sexta-feira, 21 de março de 2008

Cure for Pain

O cenário, transparente, é constituído por um jogo simples de luzes semicirculares que rodeiam The Cure, como uma teia que os sustém e lhes fornecem estrelas que se suicidam ao ouvir as três guitarras em “Plainsong”, e a voz disléxica de Robert Smith começa a ganhar corpo. “Alt.End” acentua o alinhamento rude onde o baixo e a bateria ganham predominância pós-punk, num pulsar enérgico violento vertiginoso, que nunca abandonam Robert Smith. Um romântico de alma gótica flamejante, que se exacerba ao estabelecer as regras sentimentais de uma nova tratadística que perpassa: “Love Song”, despida da ligeireza que caracteriza o original, a sua voz está por vezes “faraway” e mesmo assim “I `ll always love you”. A guitarra branca distorcida de um careca de trela ao pescoço, e camisa preta transparente e saia de folhos negra, vagueia acompanhando o ritmo. Quando estilhaçam “Pictures of You” o dramatismo excede-se para lá do obscuro, a esperança é uma linha tão vaga quanto o horizonte. E o fim é sempre tão abstracto em “Lullaby” , numa cadência angustiante , “meet me in the morning” e “spider-man is allways hungry”, com direito a uma longa introdução ditada pelas leis freudianas. Robert Smith dirige-se para a bateria e bebe “Cartuxa” e retira a guitarra acústica e dedilha “Kioto Song”, com contornos geográficos desconcertantes. Tal como é estar perdido “In Between Days”, projectam imagens de algo imperceptível, sobre a parede branca do Pavilhão Atlântico. Onde por vezes se espelham as sombras dos quatro músicos, o baixista de t-shirt de cavas preta, e botas da tropa, cirandei-a agressivamente pelo espaço vazio. As estrelas pendem na vertical, a imitar os virilities e os strobes, utilizados equilibradamente de canção para canção. O psicadelismo como fonética predominante é concretizado em “One Hundred Years” a roçar a vertigem causada pela sua rítmica progressiva. “Obrigado” por vezes abandona o seu canto à frente do palco e acerca-se de micro a cantar nos vértices do mesmo. Vemos a sua mascara uniformizada, com base branca, lábios esborratados de baton vermelho, olhos sujos de preto e uma cabeleira desfiada, transplantada de uma boneca alfinetada em sessões de macumba. Abandonam o palco sob uma ovação de quinze mil flashes, uma multidão sequiosa por retornar a uma floresta onde passeia a caveira de Hamlet. “A Forest” é pontuada com o público a acompanhar o baixo e a guitarra de Robert Smith, numa união sincrónica, a prolongar o fim. “Love Cats” leva Robert Smith encanar um urso polar, que foge dos glaciares que estão a derreter, dança tão timidamente que todos os seus gestos são aclamados. “Why Can I Be You?” uma clara alusão às duvidas da adolescência, quando se anseia por um modelo, líder a seguir, a voz de Robert Smith, uiva dilacerantemente esta duvida. Mas aos rapazes não é permitido chorar, “Boys Don ´t Cry”, iluminada pela intermitência das estrelas que são utilizadas em filmes porno de Bollywood. Desaparecem e deixam as luzes de lápis azuli, a receber as palmas, que se separam depois de (terem) “Killing an Arab”, o épico que não apazigua as almas, antes, parece que estoira num fim rebelde, apoteótico, dor, prazer, soturno, luminoso, “Obrigado”.

“04: 33 Tour” The Cure, Pavilhão Atlântico (Lisboa), 08 de Março