quarta-feira, 19 de março de 2008

O Heterónimo do Heterónimo

O pró-reitor para o património da Universidade de Coimbra, António Filipe Pimentel, inaugura os trabalhos com um tom seguro e confiante, que eleva as expectativas, depositadas num número extenso e heterogéneo de convidados, reunidos em redor: “Os Heterónimos da Imagem”.

A primeira a subir ao palco do Anfiteatro II da Faculdade de Letras, é Simonetta Luz Afonso, presidente do Instituto Camões desde 2004. A sua palestra versa: “A Importância da diplomacia cultural na construção da Imagem de um País”. Retrata com precisão os mecanismos, que para além da leccionação do português nos Institutos espalhados pelo Mundo, e, até através de e-learning: “Uma vez recebemos o telefonema de um ucraniano que `quero apreender português`” e imita-o com sotaque tipicamente do leste: “Nós temos que fazer alguma coisa por essas pessoas!”. “Foi através das feiras, que nós promovemos, de livros, como a de Frankfurt que lançou Saramago para o Nobel”. Através da utilização do “coração, que pedimos ao `Eleven`, da Joana Vasconcelos”, “e que esteve exposto nos grandes palcos da política europeia”, porque, “hoje em dia a politica também é espectáculo, como sabem.” O seu instituto permite o intercâmbio cultural “usando as diferentes embaixadas portuguesas, desta forma não precisamos de mais funcionários,” através deste intercambio, “os artistas portugueses podem-se expor no estrangeiro, e nós iremos divulgar por exemplo, os africanos”.


“Dêem quinze minutos a um advogado e ele falará de qualquer coisa” é com este complexo que José Miguel Júdice inicia o ambicioso “A arte do retrato: as duas faces dos poderosos. Revelações e ocultações”. “Há precisamente vinte anos atrás o meu amigo Luís Pinto Coelho, pediu-me para escrever um texto para o catálogo da sua exposição, portanto recorri a esse texto”. Na sua dissertação cita Rousseau em francês imperceptível, e explica que na “corte”, não especificando qual e em que tempo, era “importante ser visto, mas não muito”, o importante era a imagem que as figuras projectavam, a sua representatividade. Dai o bom retratista era aquele que ocultava “o rosto do soberano”, e a linearidade do discurso e o déjà-vu é constante, tudo o que enumera seria vanguardista nos anos sessenta. Para recordar a parte cor-de-rosa: “Sarkozy e Chavez, flirtam com modelos…”; “o Fuck do Berardo!”


Júlio Machado Vaz faz o uso do PowerPoint de forma eficaz, o seu texto corresponde às imagens. “Na Grécia os senhores, sequestravam um rapaz, com o aval da família deste, durante três semanas” com o “intuito de o assumir como amante”, se fosse o escolhido oferecer-lhe-iam várias oferendas como “um boi”. A relação mantinha-se até o adolescente “ganhar pêlos” que é o “primeiro sinal de envelhecimento” muitos “retiravam-os com pinças”, já era uma questão de amor que se “estabelecia entre ambos”. Quando chegam os romanos “invertem este processo”, mas é-lhes permitido violar seja quem for quando ganhavam ao inimigo. “E é já nesta altura que a mulher é quem monta o homem” como se o acto fosse retrato da submissão do homem. “Hoje em dia já não se estuda o doente mas a doença”.

“Instalação e performance em João César Monteiro”. A dissertação de Paulo Filipe Monteiro é circular, e recheada de termos codificados, que de parágrafo para parágrafo se vão multiplicando, oferecem um toque burlesco às suas definições. As citações de João César Monteiro, pontuam e suportam o discurso. Chega a relacionar o realizador com o “cosmos” com uma “não-imagem”, “nos filmes de João César Monteiro não há sexo apenas sensualidade” esquecendo o voyeurismo, a perversão sexual, e o paralelismo evidente entre a vida de João de César Monteiro com os seus heterónimos, e nem o familiariza com Luiz Pacheco. Depois de ter mostrado excertos de alguns filmes, “os pintelhos circulares, que se encontram no diário, na `Comédia de Deus” a sua circularidade desbocava numa conclusão hiperbólica do génio do cineasta figueirense.

Delfim Sardo toma posse da palavra fluidamente e até por vezes pontua-a com um simplismo explicativo, que permite a concentração e a visualização das peças escultóricas, que se transmutaram em instalações. “Imaginar e Espaço” é o titulo da sua palestra onde é recorrente citar Freud, para justificar a existência de uma determinada obra. “Já não queremos que o espaço seja um caixão pintado”, é a frase que perpassa o seu discurso, procurando questionar o espaço através de um escultor “que subdividiu a sua casa continuamente, colocando-lhe elementos como uma mesa e cadeiras, nas divisões” ,“este projecto questiona os espaços que habitamos, a sua dimensionalidade”. O cubismo “é o surgir de uma tridimensionalidade” . Exibe uma maquete de uma torre que faz sombra à Praça Vermelha, algo “completamente utópico!” Ou o facto de um autor ter gravado a feitura de uma caixa de madeira que durou trinta e cinco minutos, “o único que ouviu a gravação até ao fim foi John Cage” (risos). Um outro ter disparado contra os vidros do “museu, é óbvio que foram logo substituídos!”

Anfiteatro II da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, “Os Heterónimos da Imagem - Arte e Imaginação", inserido na X Semana Cultural da Universidade de Coimbra, 08 de Março.