O festival Lux Interior é da responsabilidade da editora Lux Records que tem como cérebro o Rui Ferreira que ao longo de mais de duas décadas editou predominantemente bandas de Coimbra como: António Olaio & João Taborda, Azembla`s Quartet, Belle Chase Hotel, Bunnyranch, D3O, The Legendary Tiger Man, M`as Foice, Ruby Ann & The Boppin Boozers, Sean Riley & The Slowdivers, Tédio Boys, Tiguana Bibles, Tracy Vandal, Victor Torpedo, The Walks, The Wraygun, Raquel Ralha & Pedro Renato, Ghost Hunt, The Millions, a jigsaw, Wipeout Beat, The Twist Connection, e a primeira de três noites do festival decorre no luxuoso Convento São Francisco na sala Black Box em que há que estar em pé ou sentado no chão para ver os The Millions (que apresentam o álbum de estreia “Internal Combustion”) que discorrem de forma canónica sobre a blues e a soul algo que é de desmerecer apesar da execução eximia das canções e destas as mais interessantes são aquelas em que o kitsch peja o blues de cores de néon cor-de-rosa e outro ponto negativo é a voz do vocalista/guitarrista que apesar de a esforçar não almeja destaca-lha logo está alienada; Gosth Hunt representam uma viagem espacial que por vezes é de tal forma opaca que fere o pensamento formal e assim obriga-o a redescobrir novos meios para se relacionar com a realidade através do synth e do kraut rock e de outros beats envoltos em véus perturbadores; a segunda noite decorre no Grande Auditório ao qual deveria ser-lhe retirado o “Grande” e substitui-lo por “Megalómano” em que é obrigatório sentar em cadeirões cinzentos e esperar pelos primeiros convidados a Raquel Ralha & Pedro Renato com o Jorri num teclado que apresentam “The Devil`s Choice Vol. 1” o primeiro CD editado hoje e que contém onze versões de autores como John Lennon, David Bowie ou Sioux & The Banshees, e as que tocam são marcadas por uma estranheza que incute perturbação mas como é de tal forma sedutora é impossível não prestar atenção à narrativa sonora que revela filmes tão densos quanto violentos e a voz de Raquel Ralha é o centro que domina tudo o resto mas não de forma autoritária mas de transcrição de um universo que até aqui estaria inacessível nos originais e ainda deixo a questão meramente retórica como é possível que uma mulher tão pequena quanto aparentemente frágil tenha tantos mundos no seu interior?; Sean Riley & The Slowdivers apresentam “Farewell” editado há dez anos e as diferenças são mínimas algo que não deixa de ser frustrante já que nos concertos há a possibilidade de melhorar os originais para que não sejam meras peças datadas e ou anacrónicas e há ainda a destacar a última canção (que não consta em “Farewell”) “Dilí” da autoria do desaparecido Bruno Simões e que é consubstanciado no pano atrás dos músicos com a alcunha “King B.” ensimesmada com uma coroa e que é a melhor canção do concerto e no fim os familiares do Bruno Simões deslocam-se à boca do palco e entregam buquês com flores brancas à banda que abraçada se emociona com a ovação em pé que celebra a vida e a obra do King B.; a terceira noite conta com os D3O e os Mão Morta que celebram vinte e cinco anos da edição do clássico “Mutantes S. 21” e os primeiros a surgir no palco do Grande Auditório são os D3O e o percurso que encetam é do rock and roll mas executado de forma visceral com as guitarras ora dissonantes ou angulares acrescidas de variações rítmicas abrasivas e a penúltima que deve aproximar-se dos seis minutos é iniciada com as palmas do público e a partir daqui deliberam uma complexidade rítmica/melódica que não faz parte recorrente do rock and roll e nessa medida é épica marcada pela a saída do palco do Toni Fortuna que caminha sobre os cadeirões como Jesus Cristo o fez sobre o mar da Galileia (sublime!); a entrada dos Mão Morta em palco é antecedida pelo instrumental “Shambalah” que encerra “Mutantes S. 21” e ao surgirem são ovacionados e continuam a apresentar cada uma das canções acompanhadas por projecções atrás dos músicos de B.D da autoria do Esgar Acelerado, João Martinho Moura, Marco Moura e isto enquadra-se com o facto da segunda edição do referido álbum conter esse meio de comunicação artística como bónus e as que se apresentam mais viscerais do que as originais são a “Até Cair” com uma opressão de garrote proporcionado pelas guitarras semi-distorcidas e a voz cavernosa a indiciar que está no precipício; “Instambul” por ser um mantra rock com reminiscências à cultura dos ácidos advindos da Índia e encabeçada pelos Beatles e que é de uma progressão psicadélica hipnótica; “Maria, Oh Maria” que é de uma densidade opressiva inapropriada para quem seja propenso a ataques de pânico ideal para os que queiram rebelar-se contra a infelicidade; “Berlim” é marcada por uma esquizofrenia hipnótica de tão perturbante com o Adolfo Luxuria canibal a usar o tripé como se fosse simultaneamente um cavalo e um pénis erecto e que a transcreve para o domínio do surrealismo e através da voz sufocante a