca distanciamento aos poucos presentes no Teatrão e um segundo vector em que impera o hard rock da década de setenta que se encontra geograficamente divido entre Londres e Seatle e é de um tormento fatalmente agressivo e pronunciadamente arty (algo transversal ao concerto) e ao misturarem numa canção estes dois centros elevam a fasquia para um patamar sónico de uma violência tão contida quanto explosiva e há ainda a realçar o primor e a desenvoltura como os três módulos são apresentados subindo a escala do virtuosismo para algo arrebatador; há S. Valentim te espreme o esperma numa eloquência fúnebre e penetra na grana de plantas carnívoras irrompem pela vossa pele de descendentes de um reino em extinção e flutua o fundo um mamífero que rasga a placenta para respirar o fedor do interior do nosso esquiço com proa de madeira carcomida pelo vento miserável instituição em decretos empobrecidos vivos na fase azul do Picasso perspectivas secretas em parábolas a arder segundo o princípio de um crematório que exala o gás nazi arte tipicamente degenerativa o pináculo invertido pinoteia e treme a terra que abana num shake as múmias vadias seleccionadas para discotecas iluminadas por strobs delinquentes que ostentam sinais distorcidos de riqueza tentacular que se apropria das almas de carne de porca esotericamente velhacas que se diluem numa droga que exalta o ego num ruminar elegíaco insuportável à este o suposto veste luvas de látex e colhe vertigens que assoberbam sequencialmente e esquartejam o voluntariado que rouba os populares para enriquecer os desdentados de dentes de ouro auto retratados por visões mesquinhas admito que libertes o transe ininterrupto do qual domina a inconsciência de te amar sabiamente para dar espaço à Primavera que cobre o lagar de folhas defecadas para a tua boca de cocanha opaca textura molhada acidentalmente segundo as normas elaboradas por Pavlov que mia depois e se repercute no canil de sombras que se curvam perante a vida dos outros relance de frescura imaginaria e relacionam negativamente com os auspícios dilacerados por entoações moribundas alguém insere uma moeda num reprodutor de imagens grafitadas na capela de troços de fé que se escapa de uma sentença de cruzes destras que se multiplicam sobre as lápides de um harém verbas provindas de um risco de pecado que sonego para atingir de pedra as sinapses adormecidas perante a rotina de horários da escola de profissionais de tecelagem que se cobrem com rendas inflacionadas por turistas encabeçados pela rainha Bimby.

Plastic Man, 14 de Março, Teatrão, Coimbra.

