domingo, 20 de outubro de 2019

Lejos de Veracruz

Estou na Pena no Centro Cultural e Recreativo da Pena composto por um salão onde se encontra um palco (palco Anaia) que nas duas anteriores edições do Festa D`Anaia foi pisado pelos The Twist Connection ou The Parkinsons e onde houve tocadores de gaita-de-foles que ofereceram ao espaço uma ruralidade desmedida e ainda há um segundo palco que se encontra no bar (palco Efervescente) mas é o primeiro que debita um som propenso ao nu metal e ao hard rock que dominaram as rádios e a MTV na década de noventa isto é óbvio do século XX se para os Millennials possa parecer-lhes algo tão novo quanto urgente que decorre de ignorarem que estes géneros eram uma vertente decadente do rock e destes são fiéis signatários os Sins of a Man; Xamaril (palco Efervescente) sublimam uma noção do que poderá ser a música medieva de cariz festiva e isso tem origem na gaita-de-foles mas por vezes imiscuem-se perigosamente no reggea ou são responsáveis por cânticos futebolísticos ideal para quem bebe uma cerveja e se imagina sentado numa mesa senhorial com anões e anãs a dançarem para divertir o cortesão e as cortesãs; Cosmic Mass (palco Anaia) poderiam ser Comic Mass e talvez este novo baptismo os absolveria do discorrer de um distorcido repetitivo que se enquadrará num punk que por vezes é trash e vice-versa mas nesse vai e vem bipolar os Cosmic Mass não logram revelar-lhe algo mais do que um formalismo inócuo e que é deveras exasperante dada a sua unidimensionalidade; por falha inculpável não presenciei a actuação de Kopke (palco Efervescente); quanto à Baleia Baleia Baleia (palco Anaia) é uma sequência de variações pop que encontram uma constante numa eficaz variação rítmica que acompanha o cantor baixista que traduz a actualidade num português do nono ano e nessa medida é eloquente porém são meramente ilustrativos de episódios diversos com origem em lugares comuns e estes slogans acrescentam algo à vida na rede social mais próxima e nesse reflexo é assertivo mas paradoxalmente propenso a se diluir no tempo; D3O (palco Anaia) actuam segundo um transe de rock and roll que é de uma violência portentosa de tão eficaz ao qual incutem diferentes e varias variantes mas há dois pólos opostos que se relacionam equilibradamente a demência e a lealdade à razão e é nessa assumpção que são imponentes de tão gigantes; e é altura de mudar para o segundo dia da Festa D`Anaia que tem sido o mais concorrido porém a tempestade que se abate sobre a Pena fez com que tal não se concretizasse o que é uma pena já que é o dia do Conjunto Corona mas serão os Kings of the Beach a encerrar o palco Anaia mas não devo omitir que ainda haverá lugar para os djs até de manhã; Granjo (palco Efervescente) toca a guitarra acústica e canta quase sussurrantemente numa melancolia que se equipara aos dias cinzentos que se erguem num horizonte imperfeito e a sua lírica espelha esse desalento poético pontuada por uma ironia elegante e como exemplo este apontamento: “Eu nunca mudo, eu mudo sempre sem mudar” (épico); A Pupet Show Named Julio (palco Anaia) mais um nome interessante ou antes poderá ser intrigante o porque de tal designação que ficaria bem a uns mariachis alcoolizados pois a banda limita-se a replicar um universo indie de uma banda ultra conhecida com origem em Nova Iorque e como tal espera-se algo mais ousado pois são um conjunto compacto; Chalo Correia (palco Efervescente) somente à guitarra acústica que parece que a multiplica em outras tantas dada a versatilidade deste angolano que é um embaixador supremo do folclore musical do seu país que é tão vasto quanto árido mas a voz de Chalo Correia é quente e envolvente de tão magnética que usa o Kimbundu e sobre este refere “que tem muitas palavras em português” e este africanismo é por exemplo elegantemente explanado numa “rumba angolana”; Holympo & Heartless (palco Anaia) são uns adolescentes que julgam que produzem algo parecido com hip hop mas de facto é somente parecido o que pressupõe que delineiam a sua forma mas que estruturalmente está pejada de inúmeros erros para além da dicção dos Mcs ser fraca não se percebendo porque se revoltam e porquê ou porque de por vezes chorarem por um amor que perderam na primária; há uma jovem sexy que a dada altura do concerto se apresenta “Sequin” (palco Anaia) e explica como se deve pronunciar o seu nome artístico acompanhada por dois comparsas que produzem um synth pop de cariz dançante que encontra em Sequin a tradutora deste ritmo a dançar insinuantemente como se estivesse a faze-lo para influenciar a audiência mas tal é em vão e a forma como canta é tão envolvente quanto encantadoramente bela; por fim o Conjunto Corona (palco Anaia) é uma trupe de hip hopers tipificados num absurdo desconcertante que narram universos populares entre o Porto e Gaia e outras localidades proficuamente obscuras e esta capacidade de enunciar assertivamente uma cultura onde impera o machismo e ou o tuning e o uso de drogas recreativas ou o roubo é pró e anti-gunas e esta ironia é como se fosse um ácido que coroe esse universo afectando-o paradoxalmente com sua inclusão no imaginário popular do qual somente a pop detém esse poder e nesta medida são de uma verve incisiva e precisa quanto os GNR o foram durante a década de oitenta (século XX); o encerramento destes dois dias de festa cabe aos galegos Kings of The Beach que se limitam a decretar o fim do rock and pop que por vezes derrapa inconscientemente para o punk mas um punk sem qualquer métrica criativa há muita ginástica por parte do baixista e que no intervalo das canções tem a arrogância de imitar a voz esganiçada do guitarrista e isto prolonga-se até que há uma tensão entre ambos que aparenta que estão na disposição de se agredirem algo que seria verdadeiramente punk curioso é que nas ruas de Barcelona decorriam batalhas campais pela independência da Catalunha e contra a sentença de prisão a diversos representantes políticos da região autónoma e no palco da Anaia decorreu algo deveras tão ou mais decepcionante.

Festa D`Anaia, 18 e 19 de Outubro, Centro Cultural e Recreativo da Pena, Pena.