personagem questiona-se: “Que faço eu aqui? Com as mãos manchadas de sangue?”; o muro das guitarras encontra o seu apogeu em “Amesterdão” numa hipnose induzida através de uma agressão incontida; “Barcelona” persegue um percurso de desvio e de marginalidade que pretende despertar as consciências alienadas; “Lisboa” é um confessionário ideal para quem tem como objectivo chegar ao Casal Ventoso onde dominavam as máfias da droga: “O dealer roubo-me a alma, raios partam oooo dealer” com diversas variações rítmicas que transcrevem a peregrinação pelas ruas de Lisboa para matar a ressaca de heroína: “Táxi Casal Ventoso”; antes do encore Adolfo Luxúria Canibal é sucinto: “É um prazer estar neste Festival Lux Interior porque é um festival com bandas de Coimbra, organizado por um grande amigo nosso”, e as seguintes canções não fazem parte de “Mutantes S. 21” como “Tiago Capitão” que é uma lullaby negra que joga com um ritmo fúnebre e simultaneamente marcial e que é substancialmente épica; “Fazer de Morto” é segundo Adolfo Luxúria Canibal “sobre as belas artes” que é tão viril quanto angustiante com vagas tonalidades pop; “Bófia” uma combustão que em bloco progride cortada por um solo de guitarra eléctrica perturbante e o Adolfo Luxúria Canibal rodopia como se estivesse possuído pelo poder de se insurgir contra a autoridade e instalar a anarquia e antes de a acabarem atira-se para o chão até que os colegas o retirem do seu reduto de vítima das fronteiras da sociedade e uma ovação encerrara o último concerto do festival Lux Interior; através das persianas a luz estática expande-se num padrão que parecem os olhos da natureza que me observam a escrever e a suspirar por uma musa tão distante quanto inalcançável que está omnipresente na minha vida desde que encontrei o seu reflexo no meu espelho e que me transmite uma desmesurada energia que se poderá comparar à felicidade e acendo o incenso que exala um odor doce que inspiro para me abstrair da incapacidade em dar continuidade à narrativa sobre umas silhuetas que sobem as ruas da Costa do Castelo e observam com atenção as portas dos carros na esperança que algum tenha as portas destrancadas e frustrados perdem-se nas sombras que os candeeiros amarelos evidenciam e apago o que escrevi e desesperado tento encontrar outras personagens que estejam inseridas num contexto mais feliz mas a felicidade é tão difícil de descrever porque pode ser tudo e o seu contrário e nessa medida é um paradoxo condicionado por diversos e distintos factores e procuro transcreve-lha através de uma frase que se encontra diluída num rosto que sorri como se estivesse grata por se encontrar acompanhada por mim e acaricio o contorno do seu rosto de soprano maquilhado para cantar óperas bufas e os seus olhos são pontos de luz que vibram de felicidade contornados por pestanas postiças que lhe oferecem um misticismo que encerram os seus sonhos e tento dar-lhe voz e o seu timbre é parecido com o de uma sibila que em cada vez que fala escreve um futuro no qual prospera o advir da felicidade e tento dar-lhe um corpo que se compadeça com a sua beleza espiritual mas tal é-me impossível porque estaria a torna-lha humana e o seu fulgor de pureza desapareceria para se tornar em algo vulgar e comum e fixo-a na minha memória como se fosse fonte de água benta que me suaviza a alma e lhe confere uma tonalidade roxa e acrescento umas reticências que apago para mais tarde reflectir sobre o resto da narrativa que espero que encontre na vida alguém como ela ou senão mesmo e somente ela e estou parado a olhar para o texto a avaliar a sua cadência que me parece que deveria ser uma torrente de ideias desordenadas para hipnotizar o leitor e faze-lho crer nos signos para que possa formar uma imagem da felicidade e através da qual se sinta livre para retirar a máscara que usa diariamente para suportar a rotina em escritórios assépticos ou em corredores com macas e doentes que desesperam por serem observados ou que esteja a conduzir transportes rodoviários por auto-estradas monótonas ou que tenha que dizer à esposa que a ama mesmo que tal não seja verdade ou que faça da inveja o ganha-pão e enfrente a vida sem a hipocrisia que graça por todo o lado e que é um lodo de onde não consegue sair porque tem medo do vizinho e do que este poderá ajuizar sobre o seu comportamento e por instantes perco a noção da narrativa como se fosse esta que mandasse em mim e determinasse o que devo escrever e que me proíbe de dissertar sobre a dor e a solidão que se encontram pulverizadas no meu coração que deixou de pertencer a um adolescente para bater no corpo de um adulto e nesta nova consciência emancipo-me com o rosto que neste momento vê o nascimento de um novo ser.
Festival Lux Interior, 9, 10, 11 de Novembro, Convento São Francisco, Coimbra.
Dedicado ao meu guru espiritual Christian Spaanenburg.
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
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