Cada palavra dita por Pilar del Rio é um manifesto a ser seguido por milhões de pessoas. Mas a tradutora defende apenas o sexo feminino: “eles podem chegar a casa tarde e andaram a foder por aí! As mulheres se o fizerem são chamadas de putas!”. “Se Ségolène for eleita é um bom sinal e se Hillary ganhar nos Estados Unidos, ela terá um estagiário debaixo da secretária. Ahahha!”. Abana a melena castanha, e assevera “estou a três anos dos cinquenta anos”. A lógica do seu discurso encontra-se na relação que se deverá inverter: os machos subjugam as mulheres a um poder fálico, somente, nada mais. As modelos são corridas: “Modelos? Aquilo não são modelos de nada! São exibidoras de uma indústria que as pintam como modelos!” E sugere-se poeticamente: “porque este é o meu corpo, aqui caibo eu, neste espaço” e esfrega o tronco com as mãos. Emociona-se com a mensagem que enviou a Pedro Almodôvar: “Volver” esteve próximo de roçar a beleza absoluta: Assinado: José Saramago” e mexe os dedos como se estivesse a envia-la naquele momento através do telemóvel “que sou eu que manejo, porque ele não domina.” É ecologista: “Em Lanzarote não deixamos que sucedessem os crimes urbanísticos como em Marbella ou Algarve, opusemo-nos publicamente.” No passarán! “Um dia gostaria de ver um realizador castelhano ou um português a realizar um filme sobre essa grande mulher, que foi La Passionaria.”A vida de Pilar tem origem num passado feudal: “ao meu avó tratavam-no por Amo”, ele “tinha muitas propriedades mas depois das partilhas tudo se perde”, e “ele estava sempre próximo das pessoas, não era pretensioso, não era daqueles…” e encolhe os ombros como se estivesse a imitar Pinochet. Tem um programa que emite semanalmente de Lanzarote para Espanha, “me orgulho de ser mulher de Saramago, de estar ao lado de um homem que foi rejeitado pelos académicos! Que quebrou todas as regras! Contra todos!!” Recorda a razão que os levou a procurar exílio em Lanzarote, “quando Cavaco Silva era Primeiro-ministro, censurou a Saramago, o livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” tinha sido apoiado por três instituições nacionais para que Saramago se candidatasse ao Prémio Literário Europeu, mas Santana Lopes censurou-o [Nota: o subsecretário da cultura era Sousa Lara].” Visitaram a ilha e decidiram ficar uma “temporada”. Das cinzas do seu jardim nascem “plantas e flores, que já tiveste oportunidade de visitar”. Sim é verdade, comenta Ana Sousa Dias (“Por Outro Lado”). “A nossa biblioteca foi entregue a um primo arquitecto, mas sabes como são os arquitectos são como os cabeleireiros: exageram sempre!” E o seu cabelo movimenta-se como um capote, ambas riem. “A biblioteca pode ser usada por alguém que queira fazer um trabalho sobre Saramago, não está aberta ao público, apenas via Internet”, através de um link de uma universidade espanhola. “Mas é na minha cozinha que reunimos, como foi o caso do Mário Soares. Ah, no caso dele não, porque ele veio com muita gente.” É “um espaço onde as mulheres cozinham” e “na minha casa tudo passa na cozinha: O mundo deveria ser uma cozinha! Ahahah!”
Pilar del Rio em "Por Outro Lado"