Vivencio uma daquelas
tardes de Setembro em que o calor é algo ténue e por essa razão efémero. No
palco da Praça da Canção em Coimbra a ensaiar as suas canções está a Lene
Lovich, o que previa um atraso de uma hora, porém com o acumular de diversos atrasos
corresponderia a duas horas (já de madrugada) e por essa razão não vi os M`As
Foice. Assim os Carrion Kids-- já passava há muito das dezanove—tomam de
assalto o palco do Luna Fest, o vocalista vestido à lutador de luta livre; o
som é um exasperante punk que se move em blocos destruidores que de tão
agressivos são exasperantes, há o espectáculo de trocarem de garrafa de tequila
que lhes liberta os espíritos para serem ainda mais indecentes. The Twist
Connection são segundo Kalo ou Carlos
Mendes uma “local band” que se dedica ao rock and roll mas na vertente de onde
escorrem largos lastros de pureza, que se forem consumidos convertem os mais
incautos, e que têm como convidado, nada mais nada menos que Boz Boorer um prodígio da guitarra eléctrica que trabalhou
com “Morrissey or Edwyn Collins”, e desta forma os The Twist Connection passam
de trio a quarteto e o som fica ainda mais preenchido, aprofundam as virtudes
do rock and roll, e oferecem um excelente concerto. Theatre Of Hate apresentam
um rock and roll pleno de subtilezas em que o ritmo lento é simultaneamente
denso e leve, e com palavras cantadas em versos abstractos, por vezes o
saxofone surge a rasgar toda uma solidão que normalmente está associada à
tristeza, são tão profundos quanto inteligentes na forma expressiva de um
carrocel fantasmagórico. Lene Lovich surge com um véu pesado a cobrir-lhe a
cabeça quando o retira recebe uma pequena ovação por parte do público, as suas
canções parecem que derivam das que assolaram Paris durante a segunda guerra
mundial, operáticas mas actualizadas e por isso circunscritas a um âmbito pop,
é nesse jogo que se espraiam os temas que umas vezes acentua esta última parte
(pop) outras a primeira. The Legendary Tigerman tem uma primeira parte
atmosférica ou eletrónica que se funde com o rock and roll-- este é por si só a
raiz de grande parte do concerto-- e que irá compor a segunda parte do espetáculo.
É neste binómio que a primeira parte fica a ganhar dada a imperial miscelânea, já
a segunda parte sofre com uma encenação por parte dos músicos em que se
aproximam de um “rock and roll” (repetido até à exaustão) mas que gradualmente
se vai anulando a si mesmo; de realçar o facto do Paulo Furtado ter atirado um
microfone para o público, algo que poderia ter tido consequências de maior. The
Psychedelic Furs, entram em palco, tocam uma canção, recebem uma salva de
palmas, tocam a segunda mas a ligação do som da banda com o PA do Luna Fest não
se dá e a banda é informada do desastre, e abandonam o palco para não mais
voltarem.
Dia 2
Os Birds Are Indie estão
a fazer o teste de som dos seus instrumentos musicais que se resumem à bateria,
guitarra, baixo e vozes e as suas canções são predominantemente pop, sem
grandes preconceitos aliás é este facto que os torna numa banda inteligente,
reivindicam as regras da pop da mesma forma (por exemplo) os The Twist
Connection às do rock and roll. Johnny Throttle são um quarteto de rapazes de
londres que têm por premissa o punk mas um punk que se aproxima perigosamente
dos ditames do pub, sem grandes refrões ou riffs distinguem-se pela vontade dos
seus elementos se divertirem, o que já não é mau. Selma Uamusse tem como ponto
de partida a música africana mais especificamente a produzida em Moçambique,
onde é preponderante o ritmo; de realçar a performance da cantora, que no
intervalo das canções discursa continuamente, com o objectivo de evangelizar o
público, que não pára de dançar; e a Selma dança no meio do público e convida-o para subir ao palco e este fê-lo,
quase no fim reiterou “não acreditem em tudo o que vos disse.” Os Belle Chase
Hotel demonstraram que são uma das bandas mais inventivas que a cidade de
Coimbra viu surgir, a sua pop é de um exotismo delirante, e a juntar a isto
estão as invectivas do cantor JP Simões que são de uma ironia atroz, e por essa
razão merecem o prémio para melhor concerto da noite. Kid Congo and The Pink
Monkey Birds apresentaram um rock and roll repleto de maneirismos vintage, sem
lhes querer associar algo que pudesse ser apelidado de novo, mas verdade seja
dita que dado o seu currículo não se esperaria que estivesse determinado a uma
revolução musical ao género que explorou. Jon Spencer espraia um continuo
psicadelismo rock and roll em que brilha a bateria/baixo, mas a guitarra
eléctrica do cantor norte americano é a que impõe o delírio ao espectador como
se fosse uma visita a um hospital psiquiátrico, alguém a que a medicação não lhe
controla os delírios que são vozes que se multiplicam e que não são silenciadas
pelos medicamentos. Sobre Natty Boo And The Top Cats não há muito acrescentar
pois apresentou o género musical misto afro-caribenho calipso excelente para um
fim de tarde a ver o sol a pôr-se.
Dia 3
So Dead são o se poderá
apelidar post-punk, mas um post-punk em que o que domina é algo venenoso e que
se for consumido diariamente pode causar mal-estar psíquico, o único antidoto é
paradoxalmente ouvi-los com atenção para que a dor se esvaia ou que rasgue o
aparelho auditivo. Weird Omen-- sofreram durante a sua actuação de problemas de
som-- dominados pelos acordes brutos de um saxofone, mas a métrica que
implementam é de certa forma repetitiva apesar de bafejarem rasgos exemplares
de uma pop/rock indie. Club Makumba dominados por uma africanidade tipificada e
surripiada a outras bandas do género para além de ainda se dividirem pelo jazz
também ele estereotipado. DEADLETTER-- foram a revelação do festival-- e isto
deve explicar-se dada a intensidade do fluxo dos acordes tensos, a entrega em
palco de um vocalista em tronco nu que se imiscui no público, a sua voz falada
e ou cantada é como uma bandeira que assinala uma revolução, canção após canção
elevaram a fasquia e tornam-se irrepreensíveis transformando ou melhor
aniquilando a pop indie associando-se a um post-indie, em síntese: excelentes
quer na forma quanto no conteúdo. Em substituição dos Mão Morta subiram ao
palco os The Parkinsons que estão carregados de excelentes riffs com refrões
explosivos que misturados dão um cocktail punk mas de teor festivaleiro que
incita o público a dançar ou a gritar as letras em inglês cantadas pelo Afonso
Pinto, naturalmente explosivos é essa a sua natureza mais profunda; de realçar
o facto do Victor Torpedo ter dedicado uma canção à Rita Mano Lopes, por se encontrar
doente. The Gories não passaram da década de cinquenta em que o que dominava
eram os cânticos dos campos pejados de afro-americanos, que se lamentavam do
seu amargo destino, por vezes parece que emulam uma perspectiva fúnebre mas
nunca é verdadeiramente alcançada. La Élie é um duo de espanhóis (repetentes da
última edição deste festival) que se limitam através de um computador e com a
voz ao vivo de debitar canções destinadas para as noites quentes das discotecas
de Ibiza.
Luna Fest, 6, 7 e 8 de Setembro,
Praça da Canção, Coimbra.