quinta-feira, 11 de junho de 2009

Sinestesia

Entram os cinco músicos que acompanham Mayra Andrade no seu périplo por Cineteatros e salas de congressos, como sucedeu em Aveiro. Mayra, tem uma tez mulata e um corpo de nenúfar, mas que em vez de seguir a maré, impõe ao mar, o ritmo das correntes, a sua silhueta é de uma sensualidade desarmante. E o seu canto é de sereia que encantou Camões, e por ela, ofereceu aos portugueses a Ilha dos Amores. É o êxtase. A loucura. O crioulo oferece ao seu canto uma perspectiva enigmática, com a repetição de argumentos, percebemos que há uma ausência, que comparativamente ao fado, é semelhante. O público que enche o Teatro Académico Gil Vicente (TAGV) em Coimbra, grita: “És linda”, ou, “és a nossa bandeira”, com resposta da Diva: “Uma bandeira, é muito quadrada”, a rainha é um arquipélago de beleza e de sensualidade. Acompanhada por um duo de guitarras, um, é mais rock and roll, o outro é Pat Meteny, o que em algumas canções é um timbre descabido. Curiosamente, o outro guitarrista, pega em cavaquinhos, e fá-los soar a guitarra eléctrica, em guitarras e fá-las chorar, é o suspeito numero dois, o responsável por uma segunda voz. O baixo é um negro de camisa psicadélica, calça luvas, o seu dedilhar é de veludo, num diálogo directo com a Diva, comunica, não se impõe, é a reverência perante a Rainha de África. Ela é a Ilha de Cabo Verde, que à capela iniciou o concerto, e finaliza-o entregue a uma ladainha encantatória, é a beleza que se concentra num palpitar que sentimos, mas que não conhecemos, a pluralidade e a determinação do verbo, é o substantivo da profunda estupefacção; seja, o jogo dos percussionistas que palpitam como chagas de lava a irromper da terra de Cabo Verde, desta dualidade sobe à vida poética uma geografia exótica, apesar da aridez da paisagem cabo-verdiana. É de uma extrema simpatia para com a Celina da Piedade: “Vocês conhecem a Celina da Piedade”, as luzes acendem-se do TAGV, para Mayra Andrade contabilizar os que conhecem a acordeonista de “Rodrigo Leão”. A canção que assinaram em conjunto, é uma narrativa parisiense, mas falta a Celina no palco, para ela apertar a sua concertina e elevar a estética da canção, para o seu centro. Após o encore, surge Mayra Andrade, a Rainha de África e exala o seu timbre inqualificável, que concentra a sua energia no microfone e gradualmente, afasta-se do mesmo, num scat, inqualificável, poético poderá ser, é virginal, termo que qualifique ou explique o divino.

Stória, Stória, Mayra Andrade, Teatro Académico de Gil Vicente, 10 de Junho