O pano sobe e balanceia com os acordes de “Gambling Man”, surge um homem, de mangas negras arregaçadas e hálito a whisky velho, a dedilhar uma guitarra vermelha, ladeado por duas coristas e executantes marginais que instalam gradualmente uma desordem contida. A guitarra sanguinária é segurada por uns braços tatuados de veias descoordenadas, a sua voz por vezes distorce, outras, é lámina que decepa os escalpes aos arcanjos que relutantemente recusam o céu. Raquel Ralha defende “Love is my drug”; desloca-se e abana as ancas de lantejoulas na boca de cena: “Hoola Hoop Woman”, confere à sua voz tonalidades que provocam queimaduras a quem espia as suas pernas cobertas por um bicho da seda negro, curva-se sobre a plateia e a mini-saia encolhe até…O tormento é Paulo Furtado que está ligado a dois microfones, uma voz vem do inferno a outra da morgue onde estão a autopsiar George W. Bush, causa da morte: overdose incidental. “Lonely” tem a reverbe dos Rolling Stones, e “How Long How Long” não responde à angústia que coloca, blues de carácter hipnótico, com o uso discreto de maquinaria a salpicar a secção rítmica. Os adolescentes tomam parte do protagonismo ao abandonarem os lugares sentados do TAGV, aglomeram-se defronte do palco, ensaiam uma moshe infantil. Sentem-se escolhidos como “Go-Go Danceres”, para animar um bordel de machos ressabiados. Wraygunn habitam na intersecção de “Drunk or Stone”, uma banda com um fetiche profusamente rock and roll, como o prova o acto de oferecer copos de whisky aos teenagers que saltaram para cima do palco para dançar; obrigam Paulo Furtado a perguntar: “tu tens que idade?”, e, “os que têm os copos passem-nos aos que se encontram atrás de vocês”, na divisão é que está o ganho. Nesta encenação, onde predomina a comunhão, eleva-se a música a um conceito transatlântico, onde os músicos mastigavam coca enquanto apanhavam algodão. Furtado perfura o muro de jovens extasiados, e quebra a quarta parede, corre inconscientemente por entre a plateia, dão-lhe cabo para alimentar o escafandro de oxigénio, canta, grita, regressa ao palco despejado da adrenalina insuspeita e da puta droga. “Esta é possivelmente a nossa última música?”, e, “You Really Got Me?” é esquartejada num ritmo fodido.
Shangrila Tour, The Wraygunn, Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra), 07 de Fevereiro
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
O Meu País Inventado
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