sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Book of Mercy

Há dois sexagenários na porta da bilheteira do Teatro José Lúcio que têm bilhetes para venda para o primeiro balcão, por um conjunto de circunstâncias não podem assistir ao concerto dos GNR, umas das poucas aparições do trio neste ano— isto devido aos efeitos secundários da pandemia na indústria do espectáculo; os dois idosos estão ansiosos em vende-los de preferência sem qualquer prejuízo, algo que almejam com alguma dificuldade, seria discriminatório converter estes dois vendedores em jovens, assim como grande parte das pessoas que me rodeiam que fazem gala de uma indumentária escolhida para uma noite especial. O concerto tem diversas escalas é iniciado pela hipnótica “O Arranca-coração” e a sequência é marcada pela popularucha “Nova Gente” ou a pop “Efectivamente”, de sublinhar que Rui Reininho não se limita a cantar de forma irrepreensível cada uma dessas canções mas a sua performance versa o realçar do ridículo e neste reverberar expressivo o público ri, este ponto é fundamental para que se tenha em atenção o outro lado da poesia do Rui Reininho que sendo pop é passível de ser desmistificada; “Sub 16”, “Las Vagas”, “Sangue Oculto” revelam uma frescura abrasadora (em especial a segunda), e há ainda a realçar que a maioria das canções sofreram novos arranjos que se permitem ouvi-las sem que tenham as cicatrizes de vinte anos (ou mais…) de estrada e radiodifusão; “Dunas” permite ao ouvinte predispor-se e retomar as tardes de Verão que recentemente findaram, não sem antes tropeçar no lixo e em outros objectos “salgados”, uma história de amor adolescente sintetizada de forma sublime por parte dos GNR. Há como campo de fuga as “Dunas”, mas para a dança de contornos pecaminosos conta-se com “Vídeo Maria” que se eterniza como a canção que tanto joga com o pecado carnal quanto o espiritual, e se ambos estão interligados há um que é o gatilho para que o outro se desenvolva e desse virá os estímulos sentidos pelo indivíduo. De sublinhar que neste ano os GNR completam 40 anos de carreira que deveria ter sido celebrada com pompa, mas dada a situação pantanosa criada pela pandemia é possível que os festejos se realizem no 2022, numa sala perto de si e onde os GNR terão oportunidade de justificar mais uma vez o porque de serem a maior banda pop Portuguesa.

GNR, Os Primeiros 40 Anos, 14 de Outubro, Teatro José Lúcio da Silva, Leiria.