domingo, 11 de março de 2018

Divina Commedia

Antes que anoiteça está um dia tão bonito com abelhas a esvoaçar no fel de uma mulher com mulherezinhas que se rodeiam de árvores de fruto que apodrecem nos ramos a domesticada engole as pepitas negras paridas pelo esturjão porque “sempre que sente fome”(1) se apropria de uma dor transversal que se repercute pelos ossos e “pensa logo se é capaz” de continuar a se destacar das suas companheiras viciadas em desbaratar a sua língua num jogo sujeito a uma rotina elementar que a obriga a “pesar tudo o que come” e a amar anar que asperge em água benta para crucificar o cancro que a viola “pela frente ou por trás” por vezes deita-se na cama a contemplar os frescos do “Inferno de Dante” do William Blake onde constam a sua mãe e a sua madrinha que “chamavam-lhe Miss simpatia – Querida”; Rua Direita são uma banda em que domina a pop/rock com influência dos agrupamentos portugueses que dominaram a década de oitenta algo deveras raro e como tal se deve valorizar já que é uma herança rica em ousadia mas pobre em termos estéticos e é precisamente este que é sublinhado pelo quinteto pois as soluções são limitadas e as letras são tão exasperantes quanto unidimensionais e ainda acresce negativamente a forma e o modo como o vocalista & guitarrista se expressa no intervalo das canções revelando uma ironia boçal; e despe um jogo de ténis e o olhar dos pederastas e uma máquina cospe bolas que saltitam para fora do meu campo de visão e atingem a rede ou abandonam o rectângulo verde e talvez somente ela “era um caso de anorexia – Linda” e vivencia um dia discriminatório onde o sossego predomina num livro com folhas secas nas quais se associa às imagens das revistas que repetem as fotografias do meu corpo que se desdobra em sorrisos tímidos vestida com a moda de ontem para usar quando saia para jantar ouve-se a sussurrar “sempre que morre um homem… Uma mulher tanto faz” pausa pautada “enterra-se bem depressa/ A elegância sob as pás” um ritual de espelhos que se intercalam com o seu rosto lunar que se apraz se for servida segundo as regras determinadas por uma missa de viciados no poder que lhe lambam os fósseis de filigrana paradoxalmente fragilizada “sempre que sente fome” algo que a enjoa a vomitar as miligramas de pão de centeio e pela centésima vez assume-se na balança para “pesar logo se é capaz” demoradamente percorrer os canais de rega gota à gota que se granulam na sua pele em que nós existimos e toca-se as harpas que a abstraem da rotina “pensar em tudo o que come” mesmo que seja dolorosamente apetitoso “pela frente ou por trás” e no furo esconde-se uma virgem no quadro “O Nascimento da Vénus” de Sandro Botticelli e não acredita que alguém irreconhecível e vários rádios “chamavam-lhe Miss simpatia – Querida”: Luís Severo surge de trás do pano vermelho do palco do Teatro Miguel Franco e somente com uma guitarra acústica inicia o seu concerto e canta através de um timbre melodioso que confere aos seus versos pop um poder subliminar quando se senta ao piano preto de cauda revela-se um músico que tem um domínio apreciável sobre um instrumento complexo através do qual as canções ganham uma melancolia atroz de tão bela e que se aproximam à métrica da música clássica e ainda há a realçar os seus poemas que versam sobre uma cidade imaginaria que é Lisboa que é espelhada numa mulher com sete colinas e em cada uma se encontram os sete pecados mortais que reflectem os impulsos mais primários e que são contaminados por um amor onde domina a ausência de uma interlocutora que não tem rosto ou corpo mas que encontra na voz do Luís Severo a sua alma; prostra-se sobre uma almofada zebra e sou uma exótica traficada nos antros da especialidade trocada por ruminantes com duas corcundas movediças e os planos de fuga estão desenhados pela minha mãe que nunca “trocara hambúrguer por melancia – Linda” que habita no frontispício de uma missiva azul onde dorme o seu nome numa morada próxima que reza por mim “e que tal fruta & Cia. – Querida/ Sempre é melhor que ter barriga – Linda” envolta num tropicalismo kitsch fala e fá-la “pesar o que come um homem” estica as próteses de fauno suaves de cacto ao qual retira cruelmente os picos de cera gástrica que a arreliam perante a iminência de que a “ uma mulher tanto faz” e tenta rodopiar em pontas sobre um círculo que circula na sua cabeça num gesto de viciação insatisfeita que redunda na paranóia que lhe reproduz uma forma que a domina “sempre que sente fome” onde geme o meu falo “pela frente ou por trás” aceito a rivalidade de espermas mascarados que assaltam o meu útero policiado por um dildo de fancaria e venho-me numa descarga de fluidos e esquece que “chamavam-lhe Miss simpatia – Querida” e na cacografia espera uma menina-- Linda que a garça branca anuncia que “afinal era um rapaz – Lindo/ Vestia casca de banana – Querida/ E na cabeça um ananás – Lindo/ Chamavam-lhe Miss Simpatia – Querida/ Era um caso de anorexia – Linda”.

Clap Your Hands And Say F3st! (Luís Severo+ Rua Direita), 10 de Março, Teatro Miguel Franco, Leiria.

(1)- “Ananás” (poesia de Rui Reininho e composição de Tóli Cesar Machado) canção incluída no álbum “Mosquito” (1998) dos GNR.