As colinas de Lisboa estão suspensas sobre um calor nocturno, iluminadas por a Lua que se exibe timidamente, que é gradualmente absorvida pela cidade da Mensagem. Sei Miguel é alto, magro, o cabelo escuro e espesso, pendem-lhe até as sobrancelhas, exibe um rosto sério e marcado pelas noites de desassossego, tumultuosas, belas, angustiadas, eléctricas, solitárias. Tem um brinco que parece o dente de uma baleia, que lhe dá um aspecto de corsário pronto a esquartejar os peitos palpitantes das ilhas virgens, as sandálias mostram pegadas que marcaram as ruas escuras e velhas da capital. Sei Miguel é um trompetista que conjuga delicadeza com silêncio, apoiado numa banda de três músicos: precursão, trombone de varas, e guitarra eléctrica, criam a base para o músico comunicar, seja através do precipício da leveza introvertida, socorrendo-se da surdina, ou, quando a retira, da extroversão. Por vezes dialoga com algum dos seus músicos, mas predomina, a sua dupla personalidade, que por entre os acordes que jogam por assimetria, e, ou por oposição, une as sete colinas, que são heteronomias de uma geografia acidental, é a poesia da conjugação de um quadro cénico que perturba as ruas alicerçadas no fado. Sei Miguel é o trompetista de uma contemporaneidade cinética, que mantém as raízes no jazz, mas que se encontra numa verbalização independente. Palmas. Ouve-se a sua voz, após meia hora, de concerto no Lounge: “Obrigado. Quando se toca uma peça nova pela primeira vez, há sempre um aspecto técnico, que posteriormente desaparece.”
Sei Miguel, Lounge, 28 de Maio.
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