terça-feira, 25 de agosto de 2009

Délicatessem

A aldeia encontra-se iluminada com as luzes do Verão, à entrada da área destinada às farturas e carros de choque, várias lápides estão expostas rodeadas por uma rede de galinheiro. As adolescentes com sotaque de França, Suíça, vestem roupas de cores claras e acentuam nos topes, para aumentar a corrente de ar e desta forma arejar a temperatura corporal. Os convidados desta noite de festejo são os G.N.R, com o palco instalado à frente de um campo de futebol sintético coberto por uma alcatifa para não o danificar e impedir os jogos dos casados contra os viúvos aos Domingos à tarde após a bênção do Padre às suas beatas e beatos. A bandeira da festa na Bidoeira de Cima é hasteada por Rui Reininho, vestido com um blaze azul às riscas brancas, e uma camisa branca, ganga e sapatilhas cinzentas completam a indumentária digna de um por de sol em Cascais, junto à marina a ver os velejadores a zarparem para o Ultramar. Os G.N.R ainda perguntam se o espelho é a fonte adequada para obter o reflexo de Portugal, “perguntei ao meu espelho”, “complicado”, “e continua de pé?”, o fraseado da guitarra sustenta toda a canção que é envenenada por um funk nervoso e excitante. “Bom dia. Obrigado pelo vosso convite, apropósito foi o primeiro deste ano”, é a cerimónia do Rei. Sou o “Popless”, “yeah”, com as guitarras em distorção, “quando tudo sobe também desce”, “mexe e remexe”, “ e assim acontece”, “ai, ai, sabendo que é boa”, “o segredo é Pop-pop-pop-lesss”. O aviso do Rei: “Meninos e meninas não se cheguem às falécias, por causa da humidade, capice?”. O palco encontra-se rodeado por um pinhal de solo arenoso, as luzes são um jogo simples de very lights e de uma parede led que dança ao ritmo das canções. “Há um bicho novo para limpar”, “mais vale nunca, mais vale nada”, “cérebro em fuga”, “letal”. Apresenta Jorge Romão, como o “George Constanza” da “série Seindfeld, não era?”. “Somos muito novos, temos 30 em cada perna. Tirando as partes gagas”. A pronúncia do Norte é sempre prenúncio de morte, “hemisfério traga outro Norte”, “a bússola”, está de tal forma viciada que aponta inquestionavelmente para Norte: “Mar”, “mar” e o bandoleon expira uma tragédia que levava os portugueses para o Mar do Norte à pesca à linha do bacalhau, “não tenho barqueiro”. O agradecimento vindo de um Rei letrado em romances de cavalaria queimados por Cervantes: “Se não fossem vocês estaríamos na tropa! Esta é dedicada ao meu amigo Mickael, assim um gajo giro. E eu não sou giro? Somos uma boysband de gajos giros!”. Os “ratos” nesta aldeia parecem “mafiosos convictos habituados a controlar”, não vos parece? “Efectivamente!”. Nunca daria para instalar uma banheira decorada à sombra dos pinheiros, porque a “Ana Lee”, “Ana Lee”, é mulher da elite, que delira com um “Lotus azul”. O que era uma canção à viola, é transposta em regime de rock-funk-transgressor, a transbordar de um “triângulo molhado”. Reininho informa o público: “Esta é mais difícil, é tipo preço certo”. Coloca a voz à David Fonseca a carpideira-mor deste país de anglo-saxónicos: “Esta música é em modos de Leiria, é em inglês!”, “she sucks”, “que rico”, “que maravilha”, com as guitarras a repetirem os acordes, no interlúdio são as teclas que realçam o kitsh, “ai! The Puerto Rico Show”, “The Puerto Rico Show”, “Miss. Venezuela”, “Miss. Caraibas”, “que rico sabor, ai! Ai!AI!AI!”, “Guantanamera, Guantanamera”, “AHAHAHAHAHAHAHA”, ecoa, soul-psicadelica, “Conchita, you are in the business…”, “I Want you!”, “Aiaiaiaiaiiaiai”, “The Puerto Rico Shooooooow!” . E a “Tirana”? A gestualidade do Rei implica uma comunicação semelhante à de um professor de matemática surdo. “Esta é o terror”, de onde fogem, “Dama(s) e Tigre(s)”, de um jogo “divertido e letal”, “por trás de cada porta há um só destino”, numa convergência proeminente rock. É “Sexta-feira (um seu criado)” algures num espaço onde rodam bebedeiras de bar em bar, com a voz em simultâneo com o riff: “Falta o teu voto na mão”, “já não sei em quem votei”. A conclusão de que, “os gajos com piada estão a morrer todos. Eu vou viver até aos cem!”. “Sinto a língua morta o latim vai mudar”, “estará a meditar?”, “Ui!”, “Ai!”, “Ui”, “Ai”. “E se o amanhã perdido for? Metamorfoses de pavor”, “OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO”, “aí vem a luz”, solo de guitarra-psico. “Esta é de um amigo nosso, Roberto Carlos”, vale a pena ser belo, rico e dono de um cabriolet e contar as histórias da nossa juventude às virgens que se passeiam à beira mar. Pois, as “assas servem para planar e sonhar”, e inscreve-las na memória para as noites gélidas de Inverno, “aconteça o que acontecer”. A adolescência é sinónimo de leituras com final feliz: cão, gato, e os objectos domésticos para dar utilidade à casa. Quando se é “Sub 16”, tem-se o sonho de ver os G.N.R ao vivo no Estádio de Alvalade e beber “cerveja escondido da mãe”, e gritar: “ESTOU FARTO, FARTO, DE DORMIR SÓ”. “Patchiuri, patchiuari, patchiurirararararararara”, “onde?”, “agora somente os de Bidoeira de Baixo”, “patchiuari, patchiauari, patchiuari”, “agora só aquela senhora que está a conduzir de sandálias e de topless!”.

G.N.R, Bidoeira de Cima, 23 de Agosto.