segunda-feira, 9 de setembro de 2024

O Meu País Inventado

Vivencio uma daquelas tardes de Setembro em que o calor é algo ténue e por essa razão efémero. No palco da Praça da Canção em Coimbra a ensaiar as suas canções está a Lene Lovich, o que previa um atraso de uma hora, porém com o acumular de diversos atrasos corresponderia a duas horas (já de madrugada) e por essa razão não vi os M`As Foice. Assim os Carrion Kids-- já passava há muito das dezanove—tomam de assalto o palco do Luna Fest, o vocalista vestido à lutador de luta livre; o som é um exasperante punk que se move em blocos destruidores que de tão agressivos são exasperantes, há o espectáculo de trocarem de garrafa de tequila que lhes liberta os espíritos para serem ainda mais indecentes. The Twist Connection  são segundo Kalo ou Carlos Mendes uma “local band” que se dedica ao rock and roll mas na vertente de onde escorrem largos lastros de pureza, que se forem consumidos convertem os mais incautos, e que têm como convidado, nada mais nada menos que Boz Boorer  um prodígio da guitarra eléctrica que trabalhou com “Morrissey or Edwyn Collins”, e desta forma os The Twist Connection passam de trio a quarteto e o som fica ainda mais preenchido, aprofundam as virtudes do rock and roll, e oferecem um excelente concerto. Theatre Of Hate apresentam um rock and roll pleno de subtilezas em que o ritmo lento é simultaneamente denso e leve, e com palavras cantadas em versos abstractos, por vezes o saxofone surge a rasgar toda uma solidão que normalmente está associada à tristeza, são tão profundos quanto inteligentes na forma expressiva de um carrocel fantasmagórico. Lene Lovich surge com um véu pesado a cobrir-lhe a cabeça quando o retira recebe uma pequena ovação por parte do público, as suas canções parecem que derivam das que assolaram Paris durante a segunda guerra mundial, operáticas mas actualizadas e por isso circunscritas a um âmbito pop, é nesse jogo que se espraiam os temas que umas vezes acentua esta última parte (pop) outras a primeira. The Legendary Tigerman tem uma primeira parte atmosférica ou eletrónica que se funde com o rock and roll-- este é por si só a raiz de grande parte do concerto-- e que irá compor a segunda parte do espetáculo. É neste binómio que a primeira parte fica a ganhar dada a imperial miscelânea, já a segunda parte sofre com uma encenação por parte dos músicos em que se aproximam de um “rock and roll” (repetido até à exaustão) mas que gradualmente se vai anulando a si mesmo; de realçar o facto do Paulo Furtado ter atirado um microfone para o público, algo que poderia ter tido consequências de maior. The Psychedelic Furs, entram em palco, tocam uma canção, recebem uma salva de palmas, tocam a segunda mas a ligação do som da banda com o PA do Luna Fest não se dá e a banda é informada do desastre, e abandonam o palco para não mais voltarem.

Dia 2

Os Birds Are Indie estão a fazer o teste de som dos seus instrumentos musicais que se resumem à bateria, guitarra, baixo e vozes e as suas canções são predominantemente pop, sem grandes preconceitos aliás é este facto que os torna numa banda inteligente, reivindicam as regras da pop da mesma forma (por exemplo) os The Twist Connection às do rock and roll. Johnny Throttle são um quarteto de rapazes de londres que têm por premissa o punk mas um punk que se aproxima perigosamente dos ditames do pub, sem grandes refrões ou riffs distinguem-se pela vontade dos seus elementos se divertirem, o que já não é mau. Selma Uamusse tem como ponto de partida a música africana mais especificamente a produzida em Moçambique, onde é preponderante o ritmo; de realçar a performance da cantora, que no intervalo das canções discursa continuamente, com o objectivo de evangelizar o público, que não pára de dançar; e a Selma dança no meio do público e  convida-o para subir ao palco e este fê-lo, quase no fim reiterou “não acreditem em tudo o que vos disse.” Os Belle Chase Hotel demonstraram que são uma das bandas mais inventivas que a cidade de Coimbra viu surgir, a sua pop é de um exotismo delirante, e a juntar a isto estão as invectivas do cantor JP Simões que são de uma ironia atroz, e por essa razão merecem o prémio para melhor concerto da noite. Kid Congo and The Pink Monkey Birds apresentaram um rock and roll repleto de maneirismos vintage, sem lhes querer associar algo que pudesse ser apelidado de novo, mas verdade seja dita que dado o seu currículo não se esperaria que estivesse determinado a uma revolução musical ao género que explorou. Jon Spencer espraia um continuo psicadelismo rock and roll em que brilha a bateria/baixo, mas a guitarra eléctrica do cantor norte americano é a que impõe o delírio ao espectador como se fosse uma visita a um hospital psiquiátrico, alguém a que a medicação não lhe controla os delírios que são vozes que se multiplicam e que não são silenciadas pelos medicamentos. Sobre Natty Boo And The Top Cats não há muito acrescentar pois apresentou o género musical misto afro-caribenho calipso excelente para um fim de tarde a ver o sol a pôr-se.

Dia 3

So Dead são o se poderá apelidar post-punk, mas um post-punk em que o que domina é algo venenoso e que se for consumido diariamente pode causar mal-estar psíquico, o único antidoto é paradoxalmente ouvi-los com atenção para que a dor se esvaia ou que rasgue o aparelho auditivo. Weird Omen-- sofreram durante a sua actuação de problemas de som-- dominados pelos acordes brutos de um saxofone, mas a métrica que implementam é de certa forma repetitiva apesar de bafejarem rasgos exemplares de uma pop/rock indie. Club Makumba dominados por uma africanidade tipificada e surripiada a outras bandas do género para além de ainda se dividirem pelo jazz também ele estereotipado. DEADLETTER-- foram a revelação do festival-- e isto deve explicar-se dada a intensidade do fluxo dos acordes tensos, a entrega em palco de um vocalista em tronco nu que se imiscui no público, a sua voz falada e ou cantada é como uma bandeira que assinala uma revolução, canção após canção elevaram a fasquia e tornam-se irrepreensíveis transformando ou melhor aniquilando a pop indie associando-se a um post-indie, em síntese: excelentes quer na forma quanto no conteúdo. Em substituição dos Mão Morta subiram ao palco os The Parkinsons que estão carregados de excelentes riffs com refrões explosivos que misturados dão um cocktail punk mas de teor festivaleiro que incita o público a dançar ou a gritar as letras em inglês cantadas pelo Afonso Pinto, naturalmente explosivos é essa a sua natureza mais profunda; de realçar o facto do Victor Torpedo ter dedicado uma canção à Rita Mano Lopes, por se encontrar doente. The Gories não passaram da década de cinquenta em que o que dominava eram os cânticos dos campos pejados de afro-americanos, que se lamentavam do seu amargo destino, por vezes parece que emulam uma perspectiva fúnebre mas nunca é verdadeiramente alcançada. La Élie é um duo de espanhóis (repetentes da última edição deste festival) que se limitam através de um computador e com a voz ao vivo de debitar canções destinadas para as noites quentes das discotecas de Ibiza.                

Luna Fest, 6, 7 e 8 de Setembro, Praça da Canção, Coimbra.

O Meu País Inventado

Vivencio uma daquelas tardes de Setembro em que o calor é algo ténue e por essa razão efémero. No palco da Praça da Canção em Coimbra a ensa...