terça-feira, 16 de setembro de 2008

Twin Peaks

1- Estou num não-espaço. Terreno baldio junto a um cemitério, o bilhete para os dois dias do Festival Brenha Arder, é de dez euros e permite conhecer bandas punk-rock, beber Super-Bock, sentar algures sobre o pasto arenoso iluminado pela Lua cheia e acometido por um frio crescente. No primeiro dia, predominou a vanguarda do noise-metal. “Bora lá pessoal somos os M.O.T.U”, a voz distorcida numa língua inexacta, “boa noite caralho! A próxima malha é ´Six Full`”, e, “isto até tem fumo sem ser das ganzas”, o guitarrista da direita: “diz não à heroína”, o baixista tem rastas, o quinteto veste roupas escuras de cabedal.
O Festival começa a ganhar força com o power-trio Freedom, descendentes de um expoente sonoro violento, agressivo, quer no ritmo ou na distorção, o vocalista/guitarrista ainda é adolescente, mas a bateria e o baixo distorcido completam o vértice, perfeito-punk-noise.
Os Motornoise, são do Porto, “não se nota pelo sotaque?”, pergunta o vocalista careca, de estatura baixa, que digladia para segurar o microfone das investidas do público, ele aproveita para beber. O saxofone é devedor de Zorn, mas há partículas de Morphine, “tu aí o que estás a pensar?”, questiona o Frágil. “Esta música é dedicada a todos vocês que não gostam de rezar”, a sua voz ganha uma pausa inesperada, que flutua no ar, a banda marca o ritmo fúnebre, o vocalista de mão direita ao microfone e a outra no ar, as luzes estáticas iluminam-no, durante o espectáculo bebeu de um garrafão, “lá, lá, lá”, e tudo o que criaram através da harmonia, destroem-na numa aceleração distorcida.
O quarteto SubCaos, são rapazes de cabelos compridos, caem à cintura, a tatuagem do guitarrista com a cruz de Cristo no ombro direito, debita solos épicos em canções pungentes, e o vocalista é o elemento que une todos os outros músicos, num efeito de dominó paradoxal.

2-Estou num espaço entaipado, com barracas da Super-Bock, uma mesa de mistura, punks, ex-punks, rockabillys. A afluência à hora do início dos Factor Biótico, é escassa. A cantora, movimenta-se a dançar e canta letras, como: “sou o último punk de Portugal”, sobre estruturas melódicas naïfs. “Arrastados pela lama”, pop-rock que rima com “cama”. “Parecem orelhas gigantes”, a cantora cobre a cabeça com um capucho tricotado, saia comprida e sandálias completam a sua indumentária. O guitarrista, “a Isabel é a primeira mulher [a subir a um palco] no Brenharder!”.
“Não há mulher que não me resista, não há fogo que não arda”, a voz dos Midnight Priest, ora é declamada ou cantada, a primeira parte é composta pelo refrão. Um quinteto corajoso: “Como é que é caralho?”. É frequente subirem ao palco retirarem-lhe a voz, que passa de boca em boca, numa ampla e democratica anarquia. “Esta é para quem gosta de punk/metal, do verdadeiro, quem não gosta, o cemitério é já ali ao lado!”. “Como é que é caralho, é para a facada?”, é a introdução para uma canção dramática, durante a qual ninguém lhe rouba o microfone.
Killer Karma estão no epicentro nu-metal, que foi enterrado nos Estados Unidos, bandas como os Korn já faliram, os Rage Against the Machine, dos quais tocaram uma versão, reuniram-se para os festivais. As chamas próximo da entrada, parecia que estavam a deflagrar nos tapumes, o público foge para o exterior do perímetro do recinto, os Killer Karma desligam-se da corrente. Homens com caixotes de lixo com água, correm sobre a terra árida e apagam a crista luminosa, após gritos de pânico entre os membros da organização.
Os Capitão Fantasma são um foguete de demência, um shot-billy, comandados por um guitarrista talentoso, a lançar os riffs numa cadência incendiária. Do seu lado esquerdo, delira o vocalista, de rosto esguio que se prolonga numa careca cavernosa, os óculos escuros impedem-nos de ver para dentro de Brutos. “O teu sutiã cai no chão, faz-me sentir”, e mete a mão sobre o coração, é um poeta das ruas calcorreadas por Nosferatu: “O que é que é mais doce do que a morte?”. Brutos é favorável aos touros de morte, “vai”, “para te levar”, “esquecer”, “auuuuu” e atira-se para o chão e erguendo as pernas para cima, dobrando-as, como uma morte macabra. Os Capitão Fantasma estão “à margem da lei” com o guitarrista a partir uma corda, “o que fizeste não tem perdão”, socorrendo-se de uma outra viola que se subjuga às necessidades: “Cidade Suja” e Brenha arde. Brutos trepa às colunas e atira-se, “dei-te o meu amor”, “cabra do caralho, vou-te matar! Cabra do caralho, vou-te matar!”, “podes esconder, mas não irás escapar, já matei o teu amante, a seguir vou-te matar!”. Próxima: “Lisboa em Chamas” leva Brutos a cabecear o palco, e o guitarrista a delirar: “tudo à estalada!” Soberbo.
Os Bunnyranch liderados por Kalo (voz/bateria), de calça branca e blazer preto, entra em palco e vem recolher as palmas que não eclodem. São um agrupamento de rock and roll americano, numa aceleração rítmica do blues, para suportar a voz do cantor. Que podia ser um vendedor da Bíblia ou um ex-Tédio Boys. Os interludios são acompanhados por comentários do Kalo: “não precisam responder, já estão todos com uma grande bezana? Eu vou trabalhar para isso quando sair daqui.”. Às primeiras palmas rejeita o público: “é suficiente obrigado!”. “Esta música é dedicada ao Boo Didley e ao Belmiro de Azevedo. Esta música faz parte da campanha da Worten. Estou muito mais rico? Mais rico, meus caros”; “´To fuck to Boogie`, está à venda junto na régie”. A constatação: “eu conheço a maioria das pessoas que estão aqui: o Dr. Vasco, o engenheiro António, o jovem empresário que não vou dizer o nome dele, mas ele sabe…” . “O Verão ainda não acabou, este é um dos nossos primeiros singles. E alguém um dia vai conceber uma criança ao som desta música”. “Can´t stop the ranch, can´t stop the ranch!”. “Nós somos os Bunnyranch, vocês, foram Brenha Arder!”

Festival Brenha Arder, Brenha, Figueira da Foz, 12/13 de Setembro