sexta-feira, 27 de junho de 2008

Vieira da Silva

Desde os primeiros trabalhos de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) que é visível a inquietação. No início esse elemento está contido nas formas que pinta, numa projecção com o defeito da mão, enraizada no expressionismo. Maria Helena Vieira da Silva pintava o que via, aproximando-se da “realidade” de forma gradual, mas paradoxalmente evidenciava dúvidas e indefinições, como elementos predominantes. Enquanto criança dividiu a sua educação artística entre o piano e a pintura, instruída em casa, algo que lhe permitiu desenvolver a capacidade psico-motora que articula o pensamento com o gesto. A sua observação do espaço e o seu domínio é devedora de uma herança que representava o real, vemos as figuras esguias, a paisagem, o retrato de Arpad, o seu auto-retrato de contornos negros e solitário. A figura era incorporada numa moldura que sublinhava a sua expressão corpórea e expressiva. Há uma infantilidade perversa no gesto, na contenção suprema de não ver tudo ou representar o facto mas antes o significante. É este o epicentro do nascimento de Vieira da Silva: apresenta um conjunto de sinais que o espectador procura agrupar sobre um único entendimento. Do expressionismo passa por um surrealismo lírico, muito sedutor, consequentemente sóbrio e austero, as figuras ganham um anonimato simbólico, e o que antes era real agora é fantasia, que questiona o inconsciente. Procura libertar-se do passado, mas mantém o contorno, tenta inflectir contra as regras que lhe impunham a herança expressionista, romper com o espaço, através da perversão da perspectiva e subversão da profundidade. Este ponto marca o fim da década de 1940; em 1928 instalara-se em Paris, onde havia descoberto o amor de “Arpad-o-português” como Cessariny o denominou, um exilado hungaro judeu, da aprendizagem em sua casa passa para a escola francesa de Bissière, convive com os surrealistas, intelectuais e poetas que acompanham o seu crescimento. As rupturas estilísticas serão uma constante ao longo da sua vida, recusou a imobilidade, questionou o espaço e consequentemente a arquitectura, elaborou programas complexos de decomposição de estruturas que se suportavam na irrealidade que a abstracção nunca resolveu. A ambiguidade do seu trabalho será cada vez mais presente, nomeadamente de 1940 em diante, a partir do qual jamais será capaz de se sobrepor à realidade, mas antes, aprofundar uma invisibilidade que pretende impor uma nova conceptualidade do vazio.