sábado, 25 de outubro de 2008

G.N.R

A cobertura é branca e é um caixão ou uma nave espacial, começa tudo mal, a cultura instalada das barracas é cerveja, bebidas coloridas, Dj com três ecrãs a ladearem-no, não há uma máquina de café. Porcos no espeto, hambúrgueres, cachorros e cachorras com o cio, cobertas por trajes pretos com capas de zorro rasgadas, como se fosse a assumpção do pecado. O vento da manhã esfuma os viciados do controle, o cheiro a carne assada humana, será uma recordação, nem mais um soldado anónimo, dormirá neste caixão, sonhando arrogante com o nome da sua batalha banal. Lúcido? Rui Reininho, Toli, jorge Romão= G.N.R. “Espelho Meu” instala o alarme luminoso no palco, sonoramente sofisticado, numa cadência mais lenta que o original, com maracas artificias a marcar o ritmo, balançado, “perguntei ao yé, yé, yé, ao espelho”, as palavras saem submissas dos lábios de Rui Reininho, vestido de preto mas com camisa branca para destoar, “estás a despir-te, neste palco, pareço… ahhaha”. E surge a suples em “Popless”: “tudo o que sobe também desce”, “um peito assim também cresce”, quando se excitam à língua do Reininho e o solo da guitarra, “tudo o que sobe, desce, boca, cabeça à toa”, a deflagração da redefinição da canção pop. “Senhor, senhores meninos e meninas”, “não é por acaso que o processo Casa Pia, vai chegar ao fim, há sempre uma criança dentro de mim, ´mais vale nunca, nunca mais beber, mais vale nada, Jorge duas vezes sem tirar?´”. “Está aquecer no sexo passado”, sobressaem as teclas, e o acordeão esfolia-se devagar, “e o dia não sejas triste, a bússola não sei se existe, aponta sempre para Norte”, “mar” ecoa violentamente, “esperam um gajo parecido com elas.”. “Tenho um filho da Académica, tenho uma filha Juana, tenho um amor em Viana”, a filha, “com o Tony Carreira, foi um plágio, ´perto da esplanada de um bar, todos os bichos-do-mato, efectivamente aqui é diferente`”, “em quem pensa em casar”: num final pop-beat-blues. “Bellevue”, o baixo de Jorge Romão bombeia sangue para as veias e a voz do cantor falha, aceleram o ritmo e o acordeão é um fantasma nesta equação. “Encosto ao vidro o anel de brilhantes, é de fancaria, a fingir brilhantes, e sabem que me escondo na Bellevue”, Rui Reininho ensaia uma peça de Beckett, numa cenografia para realçar o streap-tease das Sugababes, “onde era sangue, é só distorção”, e, “rendez-vous” é ditado em falsete, “jovens vestidos de preto no desemprego”. “Bate-me o coração”, “ninguém comparece ao último estertor, experimento o colchão”. Jorge Romão toca as notas míticas de “Hardcore 1º Escalão” o hino à prostituição na América latina: “Chica?”, “she sucks? Que maravilha!”, e Reininho dá tiros com os dedos para o ar, aponta à cabeça e dispara, “lá, lá, lá”, “She does it, que rico!”. “Viagem para todos os caloiros: Tirana”, as luzes azuis inundam as paredes brancas. “Inventar o Jorge, divertido e letal” com efeitos electrónicos a abrir diferentes perspectivas à canção, o funeral da “Dama ou Tigre”, “por detrás de cada porta há um só destino.”. Com uma caneca de chá na mão suspira, “o destino é vago”, “é Dama ou Tigre?", solo da guitarra blues insidioso a pairar sobre os outros instrumentos. Os efeitos arabescos do teclado, emprestam a “Dama ou Tigre”, uma sublime justaposição comparativamente com a gramática existente no original, a versão que estão a executar na Latada, Coimbra, é mais cinética. “Asas”, a bateria marca o ritmo isoladamente, falha do baixo, que “ninguém, ninguém viu, viu.”. “É Sexta-feira em Coimbra”, “era eu e o Jorge Palma, no bar”, “e falta a tua confissão”, distorção, blues-soul angular. Revisão de “Vídeo Maria.”. A crueldade de, “directa sim… eu, declaro morte ao Sol, oh, oh, oh”, as guitarras adensam-se gradualmente, progressiva, “as trevas vão demorar?”, vulnerável, a guitarra: "aí vem a dor", a substituir na totalidade o solo da gaita de foles, “oho!Oooh!Oooooh”. “Babes and boys, vamos prosseguir com um tema de um brasileiro que nos deve muito e se chama?” Resposta do baixista: “Carlos Queirós". E conduzem o calhambeque de Roberto Carlos, com a Juliana, e o travesti da esquina, a mascar chiclete enquanto, “bebe cerveja”, “vida tão chata”, “onda tão curta”, “moda tão fora, sai”, “que o raio a parta”, “multiplica por quatro, o rádio berra”, “com dezasseis, tem-se de uma vez, o desgosto de se vestir como os Djs.”. As “Dunas” encerram o serpentear dos G.N.R, que se apresentaram como o último legado pop, com a consciência a roçar a demência irónica, que os coroa com a icónica coroa de espinhos.

Latada, G.N.R, Santa Clara (Coimbra), 24 de Outubro.