A exposição literária abarca essencialmente o século XX, sendo que “Os Lusíadas” são o outsider, desta colectiva poética encabeçada por Fernando Pessoa. “Sr. Pessoa, precisei de sair, está o jantar pronto, é só sentar à mesa, tirar do lume e comer. Adelaide.” Com este bilhete entramos na intelectualidade portuguesa, numa instalação que envolve filmes, fotografias, telas, manuscritos, de colunas saem poemas, o labirinto é translúcido e percorre uma alma única: Saudade.
Do “Livro do Desassossego” estampado a letra preta sobre o branco: “A grande dificuldade do orgulho para mim oferece a contemplação das paisagens, é a dolorosa circunstância de já as haver com certeza contemplado alguém com um intuito igual (…)”.
“Os Lusíadas”, “Vês aqui a grande máquina do Mundo; etérea e elementar, que fabricada; assim foi do saber alto e profundo; que é seu princípio e meta limitada; quem cerca em derredor este rotundo; globo e sua superfície tão limada; é Deus, mas o que é Deus? Ninguém o entende; que a tanto o engenho humano não se entende (canto X, 80)”.
Paralelamente colocaram a “Mensagem” (“O dos Cotovelos”), de Fernando Pessoa e “Os Lusíadas”, (canto 3, 52-54), irmanei-os: “A Europa jaz, nos cotovelos: cabeças pelo campo saltando; de Oriente a Ocidente jaz, fitando; braços, pernas, sem dono e sem sentido; e toldam-lhe românticos cabelos; e doutros as estranhas palpitando; olhos gregos, lembrando; pálida cor, o gesto adormecido; o cotovelo esquerdo é recuado; já perde o campo o exercito nefando; o direito é em ângulo disposto; correm rios do sangue disparzido; aquele diz Inglaterra onde, afastado com quem também do campo a cor se perde; a mão sustenta, em que se apoia o rosto; tornado de carmesi, de branco e verde; fita, com o olhar esfíngico e fatal; já fica vencedor o Lusitano; o Ocidente, futuro do passado; recolhendo os troféus e presa rica; o rosto com que fita é Portugal; desbaratado o rosto o Mauro Hispano (…)”.
Está em exposição “Histoire du Portugal par Couer” de José Almada Negreiros, publicado pela primeira vez em 1922 na “Contemporânea”. Uma colagem do Cesariny, com acrílico e esferográfica sobre madeira. Álvaro de Campos: “as figuras de amadas, que aliás não existem como figuras”. E mais inscrições de António Botto, Walter Pater, Robert H. Shepard, Óscar Wilde, o óleo sobre tela de “O rapaz das Cerejas” de Edouard Manet. “Vivi, estudei, amei; e até cri; e hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu”; “Cá morreu o meu amigo; o que surrealista migo; na escurana da manhã; cá morreu o meu amigo; por todolo bem que fez consigo; vou por outro Dolviran”.
Teixeira de Pascoaes: “O que ele quer é o deserto, onde não lhe impeçam os mortos nem os vivos. Mas é difícil evitar os vivos e ainda mais os mortos, não há portas fechadas para estes”. Camilo Pessanha, “eu vi a luz em um país perdido; a minha alma é lânguida e inerme; oh! Quem pudesse desligar sem ruído; no chão unir-se, como faz um verme. (in Clesydra, 1920)”.
Mário de Sá Carneiro, “ah, que me metam entre cobertores; e não me façam mais nada; que a porta do meu quarto fique para sempre fechada; que não se abra mesmo para ti se tu lá fores! (in, “´Os Últimos Poemas de Mário de Sá-Carneiro`”, Athena 2, 1924). Constam as cartas deste poeta a Fernando Pessoa, mas não se encontram as respostas deste ao seu contemporâneo. Fernando Pessoa sobrevoa a exposição patente na Fundação Calouste Gulbenkian, com esta reflexão: “Nunca supus que isto que chamam morte; tivesse qualquer espécie de sentido; cada um de nós, aqui aparecido; onde anda a lei certa e a falsa sorte”. Mário de Cessary vai, “hoje, dia de todos os demónios; irei ao cemitério onde repousa Sá-Carneiro; a gente às vezes esquece a dor dos outros; o trabalho dos outros; o coval dos outros”. Os auto-retratos de Almada Negreiros testemunham a passagem de dois grupos de alunos que ouvem os guias com atenção.
“De quando em quando junto as recordações para morrer; não gosto de andar sem nada”, filosofa Vitorino Nemésio em 1940. “De Rembrandt a Van Gogh a tinta és tu; em rosa de bateira e sol de vinho; o tempo fez-se-me fome; mas levantas os braços--e é o moinho. (Vitorino Nemésio em “´Andamento Holandês`”).
“Faze de ti um duplo ser guardado; e que ninguém, que veja e fite, possa saber mais que um jardim de quem tu és--Um jardim ostensivo e reservado; por trás do qual a flor nativa roça; a erva tão pobre que nem tu a vês...” é a pluma do poeta Fernando Pessoa o corpo são as suas palavras, a alma o português. “E a propósito, ocorre-me que numa ocasião, entrando num eléctrico (recordo-me bem, era da carreira da Estrela), deparo com Fernando Pessoa que me pergunta num chofre: ´Já notou um coisa, ó Pascoaes? Há escritores de que ninguém fala e ninguém lê, e outros de quem ninguém fala e toda a gente lê. E desta duas espécies, qual em seu entender, tem mais valor?` Respondi que aqueles de que toda a gente fala e ninguém lê, e Fernando Pessoa rematou: ´É também a minha opinião`”.
"Weltliteratur—Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o Mundo!", Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), 14 de Novembro. Patente de 30 de Setembro até dia 4 de Janeiro.